Tempo de pensar sobre o tempo

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Opinião

Tempo de pensar sobre o tempo

Estrategistas devem deixar para trás planos de longo prazo e focar nos hot topics da semana?


21 de dezembro de 2018 - 14h15

Crédito: bernie_photo/iStock

Tenho a sensação de que todos os finais de ano se parecem um pouco. Sinto que o tempo passou depressa demais e que deixo algumas coisas para trás para que novos ares venham por aí. Pode ser efeito daquela contagem regressiva “5, 4, 3…”, mas não teve jeito de pensar em outra coisa na hora de escrever esse texto.

A história nos mostra que um dos grandes dilemas da humanidade sempre foi a relação com o tempo. Descobertas arqueológicas confirmam que a preocupação com tempo é comum em todas civilizações antigas estudadas até hoje e que, de uma forma ou de outra, deixaram registros desta inquietude. Estamos nós, na atualidade, deixando os mesmos rastros. Não são poucas as tecnologias de comunicação e informação que tentam controlar o tempo e prever o futuro. Da bola de cristal aos algoritmos.

Pesquisadores da área de inteligência artificial do MIT desenvolveram um programa abastecido com 600 horas de vídeos do YouTube e programas de televisão como The Office e Desperate Housewives para ver se conseguiriam prever e aprender certas interações humanas como abraços, beijos, “high-fives” e apertos de mão. Nada muito diferente do que nós, humanos, desenvolvemos naturalmente ao longo de nossas vidas, pegando pistas nas interações sociais das quais fazemos parte para tentar antecipar reações em palavras ou atitudes.

Para testar o computador, os pesquisadores mostraram vídeos de pessoas que estão a um segundo de fazer uma das quatro interações (abraços, beijos, “high-fives” e apertos de mão). O computador cria vários possíveis cenários futuros e usa o que aprendeu para adivinhar o que vai acontecer. A taxa de acerto foi de 43%. Obviamente, o sistema será ainda mais preciso quando mais conteúdo consumir — 600 horas foram em apenas 25 dias.

Enquanto não chegamos lá, resta a nós a capacidade de imaginar e aprender a lidar, como pessoas e organizações, com o tempo e a assertividade (ou não) das nossas previsões para os próximos capítulos.

Pequenas ou grandes empresas estão passando pelo desafio de uma transição que opera em altíssima velocidade. Estamos em um ambiente supercompetitivo, onde uma vantagem por si só talvez não seja mais suficiente, pois em questão de minutos ela pode não ser mais só sua. Como navegar nesses tempos então? Os estrategistas devem deixar para trás planos de longo prazo para as marcas e focar nos hot topics da semana tentando acompanhar o ritmo frenético do nosso dia a dia? Não. E sim.

A estratégia de longo prazo nada mais é do que o alicerce do barco. Independentemente do que venha pela frente, do ritmo da maré e das surpresas do meio do caminho, você tem a certeza de saber onde está pisando. Ter clareza como marca do que você é e no que acredita é o que permite tomadas de decisões rápidas e descentralizadas que façam sentido para os curto e longo prazos.

O papel essencial para um estrategista nos dias de hoje fica então muito claro: temos o desafio de criar uma camada de conteúdo quase inconsciente para as marcas que possa ser acessada muito rapidamente quando necessário. Tipo a receita de pastel de forno da minha avó Celita. O pastel é um atalho para mim, que muito rapidamente me conecta com a sensação de conforto e afeto que marcaram muitos domingos da minha infância. Um conjunto de valores sólidos tem esse poder. Em tempos de tantas turbulências, os valores possuem a capacidade de nos reconectar com aquilo que realmente importa, facilitando escolhas e decisões.

Apesar disso, não podemos deixar de lado a importância, para o estrategista e para o objeto da estratégia, de estarem atentos ao agora. Ingredientes como flexibilidade e capacidade de adaptação fazem toda a diferença. Uma marca conectada vai muito além do conceito de estar presente nas plataformas digitais. Uma marca conectada tem empatia. Está em sintonia com o que pensam, sentem e como as pessoas agem. No tempo delas.

Simples? De forma alguma. O melhor mesmo seria se pudéssemos desacelerar o tempo e fazer com que tudo girasse na nossa velocidade e não na do outro. E veja que interessante o que a neurociência nos traz: muitos cientistas que estudam o tema, como David Eagleman, propõem que é possível manipular o tempo e fazê-lo passar mais lentamente. Concordam que fazer coisas novas cria registros novos no cérebro e, portanto, memórias mais ricas fazem o tempo parecer que passou mais devagar. Aquela atividade entediante de aguardar na sala de espera de um médico parece durar muito enquanto você está nela, mas quando você olha pra trás, a percepção é de que não durou um segundo, isso porque o seu cérebro não registrou nada de novo acontecendo.

Este conceito traz para mim um jeito novo de tentar resolver meus dilemas com o tempo. Uma boa notícia para nossa relação com as marcas e para nossa vida. Quando pular as sete ondas, tentando prever meu 2019, já sei o que pedir: um novo ano cheio de experiências novas, de perguntas para as quais ainda não tenho respostas, de novos caminhos. Como diria o Chapeleiro Maluco à Alice, no País das Maravilhas: “Se você vivesse com ele (o tempo) em boas pazes, ele faria qualquer coisa que você quisesse com o relógio”. Quem sabe assim possamos esticá-lo ou fazê-lo passar mais depressa? Eu vou tentar.

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