Ativos e funcionários

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Opinião

Ativos e funcionários

Nos clubes de futebol, jogadores têm um tratamento que desafia a lógica de qualquer profissão


19 de abril de 2021 - 13h10

(Crédito: Izuddin Helmi Adnan/ Unsplash)

Imagine a seguinte situação:

Depois de meses de coaching e feedback, seu desempenho naquele projeto continua insatisfatório. Seu gerente lhe dá um ultimato: se não melhorar nas próximas semanas, terá que fazer uma mudança radical e colocar um novo líder. As semanas passam e nada muda. Sem alternativas, ele anuncia que transferirá o projeto para um de seus colegas.

Achando aquilo o maior insulto do mundo, apesar de todos os avisos e conversas, você se revolta e decide tirar satisfações com o chefe no pior momento possível: a reunião semanal com todo o departamento de marketing. Aos gritos, você diz que aquilo é um absurdo e que seu chefe é um idiota que não sabe o que está fazendo. Depois disso, deixa a sala de reuniões batendo a porta e falando obscenidades para todo mundo ouvir.

Que consequências acha que essa briga teria para você?

Em qualquer empresa civilizada, você perderia seu emprego imediatamente. Seria demitido por justa causa, o mercado todo ficaria sabendo, você seria taxado como indisciplinado, não teria recomendações de ninguém e levaria uns bons meses para se recolocar. Por outro lado, nada aconteceria com o gerente. Ele ou ela continuaria no mesmo lugar, prestigiado/a como sempre pela empresa.

Esta lógica vale para quase todos os ambientes de trabalho do mundo exceto os clubes de futebol.

No futebol, uma história parecida seria assim:

Em uma partida importante do campeonato nacional, o craque do time está tendo uma de suas piores atuações. Erra passes, chutes a gol, posiciona-se mal, discute com seus companheiros de equipe, briga com os adversários e desrespeita o árbitro. O treinador passa recados durante todo o primeiro tempo, mas ele finge não escutar. Perdendo por dois a zero, sem opções, decide finalmente substituí-lo para evitar o pior.

Quando a placa é erguida na lateral do campo e o craque percebe que deverá sair, ele acha aquilo o maior insulto do mundo, apesar de todos os avisos. Revoltado, decide tirar satisfações com o chefe no pior momento possível: na saída do campo, com todas as câmeras e torcedores olhando para ele. Aos gritos, ele diz que aquilo é um absurdo e que o treinador é um idiota que não sabe o que está fazendo. Depois disso, deixa o campo chutando a câmera do VAR e falando obscenidades para todo mundo ouvir.

Nesse caso, as consequências da briga seriam bem diferentes.

No dia seguinte, a diretoria obrigaria o treinador a se desculpar publicamente pela discussão com o craque. A torcida o hostilizaria pichando as paredes de sua casa, a imprensa esportiva criticaria sua competência e metade do time ficaria contra ele no vestiário. Isso se não perdesse o emprego.

Já o craque, receberia desculpas formais do presidente do clube e garantias de que aquilo jamais aconteceria no futuro. Seria tratado como vítima que, frente a tamanha injustiça, viu-se impossibilitado de reagir de qualquer outra forma. O mínimo que ele poderia ter feito naquele momento de tamanha dor, seria mesmo revoltar-se!

Apesar disso ser obviamente uma grande injustiça com o treinador e uma demonstração de conivência com o desrespeito e mau comportamento por parte do clube, a verdade é que a decisão faz todo sentido do ponto de vista financeiro no esporte. E aí que está o problema.

Nas empresas os funcionários e os gerentes têm direitos iguais, contratos muito parecidos e exigências de desempenho e comportamento padrão. Nos clubes de futebol, jogadores têm um tratamento diferenciado que desafia a lógica de qualquer profissão.

A explicação é simples: jogadores são ativos dos clubes, enquanto treinadores são funcionários. Demitir um jogador pode custar dezenas de milhões de dólares e meses em negociações. Isso sem contar os problemas políticos e de reputação. Demitir um técnico é tão simples quanto demitir qualquer executivo. Pensando no custo das alternativas, não surpreende quando o técnico, mesmo que sem razão, é demitido.

O legendário ex-técnico do Manchester United, Sir Alex Ferguson, dizia que a parte mais difícil do seu trabalho era administrar o ego de mais de vinte jovens milionários e mimados que podiam fazer o que bem quisessem, e fazê-los jogar como uma equipe. Ele entendia muito bem a dinâmica de poder e conseguia fazer isso com maestria, mas a maioria dos treinadores não tem o mesmo talento e acaba perdendo seus empregos.

Comparado com os desafios de ser um treinador de futebol, o trabalho dos gerentes corporativos é uma grande moleza.

Muito além de funcionários

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*Crédito da foto no topo: JBKdviweXI/ Unsplash 

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