Eu escuto vozes

Buscar
Publicidade

Opinião

Eu escuto vozes

Tenho certeza de que muitas pessoas deixam de seguir novos caminhos por não ouvir a intuição ou por se perderem na imaginação do pior cenário


2 de setembro de 2019 - 14h30

(Crédito: Jason Rosewel/ Unsplash)

Se eu perguntar se você está ouvindo uma voz na sua cabeça enquanto lê esse texto, a resposta provavelmente será sim. Se você nunca conversou comigo, a chance de essa voz ser a sua própria voz é muito alta. Para algumas pessoas que já me ouviram falar, essa voz interior pode, inclusive, ter mesmo o som da minha. A ciência já vem estudando esses e outros fenômenos ligados às nossas vozes interiores, entendendo que, no extremo, essas manifestações podem representar sinais de patologia, mas que existe uma medida comum onde nosso diálogo interior pode ser útil e desejável.

Foi em 1930 que o psicólogo soviético Lev S. Vygotsky começou a trabalhar a ideia de que, em determinados momentos, pensamento e linguagem se intercruzariam. Ou seja, o pensamento mais sensorial pode se tornar verbal (um ato falho, por exemplo) enquanto a fala mais concreta pode se tornar intelectual. O processo, segundo Vygotsky, começa na primeira infância. Para conferir, basta observar as crianças conversando sozinhas enquanto brincam ou o surgimento dos tão conhecidos amigos imaginários.

Estudos atuais comprovam a existência de uma fala privada ou uma voz interior e que também produzimos diferentes tipos de vozes, algumas sem sentido e outras que mais parecem um disco emperrado. Em Decisive Intuition, o autor Rick Snyder classifica as vozes que ouvimos em duas categorias importantes: a voz da crítica e a da intuição.

A primeira, normalmente resultado de relações de autoridade da nossa infância, tem o objetivo de nos alertar, garantir nossa segurança e zona de conforto, mas, muitas vezes, é uma voz de julgamento. Usa verbos no tempo passado ou futuro, com um tom mais pesado ou dramático, acionando sentimentos como medo, vergonha ou culpa. “Isso não vai funcionar”, “De novo, você repetindo o mesmo erro do passado”, “Os outros vão achar você um louco”. Reconhece alguma delas

Já a voz da intuição é a voz do tempo presente. “Fale agora!”, “Não deixe para depois”. Ela que nos traz aquela ideia que apareceu de uma hora para outra e não sabemos muito bem de onde. A escritora JK Rowling nos dá um exemplo claro da voz da intuição quando relata a criação de seus personagens como “simplesmente aparecendo” e se questiona: “Como posso produzir um personagem que age de maneira independente de mim e estranha a mim? De onde vieram esses pensamentos?” A voz da intuição é a voz da abertura de possibilidades.

Não é difícil concluir que, para sermos criativos, precisamos diminuir o volume da voz da crítica. Esses tempos assisti a um TED do médico Charles Limb que, curioso sobre criatividade, começou a estudar a habilidade de improvisar dos músicos de jazz e rap. Ele descobriu que, quando os músicos se envolviam com improvisação, áreas do cérebro conhecidas por estarem envolvidas no automonitoramento foram desativadas enquanto, ao mesmo tempo, uma área envolvida com autoexpressão (córtex pré-frontal) foi aumentada. Ou seja, esses músicos tiveram a capacidade de desligar suas inibições e deixar sua voz interior ganhar protagonismo. Em outras palavras, a evidência neural de uma criatividade interior não represada por um crítico interno.

Vejo nessas notícias ameaças e oportunidades para nossas vidas pessoais e profissionais. Tenho certeza de que muitas pessoas deixam de seguir novos caminhos muitas vezes por não ouvirem a sua voz da intuição, por estarem preocupadas com o que os outros vão pensar ou por se perderem na imaginação do pior cenário. Eu, por exemplo, que desde a minha adolescência nunca fui de um perfil muito romântico, tive a sorte de não deixar passar o “toque” que minha voz interior me deu quando, 20 anos atrás, vi meu marido pela primeira vez. Oito anos depois nos reencontramos e até hoje fiquei devendo essa para meu subconsciente.

*Crédito da foto no topo: Spencer Imbrock/ Unsplash

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Como os selos ambientais conferem valor e credibilidade às marcas

    Pesquisa do Instituto Quantas aponta que há a percepção de que esse tipo de certificação tem tanta relevância quanto o desempenho do produto

  • Da inteligência artificial à inteligência real

    Construir o futuro que está emergindo não está somente nos dados, ou nas quase mil páginas do report de tendências da Amy Webb