Soft Power: não tem preço

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Opinião

Soft Power: não tem preço

Mais do que alcance e frequência, o marketing e a propaganda hoje precisam ser construídos em cima de atração e confiança


6 de julho de 2018 - 8h59

Crédito: DNY59/iStock

O recente imbróglio envolvendo a Mastercard, Neymar, Messi e as mídias sociais é mais um episódio na combinação de elementos que, como o aquecimento global, vai modificando o funcionamento de todo ecossistema da comunicação. A campanha foi mal recebida nas redes e a empresa acabou desistindo da iniciativa. Conforme observou Raja Rajamannar, diretor de marketing da operadora de cartões, existe uma “ameaça existencial” para os executivos de comunicação: sua incapacidade de provar valor para os CEOs e diretores financeiros fica mais evidente em momentos em que a “máquina da mídia social está em movimento”.

A discussão sobre o retorno do investimento em marketing não é nova — começou a esquentar nos anos 1980 —, mas o crescimento dos investidores ativistas, exigindo o corte de despesas em grandes anunciantes, combinado com os avanços tecnológicos e as mudanças geracionais, obriga os gestores a repensar o uso das ferramentas clássicas que usavam para atrair e convencer os consumidores. Mais do que alcance e frequência, o marketing e a propaganda hoje precisam ser construídos em cima de atração e confiança — dois atributos de um conceito fundamental no mundo moderno: o Soft Power.

Desenvolvido pelo professor de Harvard, Joseph Nye, nos anos 1990, pode ser definido como “a capacidade de conseguir o que você quer atraindo e convencendo os outros a adotar seus objetivos”.

Os valores de uniformidade e segurança trazidos pelas marcas tradicionais são substituídos pela “autenticidade” e “independência” dos pequenos produtores locais, colocando em xeque os negócios baseados em marcas globais

Historicamente, as transições demográficas criam um abismo entre os objetivos das organizações e os da maioria dos seus consumidores, e a tecnologia acelera esse processo — basta ver o que se falava sobre os jovens consumidores dos anos 1960 e a televisão. E agora estamos assistindo à entrada na maturidade da geração nascida ao final do século 20, os chamados millennials. Tenho algumas restrições com estas classificações geracionais arbitrárias (o Marcos Calliari, CEO da Ipsos, acaba de defender uma dissertação de mestrado questionando as tipologias usadas pelo mercado para analisar o fenômeno, mas como fui integrante da banca preciso esperar que ele a libere para publicação antes voltar ao tema). Mas, por qualquer critério que a gente utilize, o fato é que estes jovens dos anos 1980 e meados dos anos 1990 estão entrando na fase econômica mais importante das suas vidas, caracterizada pelo aumento dos ganhos e também das despesas (filhos, casa, etc).

E com a idade, vem o poder de consumo: segundo o Brookings Institute e o World Data Lab, globalmente o poder de compra desta geração vai ultrapassar o da geração anterior em 2020 e se manter como a principal força de consumo para muito além da próxima década. Mas este maior poder de consumo não se traduz na mesma estrutura de gastos que caracterizou a geração anterior, marcada pelo fascínio da internacionalização. Os valores de uniformidade e segurança trazidos pelas marcas tradicionais são substituídos pela “autenticidade” e “independência” dos pequenos produtores locais, colocando em xeque os negócios baseados em marcas globais.

Agora agregue uma estrutura de comunicação que não depende mais de enormes investimentos em equipamentos, licenças, serviços de terceiros, etc. É algo que não pode ser controlado, no máximo monitorado — como descobriram o governo e alguns “líderes sindicais” na recente greve dos caminhoneiros, organizada pelo WhatsApp. Mas poderia ser, por exemplo, um boicote aos produtos ou iniciativa do seu cliente, como no caso da Mastercard.

Diante desse quadro, é natural que as empresas de comunicação, baseadas em outra estrutura de custos e preferências de consumo, sofram com o avanço de organizações baseadas em tecnologias distribuídas, ao contrário da centralização que caracterizou a era dos grandes grupos de mídia. Em termos de estratégia, é como se as alterações tecnogeracionais colocassem em xeque os modelos de extração de valor baseados na competição em escala para outro que se denomina como “Redes de Captura de Valor”, na qual as empresas focam mais em construir alianças, as vezes até mesmo com concorrentes, para criar valor para o consumidor, ao invés de tentar “roubar” o valor uma das outras. Para fazer isso, precisam confiar mais no Soft Power do que na capacidade de persuasão do seu departamento jurídico ou nos recursos financeiros da sua mesa de compras.

O grande desafio do marketing nestes próximos anos será compatibilizar alguns indicadores do Soft Power — credibilidade, confiança, transparência, inovação e consistência, entre outros, com as métricas financeiras tradicionalmente associadas com a criação do valor econômico (sim, são coisas diferentes, mas não tenho espaço para detalhar aqui). Essa que é a verdadeira transformação que o setor de mídia, publicidade e propaganda terá de empreender para continuar relevante. Claro que ela tem aspectos tecnológicos, “digitais” ou “exponenciais”, mas eles nem de longe são o ponto central. Compreender isso talvez seja a única forma de enfrentar a crescente irritação dos consumidores com a publicidade e evitar que a “máquina da mídia social” engula sua campanha.

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