Fadiga de influencer

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Opinião

Fadiga de influencer

Só nos conectamos com quem se mostra, se expõe, se vulnerabiliza e alimenta a nossa conexão


10 de junho de 2020 - 14h10

(Crédito: Venimo/iStock)

Liga o ring light. Coloca o filtro preferido. Sim, aquele que oferece o “pacote básico”: afina o nariz, destaca as maçãs do rosto, infla os lábios, suaviza a pele, arqueia as sobrancelhas, aplica cílios postiços e branqueia os dentes. Mas deixa um efeito supernatural, miga, juro, tá todo mundo usando esse. Fica meio Kim Kardashian encontra uma angel da Victoria’s Secret nos tempos áureos — tempos áureos das angels, porque, pelo menos até o fechamento deste texto, KK seguia no topo.

Isso, agora posta a foto na ponta dos pés com o look de grife, com o kit para dentes mais brancos, com o revolucionário pirulito emagrecedor, com o avocado toast nível de restaurante, na pose de ioga com o cenário da praia ao fundo, calculadamente suada pós-treino. Na legenda, o clássico “gente, está todo mundo me perguntando de onde é este look que postei nos stories / o que uso pra deixar meus dentes brancos / como mantenho minha forma”, então aqui vai. Acrescenta a hashtag #publi, emite a nota fiscal e corre pro abraço virtual.

Nos últimos anos, vimos os conteúdos supracitados crescerem legitimamente e se multiplicarem sucessivamente até saturarem inevitavelmente. No começo, representavam um respiro bem-vindo em meio à crueza do noticiário e às agonias da vida diária. Entretenimento tipo sessão da tarde, sacam? Que pinta uma vie en rose que a gente não pode, gostaria de ter e, confessemos, sentimos uma invejinha eventual de quem tem. Aspiracional na veia. E super tudo bem. Pra mim, sempre há mérito no sucesso.

A questão aqui é o equilíbrio — ou a falta dele. O problema, como quase sempre acontece, não está no “o quê”, e sim no “como” e no “quanto”. Tantos clichês repetitivos criaram exércitos de Kardashian-Jenners wannabes, máquinas nonstop de reproduzir estéticas genéricas e sem alma. E nossa tolerância a fenômenos onipresentes assim tem prazo de validade.

Há outros fatores, claro. Lá no início do fenômeno, o que encantou foi justamente a pegada mais autêntica, autoral e vida real que os influencers, antes de ganharem este nome, entregavam. Uma baita contraposição à maneira sem rosto, distante e professoral usada pelos grandes veículos de mídia — até então os únicos disseminadores em massa de conteúdo. Era um caminho sem volta: cada vez mais, pessoas passaram a querer ser influenciadas por pessoas, e não por um nome frio impresso num expediente de revista. Quer me convencer a comprar o perfume x ou a ver o filme y? Quem é você, quantos anos tem, é casada, onde mora, no que acredita, que causas apoia…? Nos primórdios, os influencers “ticavam” todos esses quesitos. Nos primórdios…

O tempo passou, o mundo girou, a Lusitana rodou… De alguma maneira, a maioria dos influenciadores virou a antítese disso tudo. Profissionalizou-se e se vendeu demais, deixou escapar o que a tornava única, abraçou estereótipos preguiçosos. Tornou-se mais do mesmo. Uma commodity. Inclusive, a constatação disso deu origem a contas engraçadíssimas, como a @influencersinthewild (com flagras constrangedores dos esforços em se produzir uma boa foto) e o @insta_repeat (que cria mosaicos com poses e cliques recorrentes).

Em um momento em que a autenticidade se firma como a moeda corrente mais valorizada nas redes sociais — fato intensificado com a pandemia do coronavírus — e que a construção de comunidades (mais que seguidores, fãs) é condição primeira para um bom engajamento, os influencers sofrem duplamente. Sobretudo os star-influencers, aqueles que por tanto tempo foram supervalorizados e que, obviamente, não conseguem vender tudo nem influenciar todo mundo, ainda que tenham um papel importante para escalar mensagens e divulgar marcas institucionalmente.

Talvez devamos deixar com os nano e micro influenciadores, com atuação mais nichada e índices de engajamento e conversão maiores, a batata quente. Eles representam melhor que ninguém a autenticidade romântica dos primeiros tempos. Que cresçam, monetizem, trabalhem, realizem… Mas que não esqueçam do que os fez chegar até aqui. Afinal, curvas que ascendem, atingem o pico, saturam e caem vertiginosamente fazem parte do ciclo de maturação de quase todas as coisas e fenômenos. Menos daqueles que sabem escanear o zetgeist e se adaptar a ele. Esses não serão imortais, posto que somos todos chamas. Mas serão eternos enquanto durarem.

**Crédito da imagem no topo: iStock

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