O jornalismo criativo de Cuba

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Opinião

O jornalismo criativo de Cuba

Sem liberdade, a democracia desaparece. E será preciso encontrar mais janelas para se escapar das portas fechadas


22 de abril de 2019 - 14h30

(Crédito: Derek Brumby/iStock)

Liberdade de imprensa não é bem a expressão mais correta para se definir a situação de hoje em regimes autoritários. Segundo o Repórteres Sem Fronteiras (RSF), a Coreia do Norte é onde há a menor liberdade de imprensa no mundo, seguida de Eritrea, Turcomenistão, Síria e China. Na América Latina, sempre segundo o RSF, Cuba é onde menos se pratica a liberdade de imprensa.

Na ilha do Caribe, a voz dissonante mais conhecida do planeta é Yoani Sánchez, jornalista autora do blog Generación Y, que, desde 2014, mantém a publicação 14ymedio. Yoani não compartilha dos mesmos princípios do governo cubano e por isso sofre perseguições sistemáticas. Não consegue por exemplo, imprimir seu produto, já que a rotativa do país está nas mãos do governo e do jornal Granma, meio oficial do Partido Comunista Cubano.

Mas Yoani é criativa. Aliás, semana passada ela definiu criatividade: Criatividade é a capacidade que se tem de abrir uma janela quando a porta está fechada. Yoani vem abrindo janelas em sequência. Por exemplo, como fazer com que o 14ymedio tenha leitura, quando a internet de Cuba bloqueia a URL do site e impede que se faça uma pesquisa via Google ou qualquer motor de busca de encontrar seu nome? Sem acesso via web, e sem papel, como divulgar suas ideias?

É aí que apareceu o “paquete”. O “pacote”, em tradução livre, é um pen drive, uma memória USB simples. Só que alguns “distribuidores de conteúdo”, que conseguem captar sinais de televisão e de sites em Cuba, gravam séries, telejornais e outras atrações no pen drive. E alugam a memória por algo como US$ 2 por semana (R$ 7,50). Quase de contrabando”, Yoani coloca o 14ymedio em PDF entre as atrações do pacote. E assim faz o trabalho de sua redação de 11 pessoas circular.

A diferença entre o material editado por Yoani Sánchez e a grande maioria dos jornais da América Latina é sua relevância. Não por estar certa ou errada, mas por conseguir questionar a informação oficial. Cuba precisa conhecer as ideias dissonantes do 14ymedio, enquanto os impressos no Brasil e demais países do bloco estão a cada dia mais irrelevantes. Criativa é a maneira de fazer circular.

A mídia brasileira parece tão surpreendida com a inabilidade do governo federal que se mexe com dificuldades. Pior, a cada denúncia — por mais leve que seja — vira vítima de uma estratégia armada de acusações por todos os lados. O presidente escolhe a dedo os aliados para quem dar entrevistas. E acusa quem é contra seu governo de trabalhar “contra o Brasil”. Uma forma infantil e barata de responder.

No ranking mundial de liberdade de imprensa do RSF, o Brasil ocupa a posição 102 entre 180 países, atrás de Moçambique (99), Tunísia (97), Nicarágua (90) e Togo (86), entre tantos. Sem liberdade, a democracia desaparece. E será preciso encontrar mais janelas para se escapar das portas fechadas.

*Crédito da imagem no topo: Rawpixel.com/Pexels

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