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Opinião

Lives: gestão das marcas e regras publicitárias

Resta essencial a observância de anunciantes e dos próprios artistas quanto aos princípios quando das divulgações, em especial em relação às marcas de bebidas alcoólicas


5 de maio de 2020 - 10h41

(Crédito: Sunshine Seeds/ iStock)

No Brasil, a propriedade e a exclusividade de uma marca advém do seu registro, sendo essencial o seu titular/empresário, independentemente da natureza do seu negócio, siga com o procedimento de registro de marca perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para vincular seus produtos e/ou serviços a uma marca e protegê-la perante terceiros.

De toda forma, a proteção da marca vai muito além da obtenção de um certificado de um registro no INPI. Para que a marca atinja a sua finalidade de reconhecimento perante o público, faz-se necessária gerenciá-la estrategicamente, possibilitando a criação de valores e significados vinculados a ela, bem como a tomada de ações que propiciem a consolidação de sua imagem e força no mercado. Percebe-se, assim, que o registro de marca é fundamental, mas deve estar sempre aliado a uma boa administração da marca, também conhecida como branding.

Dentre as diversas possibilidades de divulgação, a exibição e referência em apresentações e produções audiovisuais é uma estratégia bastante antiga. De pequenas presenças ao explícito uso de produtos ou serviços com a marca em destaque, esta exposição é uma das formas mais efetivas de associá-la a contextos, pessoas e até mesmo personagens. Por conseguinte, a partir da integração a uma determinada situação, é possível fortalecer a sua imagem e demonstrar o seu renome, de modo a aumentar exponencialmente a sua visibilidade e consumo/adesão pelo público

Como as tecnologias estão em constante evolução, cabe às estratégias de gestão de marca acompanhá-las em suas novas modalidades, em especial, o marketing digital, caracterizado pelo uso de internet, celulares e outros meios digitais para promoção de marcas e seus produtos e serviços e que vêm crescendo exponencialmente. Sem dúvida, o uso dessa plataforma aumentou ainda mais recentemente devido ao atual momento global de pandemia, que requer o distanciamento social por tempo indeterminado. Esta nova dinâmica alterou toda a logística das relações pessoais e, principalmente, comerciais. Nesse cenário, as empresas estão tendo que reinventar a forma com que fazem negócios e, consequentemente, pensar em novas estratégias para que suas marcas continuem em evidência no atual momento de crise, mantendo uma comunicação transparente e evidenciando a sua responsabilidade social, tendo a internet sido fundamental para tal.

Diante dessas reinvenções, um novo formato de produção audiovisual se fortaleceu rapidamente: as telas de computadores e celulares se transformaram em palcos e artistas de diversos segmentos, principalmente musicais, vêm transmitindo apresentações pela internet ao vivo, nas chamadas lives. Surgiram como produções simples em cômodos da casa, e se transformaram em produções elaboradas, com infraestruturas robustas de filmagem, iluminação e cenografia.

Esse formato de apresentações se mostrou uma excelente oportunidade de promoção de marcas, tendo em vista que os signos exibidos nas lives são visualizados por milhões de pessoas, em um momento que eventos com aglomerações estão suspensos, além de contarem com a enorme popularidade dos artistas que, ao exibir determinado produto ou serviço, acabam por chancelá-lo ao consumidor. A relação de afeto, confiança, reconhecimento e admiração, que o público guarda perante o artista, inevitavelmente acaba sendo transposta também para a marca que ele divulga.

Visto isso, nota-se que quase todas as lives estão repletas de exemplos de gestão de marcas, como o product placement, mid-rolls e sponsoring. Além do mais, em muitos casos, a integração da marca à apresentação dos artistas é tamanha que passa até a compor parte do cenário.

A presença das marcas nessas apresentações ao vivo também é extremamente benéfica sob a ótica da sua associação a valores: as lives, em sua maioria, contêm mobilizações em torno de causas humanitárias e se revelam, portanto, como meio hábil a demonstrar o engajamento das empresas com essas causas. Nota-se, portanto, que a exibição nesse contexto é uma oportunidade para que as marcas, ao mesmo tempo que divulgam os seus produtos ou serviços, demonstrem que fazem parte de iniciativas com impactos sociais positivos em relação ao seu público-alvo.

Ainda que esse ambiente seja promissor, resta essencial a observância de anunciantes e dos próprios artistas quanto aos princípios e regras publicitárias, inclusive pelas agências, quando das divulgações em suas apresentações, em especial em relação às marcas de bebidas alcoólicas, largamente presentes nas lives.

Destaca-se, então, o art. 220, §4º, da Constituição Federal, que prevê a necessidade de restrição da propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos, entre outros itens. A Lei 9.294, de 1996, que veio a regulamentar essa disposição constitucional, traz diversas limitações, entre as quais destaca-se a prevista no seu art. 5º, que veda qualquer recomendação de consumo de bebidas alcoólicas em suas propagandas em rádio e televisão.

Diante desse ambiente legislativo, é imprescindível se destacar a atuação do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), organização não governamental que nasceu na década de 70, por uma iniciativa dos próprios players do mercado publicitário (anunciantes, veículos e agências), a fim de autorregulamentá-lo, evitando censuras por parte do governo então vigente. O Conar tem como missão impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas e defender a liberdade de expressão comercial. Por meio do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, o Conar indica os limites que as ações publicitárias precisam seguir.

Dessa forma, seguindo as previsões legais acima destacadas, caberá ao Conar julgar se determinada propaganda é ou não abusiva. No contexto das lives, especialmente no que diz respeito à gestão de marcas de bebidas alcoólicas, a Súmula 09, de 2017, do Conar prevê que “anúncios de bebidas alcoólicas, divulgados em qualquer veículo de comunicação ou plataforma, não devem conter apelo imperativo de consumo e não podem deixar de expor ostensivamente uma cláusula de advertência para responsabilidade social no consumo do produto”.

É essencial se constatar, ainda, que o ambiente digital é amplo e ilimitado, da mesma forma que o seu público também pode vir a ser. Nesse sentido, o acesso às lives não é controlado, em especial por pais e responsáveis e muitas vezes são performadas em horários vespertinos. Diante disso, muitas crianças e adolescentes podem assistir às apresentações dos artistas que são igualmente ídolos delas. Fundamental, assim, que se tenha a cautela necessária imposta pelo Código do Conar, prevista no Anexo A, onde consta uma série de limitações de horário para a veiculação de anúncios de bebidas alcoólicas, assim como a imposição de cláusula de advertência sobre o seu consumo.

Nesse cenário, o Conar recentemente abriu uma representação ética contra os responsáveis por uma live devido ao alto consumo de bebida alcóolica e promoção da respectiva marca durante a apresentação. Em nota, o Conar afirmou que, apesar de ser um formato inovador de fazer propaganda, esta “deve estar em conformidade com os princípios fundamentais da comunicação comercial do segmento, com a divulgação responsável de bebidas alcóolicas e se fragilizar os cuidados para que não seja difundida a crianças e adolescentes”.

Note-se que, mesmo não sendo um órgão do judiciário, as decisões do Conar são cumpridas e tem eficácia plena, podendo, claro, ser revisto pelo Poder Judiciário. Contudo, frisa-se que o Poder Judiciário reconhece a relevância desse órgão não governamental para dirimir conflitos publicitários, sendo suas decisões administrativas bastante aceitáveis.

Em 2019, quase 70% dos processos éticos do Conar envolveram publicidade veiculada na internet, número recorde em comparação aos outros anos. Esse número certamente irá aumentar, sendo fundamental aos artistas e patrocinadores reforcem a atenção ao modo de propagação das marcas e produtos neste novo meio digital de entretenimento, visando garantir que estejam sempre em conformidade com as diretrizes do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.

Ressaltamos que, segundo o art. 3º desse Código, a responsabilidade por eventual abusividade em anúncio é atribuída ao anunciante – que em geral é titular da marca perante o INPI –, à agência que realiza a ponte entre as partes – de natureza solidária – e ao veículo de divulgação ao consumidor. Todas as partes envolvidas precisam, portanto, estar atentas na realização de anúncios em lives e outros meios digitais, de maneira a evitar o enquadramento como propaganda abusiva.

Não obstante esse cenário de atenção e de regulação, pode-se afirmar, sem dúvida, que as lives representam uma grande oportunidade para as empresas divulgarem as suas marcas em um cenário de limitações e, principalmente, reforçarem os valores e propósitos atrelados a elas. Este novo formato ainda é incipiente e possui um enorme potencial de desenvolvimento para, cada vez mais, captar a atenção do público e aumentar a visibilidade das marcas ali divulgadas, assim contribuindo para atingir a principal função de uma marca: o reconhecimento e a solidificação de sua imagem perante o público. Aliás, essa plataforma impulsiona o marketing comunitário, uma estratégia que engloba a construção de uma presença de marca envolvente, para, assim, interagir com uma comunidade de clientes existentes. Essa poderosa ferramenta agiliza o processo de fidelidade pela autenticidade e participação imediata do consumidor, que passa a vivenciar a marca em tempo instantâneo, tornando-se parte dela, consumindo muito mais do que o produto ou serviço por ela atrelado, mas tudo o que está atrelado ao seu conceito/filosofia.

*Crédito da foto no topo: iStock

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