Opinião
Ideias para inovar no jornalismo
A crise do jornalismo e consequentemente da indústria da comunicação é estrutural, não apenas um problema de tecnologia ou modelos de negócios esgotados
A crise do jornalismo e consequentemente da indústria da comunicação é estrutural, não apenas um problema de tecnologia ou modelos de negócios esgotados
25 de julho de 2018 - 10h44
A profunda transformação da indústria da mídia, a partir da Revolução Digital, quebrou uma série de empresas pelo mundo (também no Brasil) e virou prato fértil para gurus buscarem soluções mágicas. Mas poucas estão encontrando a saída, talvez por insistirem em manter as lógicas antigas de trabalho e de modelo de negócios.
Às vezes aparecem movimentos para revalorizar os produtos tradicionais, proporcionar maior sobrevida aos analógicos. Por exemplo, O Globo lança no próximo domingo (29) um novo modelo gráfico, para reforçar a lógica de que a função informativa de um impresso é cada vez mais opinião e profundidade. As notícias, commodity, devem ser rápidas (pois se esgotam também em um piscar de olhos) e publicadas em plataformas mais ágeis.
Mas nada substitui a inovação. Só que inovar é difícil, exige pensamento, inspiração, coragem e ousadia. Isso significa pessoas qualificadas. Ou seja, investimento. Em um momento de crise, de contas no negativo, nem todos estão dispostos a investir.
Os pesquisadores dinamarqueses Per Westergaard e Soren Schultz Jorgensen acabam de divulgar o livro-pesquisa The Journalistic Connection, por enquanto apenas em dinamarquês. Trata-se de um estudo baseado em visitas a 54 empresas de comunicação de 9 países (Estados Unidos e mais oito europeus). A ideia que une essas empresas é aproximar-se das comunidades, da audiência, cada uma com suas próprias estratégias.
Inovar é difícil, exige pensamento, inspiração, coragem e ousadia. Isso significa pessoas qualificadas. Ou seja, investimento
– A crise do jornalismo e consequentemente da indústria da comunicação é estrutural, não apenas um problema de tecnologia ou modelos de negócios esgotados – argumenta Westergaard – Quando a audiência vira as costas para jornalismo noticioso, passa menos tempo em frente à TV ou escutando rádio, compra menos exemplares de jornais e ainda revela uma insatisfação com os produtores de conteúdo, é preciso fazer uma crítica ao jornalismo e buscar uma revisão de seus conceitos.
E a pergunta que sai do estudo é: como fazer o jornalismo recuperar sua relevância? Como o jornalismo pode servir outra vez de conexão à sociedade?
Os dinamarqueses chegaram a nove pontos que conectam e orientam os inovadores, nove maneiras de repensar a produção de conteúdo para beneficiar a audiência:
1 – Da neutralidade à identificação – É preciso dinamitar o velho conceito da isenção. Ninguém é neutro, muito menos uma empresa de comunicação ou seus jornalistas. A neutralidade é um mito. Quando fica claro o posicionamento do veículo, a sociedade se identifica – ou não – com ele. E assim cria-se fidelização.
2 – Do “para todos” ao “para poucos” – Os veículos devem determinar um nicho, um grupo preferencial para seus conteúdos. Ao identificar esse corte fica muito mais fácil definir valores e interesses conectados com essa audiência específica.
3 – De público a membro – Não basta oferecer conteúdo à audiência, é preciso conquistá-la e obter sua cumplicidade. Assim nascem os assinantes, pessoas com orgulho de participar de um “clube”.
4 – Da assistência à participação – Empresas de mídia do mundo inteiro estão dando vida aos seus conteúdos. Seja através de eventos, seja por cafés temáticos ou ainda por visitas e viagens guiadas pelos especialistas/jornalistas.
5 – De falar a escutar – Ter os ouvidos abertos à comunidade é uma estratégia infalível em tempos de redes sociais. Mais além de canais de Whatsapp e Facebook, um mergulho na realidade da audiência serve para identificar as necessidades do grupo.
6 – Da distância à cooperação – Especialistas em temas podem (e devem) colaborar com o veículo de referência local. A teoria de que apenas jornalistas produzem conteúdo acabou. Jornalistas garantem a qualidade do produto, mas é preferível que um cientista fale de ciência – com ajuda de estilo de jornalistas – do que um repórter mal informado.
7 – De canais próprios a todas as plataformas – Se a audiência está no Instagram, no Facebook e no YouTube, por que tentar criar plataformas semelhantes – mas sem ninguém interagindo? É preciso saber utilizar todas as plataformas, com estratégias adequadas para criar engajamento nos canais próprios.
8 – De problema à solução – O mundo está cheio de problemas. Se os veículos apenas repetirem essa lista, estarão afastando quem se preocupa em resolvê-los. O jornalismo de soluções propõe saídas, pensa o problema e busca alternativas de forma pro-ativa.
9 – De observador a ativista – Qualquer empresa de mídia precisa defender valores, ter bandeiras. Isso representa a audiência, traduz o sentimento de todos. Não basta observar e relatar, é preciso ser parte ativa.
Qualquer veículo, seja ele do tamanho que for, com a abrangência que tiver, tem saída. Mas é preciso estar aberto a novas formas de se fazer jornalismo. A solução está cada vez mais no bom jornalismo.
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