Pêndulos da pós-modernidade

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Opinião

Pêndulos da pós-modernidade

Alguns fatos do mês de agosto apontam para uma agenda distópica e contraditória, como o papel das grandes corporações à luz das transformações sociais e o fracasso do capitalismo selvagem, os limites éticos da inovação e a questão ambiental


9 de setembro de 2019 - 16h40

(Crédito: Invincible/istock)

O mês de agosto acabou, mas deixou consigo alguns fatos marcantes no cenário global que servem como um grande laboratório das questões que hoje formam a agenda da humanidade. Vamos a eles. Os Princípios de Governança Corporativa tornados públicos na última rodada da Business Round table causaram surpresa ao capitalismo selvagem. A entidade, que reúne 181 CEOs das maiores companhias norte-americanas como Amazon, Apple, AT&T, Exxon, Ford, JP Morgan e Walmart, lançou um manifesto no qual coloca um novo aspecto no papel das corporações: assumir seu compromisso junto aos públicos de interesse — consumidores, empregados, fornecedores e comunidade — para só então vir a geração de valor aos acionistas.

O lançamento da nova carta de princípios da associação foi acompanhado de uma constatação. “O sonho americano está vivo, mas se esgarçando. Os principais empregadores estão investindo em seus trabalhadores e comunidades porque eles sabem que essa é a única forma de serem bem-sucedidos no longo prazo”, disse Jamie Dimon, presidente do JP Morgan, e também do Business Roundtable, ao divulgar a carta de princípios. Ao reconhecer a necessidade do que chamaram de crescimento inclusivo a longo prazo, a entidade movimenta seu pêndulo para o lado oposto das premissas sob as quais a economia norte-americana foi criada, a de geração de lucro a qualquer custo. Assim, a palavra propósito ganha finalmente papel vital nesse novo contexto corporativo.

Alguns dias depois, dois dos mais destacados inovadores da atualidade protagonizaram uma conversa para lá de provocativa abrindo uma grande avenida na diferença de cada um em relação às suas respectivas visões de mundo: Elon Musk, fundador da Tesla, de um lado, e Jack Ma, o homem por trás do gigante chinês Alibaba, de outro. Em um embate inédito com duração de 30 minutos durante a Conferência Mundial de Inteligência Artificial, realizada em Xangai, os dois discordaram de praticamente tudo deixando aflorar seus inusitados pontos de vista.

Sobre o papel da tecnologia na vida das pessoas, Ma acha que a inteligência artificial vai ajudar os humanos em vez de eliminar seus empregos. Musk, por sua vez, garantiu que a IA vai começar a “controlar o mundo sem se preocupar com nossas necessidades”. Se antes defendia jornadas exaustivas de trabalho de até 12 horas, Ma disse no evento que acredita que a IA vai permitir com que as pessoas trabalhem três horas por dia, quatro dias por semana, liberando tempo para elas se dedicarem a atividades de lazer.

A discussão assumiu um tom mais provocativo quando o chinês lançou a frase: “Eu admiro que você queira ir a Marte, mas eu estou mais interessado na Terra”. Foi o que Musk precisava para embarcar numa verdadeira viagem. Para ele, uma das medidas que a humanidade precisa tomar é “se tornar uma espécie multiplanetária ou garantir que a vida seja multiplanetária. Há uma chance que, em algum momento, alguma força externa ou algum erro interno cause a destruição da civilização”. Ma não deu muita bola e voltou a ponderar. “É fantástico mandar pessoas a Marte, mas temos que cuidar das 7,4 bilhões de pessoas na Terra.”

E foi sobre cuidar de uma parte da Terra, mais especificamente da Amazônia, o assunto que mais atraiu a atenção das pessoas ao longo de agosto e se estende pela agenda deste segundo semestre de um ano para lá de distópico. Enquanto o aumento das queimadas na maior floresta tropical do mundo colocou em lados opostos os presidentes Jair Bolsonaro e Emmanuel Macron, com direito a troca de farpas via Twitter que respingaram até na aparência e idade da primeira dama francesa, os olhos do mundo se deslumbram com um novo tipo de ativismo ambiental. E talvez esteja aí a imagem mais marcante deste emocionante 2019.

No dia 28 de agosto, Greta Thunberg, uma menina sueca de 16 anos, chegou a bordo de um veleiro a Coney Island, em Nova York. Acompanhada do pai, Svante Thunberg, ela viajou da Inglaterra até os Estados Unidos para participar da conferência sobre o clima na Organização das Nações Unidas (ONU).

O meio de transporte escolhido para a viagem que durou duas semanas se deu por conta de seu impacto ambiental, já que seria muito mais rápido e confortável ir aos Estados Unidos de avião. Greta ficou conhecida após faltar às aulas às sextas-feiras para se sentar em uma praça em frente ao parlamento da Suécia, em Estocolmo, e exigir medidas concretas contra o aquecimento global. O movimento ficou conhecido como Fridays For Future e ganhou similares pelo mundo todo.

Em uma época em que o obscurantismo dos governantes substituiu as evidências, o grupo liderado por Greta mostrou estudos científicos para refutar as críticas relacionadas a um suposto alarmismo dos movimentos ambientalistas. “Somos realistas”, disseram. A garota sueca também chama a atenção por ser portadora de síndrome de Asperger, uma condição que se enquadra no espectro do autismo. No Twitter, ela escreveu que sua condição é como um “superpoder”.

Os pêndulos desse mundo pós-moderno são paradoxais e surpreendentes. Fazem-nos refletir sobre nosso futuro, a função das empresas e líderes neste ambiente altamente complexo, e nosso papel individualmente diante deste contexto. E, felizmente, também nos dá alguma esperança a despeito dos momentos turbulentos pelos quais atravessamos. Embora nossa travessia seja muitas vezes por mares desconhecidos e incertos, que tragam ao mesmo tempo propósitos dignos e construtivos como os da menina Greta.

**Crédito da imagem no topo: Sebastien Goldberg Unsplash

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