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Opinião

Remote everything

Que possamos fazer desta jornada de aprendizado um novo capítulo na forma de nos relacionar em rede


14 de maio de 2020 - 13h45

(Crédito: Ajwad Creative/ iStock)

Um dos insights mais inusitados da quarentena não é o quanto ela traz de desafios absolutamente inéditos, e sim o quanto acelera questões que já discutimos como tendência há vários anos. Sem romantizar uma crise que gera sofrimento a milhões de pessoas, trago aqui um trabalho de pesquisa que batizamos na White Rabbit de AC/DC – Antes e Depois de Covid. A ideia é pensar cenários neste que é o maior desafio de future thinking que poderíamos conceber. Sim, a gente sabe que você já está saturado de conteúdo, que tem um pouco de preguiça desse papo da pandemia como “acelerador de futuros” e só queria poder tomar um chopp no boteco ao invés de assistir a mais uma live ou ler mais um artigo sobre “mundo pós-Covid”. É por isso mesmo que a gente espera que ao final desse texto, tenhamos conseguido compartilhar alguns insights não óbvios com cases e referências que podem dar um clique em você também.

Então, bora explorar o primeiro dos quatro grandes movimentos de mudanças que vamos compartilhar por aqui. E vamos começar falando com o que está literalmente na nossa cara todos os dias: Remote Everything – a vida deslugarizada.

Há muito se questiona a ideia de “deslugarização”, uma vez que as plataformas tecnológicas já permitem esse movimento há bastante tempo. Mas a inércia dos hábitos fazia com que não se questionasse práticas arraigadas, como a do paradigma do trabalho nos escritórios, por exemplo. Parece um contrassenso colocar todas as pessoas para sair ao mesmo tempo para fazer atividades que poderiam ser performadas remotamente, não? Esta pauta é incontornável na discussão das smart cities há vários carnavais, mas agora vivemos o que parecia impossível: uma aceleração do fator comportamental nessa equação.

Como o meme que viralizou já no princípio da quarentena, a Covid foi o grande agente da transformação digital para a cultura corporativa global, trazendo uma miríade de desafios simultâneos para as empresas: investimento em tecnologia, novas rotinas e – pasmem! – a evidência da necessidade de se criar um ambiente de confiança e transparência nas relações de trabalho. Empresas que não cogitavam home office implementaram a prática literalmente de um dia para o outro. Pessoas que resistiam à tecnologia foram forçadas ao aprendizado, nem que seja pela necessidade repentina de se transformar no tutor dos filhos em uma inédita experiência planetária de Ensino à Distância. De uma hora pra outra, as habilidades ditas “do futuro” viraram predicado indispensável no presente.

Até o sistema jurídico, pródigo em estar descolado da inovação tecnológica, teve que acelerar o passo, como é o caso da telemedicina. A prática, que foi regulamentada em março no Brasil após anos de imbróglios judiciais, auxilia profissionais de saúde a manter contato e tratar seus pacientes à distância. Esta mudança gera uma disrupção em cadeia que vai desde testes laboratoriais realizados em casa até a aceleração do desenvolvimento de inteligência artificial para novos patamares. A gigante chinesa Alibaba já desenvolveu um sistema de diagnóstico AI que pode identificar infecções por COVID-19 com 96% de acerto, entre tantas outras iniciativas. Simplesmente imagine todos os ecossistemas de inovação do mundo pivotando ao mesmo tempo para resolver problemas reais e urgentes. Todos esses avanços simultâneos proporcionam verdadeiras mudanças de paradigmas. Veja o caso de Ruanda que está trabalhando seu leapfrog de um país extremamente carente para um líder mundial em digital health a partir da premissa da presença remota.

Nova (con)vivência, de Douglas Rushkoff, que sempre tem essa mania de esfregar a verdade na nossa cara, diz que a tecnologia deixa de ser uma ferramenta para ser nosso ambiente, e isso muda tudo. Se no mundo do “tudo remoto” vamos viver na internet, no mais amplo sentido da expressão, queremos que ela seja um lugar minimamente saudável, certo? Observamos movimentos que pretendem resgatar aquele sentimento de comunidade digital, bem típico do princípio utópico da internet nos anos 90, só que com a vibe 2020: um movimento para limpar a internet que passa por ações mais efetivas para combater a desinformação (antes tarde do que mais tarde!), o boom dos nano influenciadores, ações coletivas que são gestadas a partir da premissa da interação remota. Algumas iniciativas trazem em seu DNA a própria ideia de auto-regulação, como o navegador Brave Browser que usa criptomoedas para dar apoio aos sites mais visitados ou seus criadores de conteúdo preferidos. É a maturidade da rede acontecendo por força da necessidade, gerando novas dinâmicas de influência e incorporando a tecnologia às necessidades da alfabetização midiática em massa que este período está tracionando. Obviamente que as formas de consumir mídia estão sofrendo – ou escolhendo – disrupção, o que faz deste momento um verdadeiro sonho para quem quer dar um reboot na internet para que ela seja um ambiente verdadeiramente focado nas necessidades do ser humano.

Se neste mundo pós crise pandêmica, a internet será a nossa interface de conexão prioritária, o que acontece com aqueles que não tem acesso a uma internet de qualidade? A desigualdade salta aos olhos e somos convocados a resolver questões estruturais que nunca foram priorizadas nem pelo governo, nem pelas organizações. As grandes empresas estão sendo chamadas a se responsabilizar por estas questões para poderem continuar operando, e isso não é pouca coisa. Significa um salto exponencial na digitalização em todos os aspectos. Como vamos incorporar esta infraestrutura tecnológica e social é uma pergunta que deve ser feita agora para que possamos tratar este enorme desafio como uma oportunidade de resolver gaps históricos.

E que novas experiências devem brotar dessa ebulição toda? Muito se fala sobre estar cada vez mais juntos, mesmo que separados fisicamente. Faz parte deste zeitgeist o fenômeno das lives e, como sempre, os brasileiros estão se apropriando esta nova linguagem de forma rápida e criativa. O mindfullness chega às massas com a abertura sem precedentes de conteúdos e experiências meditativas que vão desde formação de grupos e comunidades de apoio até experiências inusitadas como o human online, onde você é convidado a olhar nos olhos de um estranho por um minuto. A saudade da fisicalidade aparece de forma contundente, mas se apropriando de ambientes nativos digitais, como esse grupo de alunos que está remodelando sua escola no Minecraft. E para você que não está “em relacionamento sério”, tem um turbilhão acontecendo também. Em um momento em que todos os relacionamentos são à distância e mediados pela tecnologia, vivemos o boom do online dating e o que pode vir daí em termos de comportamento é assunto para um outro artigo inteirinho.

Tecnologias para a vida remota

E é claro que não podemos ignorar o turning point que crises desta dimensão trazem para as tecnologias. No escopo do movimento “remote everything” vamos desde algumas questões mais evidentes, como o boom da entrega por drones até experimentos ousados em VR.

Será que finalmente chegou a hora do boom da realidade virtual? VR pode “encurtar” a distância entre usuários, preenchendo o vazio da sensorialidade da experiência física. Em plena temporada de cancelamentos dos festivais de inovação, as conferências em VR podem ser uma alternativa enriquecedora e viável, mesmo que ainda tenhamos a adoção de devices como obstáculo inicial. Apesar de não ser propriamente uma novidade, estas experiências ganham muito mais relevância no contexto da impossibilidade do encontro físico. O lendário festival Burning Man anunciou a suspensão inédita da edição presencial, mas anunciou que terá uma versão no “multiverso”. Ao desmaterializar a experiência do Burning Man, colocam-se desafios de fazer coçar o cérebro, como de que forma manter o vibrante senso de comunidade desta experiência a partir desta lógica? Poderemos viver intensas experiências a partir do nosso humilde home office?Será que teremos um revival facebookiano de disrupção com sua já prometida plataforma Horizon, que pode vir a ser um novo hub de presença social?

Em um mundo em que o delivery passa a ser um modo de vida a Wing, companhia de drones da Alphabet, já dobrou seu número de entregas desde o início da quarentena nos EUA e no Reino Unido. As questões legais do uso de drones se aceleram, bem como a gestão dos dados captados neste fluxo sem precedentes de informação. Novos sistemas de tracking estão sendo plotados com urgência e em escala global, criando o que pode ser uma infraestrutura de vigilância que vai monitorar à distância bilhões de pessoas, com consequências imprevistas.

Se você nos acompanhou até aqui, viu que nos desdobramentos da vida remota encontramos muito mais do que somente a migração de atividades para o digital. Estamos aqui falando de uma virada de chave que tem por um lado a aceleração da adoção de tecnologias – gerando a aceleração do desenvolvimento destas tecnologias – e de um aprendizado em massa que derruba entraves para mudanças de hábitos que devem moldar o século XXI. Bem-vindes à vida deslugarizada! Que possamos fazer desta jornada de aprendizado um novo capítulo na forma de nos relacionar em rede.

*Crédito da foto no topo: iStock

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