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Opinião

Ter bandeiras de diversidade nos torna mais inclusivos?

Precisamos entender que sobrevivência é o mesmo que coexistência, por Raphael Pagotto


26 de outubro de 2018 - 7h23

Foto: Reprodução

Vivemos dias totalmente polarizados, onde separamos homens de mulheres, direita de esquerda, cisgêneros de transgêneros, ricos de pobres, origens, corpos, sexualidades, peles e gerações.

Lembro-me do cheiro daquela revista que continha uma reportagem completa sobre a Eco 92, referência para as metas e agendas de desenvolvimento sustentável que ecoam até hoje no planeta, com sua agenda 21, agenda 2030 e tantos outros compromissos, pequenas e grandes mudanças. Embora muitos, na época, tenham considerado o evento um fracasso. Minha memória é vívida por conta do cheiro daquela publicidade que continha, impregnado no papel, o aroma das queimadas com o alerta sobre a importância de conservar nosso ecossistema.

Sustentabilidade era a onda do momento, áreas foram criadas dentro de empresas, campanhas de sensibilização massivas para o público interno consumir menos papel, gastar menos energia, produzir menos lixo. Quantas mudas foram plantadas para compensar o impacto gerado por nossas ações de marketing, árvores das quais nunca vimos ou deitamos sob suas sombras? Eu mesmo até plantei uma pitangueira na frente de casa. Não pela influência da publicidade (ou talvez sim), mas por ter uma irmã bióloga que desde garotinha sonhava em defender a Amazônia e hoje presta consultoria ambiental, demanda gerada pelas atuais regulações governamentais que forçaram a adaptação de setores com laudos e certificações para continuar existindo.

Ser sustentável era muito inovador e, ao mesmo tempo, quase inacessível. Isso porque desconhecíamos processos produtivos, eram raros os fornecedores que pudessem atender essas demandas, o que de fato inviabilizavam propostas estratégica de mudança, seja em qualquer setor, mesmo na comunicação. Evoluímos bastante, mas ainda falamos sobre abolir canudos de plástico.

Para onde vai o nosso lixo, mesmo? Não sabemos, porque não vemos. Nos livramos do cheiro, do volume e da aparência. Até alguém lembrar que ele existe, bem diante dos nossos olhos. Mesmo em uma ação publicitária no meio da revista, seja no meio da rua quando a classe trabalhadora reivindica seus direitos e lembramos que ambos existem: lixos e trabalhadores do setor.

O que consideramos lixo?
Meu antigo professor de química do cursinho popular preparatório para a universidade dizia que lixo era substância fora do lugar. Hoje, em um mundo ainda não sustentável, com recursos esgotados e concentrados na mão de poucos, me pergunto: Que lugar é este, que consideramos adequado ou inadequado, que regula o nosso olhar para a realidade do que serve e do que não serve mais? Um lugar onde transformamos e subvertemos a natureza, local onde atribuímos o significado que desejamos e, em tempos recordes, usamos e descartamos tudo, incluindo as relações?

E é aí que chegamos no contexto da diversidade. A palavra do momento no mainstream da inovação — porque aumenta o resultado e torna os profissionais mais produtivos, os projetos mais eficazes e as marcas mais lucrativas. As pesquisas estão aí para provar isto, não é mesmo? Uma diversidade de consumo, necessária a todo custo, mas seria por seu real valor? O ISO da diversidade logo virá. Necessário e insuficiente. Como o papel semente, o brinde sustentável. Ter as bandeiras da diversidade nos tornaria mais inclusivos?

As evidências de nosso processo histórico não são tão favoráveis para ser mais positivo. A diferença é que não temos mais tanto tempo assim para recuperar a nossa existência e as nossas fontes. Sobrepomos, sobrepujamos, subvertermos as nossas naturezas e a de outros sem nos preocuparmos com nossos próprios ecossistemas. Já somos 7,6 bilhões de pessoas consumindo diariamente. Hoje, sabemos que sem a biodiversidade, não há garantia de sobrevivência. Seremos 9,8 bilhões em 2050, segundo a ONU.

Teremos lugar para todos? Do modo que vivemos, precisaríamos de 1,7 planeta Terra para atender a nossa fome e sede de consumo. Segundo a rede Global Footprint Network, esgotamos os recursos do planeta em 1 de agosto de 2018, a data em que foram utilizadas todas as árvores, água, solos férteis e peixes que a Terra consegue fornecer em um ano para alimentar e abrigar os seres humanos e emitimos mais carbono do que os oceanos e florestas conseguem absorver.

Vivemos dias totalmente polarizados, onde separamos homens de mulheres, direita de esquerda, cisgêneros de transgêneros, ricos de pobres, origens, corpos, sexualidades, peles e gerações.

Enquanto consideramos que certos potenciais têm utilidade e outros não, enquanto nos uniformizarmos dentro de nossos próprios higienismos, considerando como refúgio e mantendo longe tudo o que é diferente de nós, sem incluir — de fato coexistindo — e dialogando em plenitude de modo totalmente complementar (apesar) e graças às diferenças, colaborando e valorizando todas as propriedades coerentes à natureza de cada ser. Enquanto não entendermos que tudo faz parte de um mesmo solo chamado Terra, viveremos excluindo até o ponto do lixo ser depositado sobre nossas cabeças. Daí as inesgotáveis intolerâncias, discriminações e violências que minam a nossa natureza humana em um mundo esgotado das exclusões que criamos.

A nossa coexistência é a nossa sobrevivência. Sigamos rumo a uma diversidade sustentável, com todos os nossos sentidos, mesmo os que não “cheiram bem”.

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