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Opinião

Martelo, chave de fenda e trabalho remoto

Tudo leva a crer que, o que fizermos agora, vai transformar o local em que trabalhamos para sempre


16 de março de 2021 - 14h02

(Crédito: Irina Strelnikova/iStock)

Você não aguenta mais ouvir falar em trabalho remoto? Eu ia escrever “também não”, mas desisti. Porque estou acostumada a fazer home office, e a formar equipe com pessoas localizadas nos respectivos home offices, mas sou solidária a quem vem perdendo o sono por isso. Um fantasma que assombra muitos é o medo de perder a cultura de colaboração entre os funcionários. Outro fantasma é o da responsabilidade: afinal, tudo leva a crer que, o que fizermos agora, vai transformar o local de trabalho como o conhecemos para sempre.

Atuo dentro do ecossistema do Massachusetts Institute of Technology, como diretora da revista MIT Sloan Review no Brasil. O MIT é uma das mecas da inovação do planeta, com destaque para a inovação tecnológica, e todo mundo sabe disso. O que nem todos sabem é que o MIT era uma escola técnica, como uma dessas Etecs de São Paulo, e passou a ser a entidade de pesquisa líder do mundo graças à cultura interdisciplinar e colaborativa que alunos, professores e funcionários criaram no desenvolvimento de um radar durante a Segunda Guerra Mundial. MIT não tem silos, de verdade; quem conhece, sabe.

Essa origem foi lembrada recentemente pelo presidente do MIT, L. Rafael Reif, quando ele externou sua preocupação em manter esse espírito com cada pessoa em seu home office. A gente sente saudade do café ruim e da conversa fiada do escritório, mas as instalações físicas importam mesmo pelo apoio que dão à cultura organizacional – as pessoas observam umas nas outras certas crenças e práticas e isso determina o modo como trabalham juntas.

A cultura não importa só para o MIT, todas as empresas precisam disso. É uma pergunta de 1,9 trilhão de dólares. (Essa precificação simbólica tem o valor do pacote de estímulos à economia proposto pelo governo Joe Biden nos EUA porque estamos no Brasil e nossas empresas não vão ter estímulo equivalente; precisarão se garantir sozinhas.). E, a cada dia que passa, essa resposta fica mais urgente, pois, mais e mais empresas planejam se desfazer de imóveis e adotar permanentemente o trabalho remoto para parte dos funcionários.

Uma primeira ideia
A MIT Sloan Review publicou uma primeira resposta, num artigo da Jennifer Howard-Grenville, professora de estudos organizacional da Universidade de Cambridge, Reino Unido. A proposta da Jennifer é passarmos a abordar a cultura organizacional como se fosse uma caixa de ferramentas – conceito que ela tomou emprestado da socióloga Ann Swidler. As ferramentas são os hábitos e as práticas que precisam ser acionados para fazer coisas acontecerem na organização. Especialmente o departamento de recursos humanos e os líderes de todos os níveis devem fazer os funcionários tratar a cultura como usariam uma caixa de ferramentas – comunicação é o martelo, velocidade é a chave de fenda etc.

Como? Imagine que o problema a resolver é migrar, ainda que temporariamente, um dos serviços prestados para o canal online. Na reunião de kick-off, você tem de convidar os funcionários a abrirem uma caixa de ferramentas imaginária e escolher quais habilidades, conhecimentos e atitudes precisa para fazer isso: liderança? Raciocínio lógico? Criatividade? Empatia? As competências técnicas X, Y e Z? As competências são muitas, mas, se a gente se der ao trabalho de nomeá-las, ficarão tão visíveis quanto o martelo e a chave de fenda. E isso, de acordo com a professora de Cambridge, significa que a cultura vai ficando visível, mesmo sem uns poderem observar as práticas dos outros.

Há mais uma sugestão relevante da Jennifer e da Ann: que estejamos abertos a modificações na caixa de ferramentas cultural. Boa parte das pessoas que hoje reclamam da dificuldade de manter a cultura em home office está, na verdade, resistindo a mudanças nessa cultura. Só que toda cultura muda, mesmo presencialmente. Basta chegar um colaborador novo com práticas e hábitos adquiridos em outros lugares e ele influenciar os demais. Temos de desapegar, portanto.

Quer Jennifer e Ann ganhem 1,9 trilhão de dólares ou não, eu sugiro que você experimente fazer um MVP da caixa de ferramentas cultural com sua equipe durante algum tempo. Até porque, se o MIT virou MIT num esforço de tempos de crise, sua empresa também pode.

**Crédito da imagem no topo: Audioundwerbung/iStock

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