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Opinião

O branding irá morrer com o avanço do digital?

O que era uma espécie de “área patinho feio do Marketing”, em tempos de big data e hiperconectividade, se tornou o cérebro e o motor das ações das organizações


20 de outubro de 2021 - 6h00

Fui apresentado profissionalmente ao Marketing ainda em 1999. Daí, surgiu um envolvente amor já no primeiro projeto, que acabou moldando desde então todos os rumos de minha trajetória. Mas o mais interessante é que, naquela época, quando eu explicava o que fazia em Marketing a colegas de mercado, o fato é que praticamente ninguém entendia e muitos me consideravam alguém que estaria “desperdiçando” sua carreira.

Eu comecei na área em uma disciplina à qual na época se dava pouquíssima atenção: o marketing de base de dados ou Database Marketing. Este ramo do Marketing é pautado em análises quantitativas com uso de matemática (preferencialmente, estatística) e um envolvimento importante com Tecnologia da Informação e conceitos como “gestão do valor do cliente” e outros ainda mais estranhos naqueles tempos de então: personalização das mensagens, relevância, segmentação por recência, frequência e valor… e assim por diante.

O trabalho em Database Marketing exige minúcia com cada detalhe, pois os erros são muito sensíveis (individualizados). Ademais, há necessidade de robusto conhecimento de ferramentas de gestão de banco de dados, técnicas de análise de perfis de clusters estatísticos, conhecimento sobre o funcionamento dos canais de relacionamento comercial com o cliente e sobre a mecânica de funcionamento de testes A/B, multivariantes e afins. Para os publicitários de outrora, quase uma heresia!

Além disso, por mais que fosse a única disciplina do Marketing em que cada centavo investido era mensurado e comparado contra o ROI (Retorno sobre Investimento) esperado, havia um grande desconhecimento de mercado sobre o assunto, poucos investimentos e a luta por orçamento e visibilidade organizacional foram uma rotina até a crise financeira de 2008/09.

Para ser justo, cumpre não esquecer que, no fim dos anos 90, ainda estávamos na era dos grandes publicitários nacionais, das poderosas agências de comunicação de massa, das propagandas de TV e rádio baseadas na “grande sacada” e em toda a genialidade e glamour que envolvia a atividade de Marketing. Assim sendo, essa surpresa geral quando eu explicava o que fazia era amplamente justificável.

E considerando os bilhões de reais investidos em campanhas publicitárias associadas ao trabalho de advertising e branding tradicionais, em grandes veículos de comunicação de massa (versus os orçamentos minguados com os quais convivi por mais de 10 anos de carreira), até eu cheguei a achar que estivesse no caminho errado.

Nunca na história das organizações e marcas saber fazer um bom trabalho de branding foi tão necessário (Créditos: everydayplus/shutterstock)

Mas o poderoso fator de transformação com o qual ninguém contava era a rápida aceleração da revolução industrial 4.0 e o advento da transformação digital que tocou a todos: empresas, sociedade, indivíduos, governos.

A internet é o canal por excelência do marketing one-to-one: as possibilidades de customização e personalização são infinitas; os custos de testes em escala, cada vez mais baixos; cada interação com o usuário gera dezenas de dados em tempo real, que podem ser utilizados para a melhoria contínua da performance em resultados das campanhas de modo extremamente ágil e eficiente; há gestão plena sobre todas as etapas do funil de conversão; os custos são mais baixos; e muito mais.

E assim, o que era uma espécie de “área patinho feio do Marketing”, em tempos de big data e hiperconectividade, se tornou o cérebro e o motor das ações das organizações. Os orçamentos e investimentos mudaram radicalmente de escala, as poderosas agências e grupos de comunicação de 20 anos atrás que não se modernizaram hoje já não existem, e as competências profissionais para funções que vão do estágio à vice-presidência exigem conhecimentos do tal “marketing científico”.

Foram incontáveis as vezes em que fatos hoje corriqueiros, como ter que preparar planos de ação para responder perguntas simples como: “quanto nossa campanha trouxe de vendas”, foram objetos de discussões complexas em que se constatava a impossibilidade de se “provar o retorno objetivo” de ações de marketing em canais tradicionais e não-digitais.

E com a necessidade crescente de se buscar a eficiência financeira, o retorno do investimento e a mensuração nas ações de marketing, houve por parte de muitas empresas e profissionais uma desvalorização das equipes e iniciativas de branding.

O digital e suas novas fronteiras, como mídia programática, digital analytics, e-commerce, plataformas sociais de interação e muitas outras, passaram a ser o foco das atenções, investimentos e hype do mercado. O mesmo caráter sexy de outrora e aquela “aura” que revestia os famosos profissionais de criação, passaram a envolver agora as equipes e talentos do online.

E foi aí que um cliente próximo, amigo mesmo, extremamente talentoso mas que voltou à carreira aos conhecimentos dos meandros traiçoeiros e delicados associados à construção de grandes marcas, propagandas e histórias, recentemente me fez a pergunta que deu origem a este artigo:

“Mas Fernando, o branding irá morrer com o avanço intensivo do digital?”

E a resposta é muito simples: de forma alguma!

Em meu entender, nunca na história das organizações e marcas saber fazer um bom trabalho de branding foi tão necessário.

Estamos na era em que as marcas representam propósitos, valores, conexões maiores do que elas mesmas no inconsciente coletivo social; na era em que existe uma intimidade profunda com o cliente, que exige conversar com as marcas com a mesma proximidade com que conversariam com uma “pessoa de carne e osso”; na era em que integrar os diferentes meios físicos e digitais ao redor de histórias que façam sentido nunca foi tão importante; na era, enfim, em que o cliente finalmente está no centro efetivo de toda estratégia corporativa que pretenda ser de sucesso, interagindo em tempo real com estilos de vida e símbolos que representem suas aspirações e desejos.

Numa era como esta, existe algo mais relevante e fundamental para as marcas do que serem capazes de construir, manter e fortalecer poderosos brandings corporativos?

Marcas representam culturas; culturas nada mais são do que um conjunto de padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, costumes etc. que distinguem um grupo social. E grupos sociais são o organismo vivo que movimenta a sociedade e o consumo, em geral.

Na era da tecnologia e do digital, o branding certamente é a competência mais nobre e essencial para as marcas e profissionais de marketing que estão construindo as organizações do porvir.

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