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Opinião

Uma imigrante na terra das ideias generosas

Ainda me lembro com clareza que, ao decidir deixar a Unilever e criar há 15 anos, de forma independente, a minha própria empresa, todos ao meu redor pensaram que era loucura


8 de março de 2022 - 6h00

Flamingo Images/shutterstock

“Como você vai deixar uma posição prestigiada, reconhecida e bem paga, cheia de benefícios e títulos em uma multinacional, e se lançar no vazio? Ainda mais sendo mulher e estrangeira? Quem vai confiar em uma nova agência independente com alguém que mal fala português?”. Pois é. Em meados dos anos 2000 o mercado brasileiro de comunicação era realmente muito mais “bairrista”, e não era nada óbvio ser uma empreendedora argentina numa terra que costumava nos chamar de “hermanos” no tom típico das provocações futebolísticas.

Foi assim, como numa espécie de roleta russa, que a Alexandria nasceu, em 2007. Hoje não consigo imaginar como seria voltar atrás naquela decisão pessoal de escolher a parte do trabalho de marketing que sempre me fez mais feliz: construir marcas, posicioná-las, dar-lhes uma voz, uma forma. O caminho não foi fácil, tive que reaprender muitas coisas, inclusive para ganhar o respeito e a confiança dos clientes. Entre os aprendizados, como abordar o fato de ser estrangeira em um tom amigável e próximo. Quem me conhece sabe que, quando me apresento, sempre digo: “Oi, sou Solange, argentina. Todo mundo tem um defeito, né?”. Essa forma de rir de si mesmo, de aceitar com humor e desafiar com leveza os preconceitos ajuda a diminuir barreiras.

Como empreendedora, tive que aprender a jogar em todas as posições, e entender desde como abrir uma conta em banco, até assegurar de que não vai faltar café no escritório, enquanto decidia sobre qual tecnologia nos permitiria trabalhar melhor, como fazer uma apresentação a um Conselho de Administração, até gerenciar um workshop com 60 pessoas ao mesmo tempo. Ser mulher, nessas horas, tem vantagens. Estamos acostumadas a ser multitasking, organizando a casa, a educação das crianças, o trabalho, a vida pessoal, tudo ao mesmo tempo. E ainda que haja cada vez mais consciência sobre a necessidade de dividir de forma equânime com o parceiro essas atribuições, acho que nosso chip já vem formatado de fábrica com essa aptidão. E, como dizem no meu país, não há mal que não venha para o bem (aqui já aprendi que é “Há males que vem pra vem”;-). A mesma coisa acontece quando você tem uma equipe multifuncional em diferentes países, com diferentes idiomas e problemas diferentes. Você se acostuma a encaixar tudo ao mesmo tempo.

Sobreviver como agência independente na América Latina não é brincadeira de criança, para ninguém. Este é o continente onde os fracos não tem vez, mas onde também não há fronteiras para crescer e construir. Aqueles que trabalham de forma independente sabem que conhecimento, comprometimento e dedicação nunca são suficientes. A situação econômica na região muitas vezes prega peças, basta pensarmos na volatilidade da moeda e nas crises cíclicas que podem destruir o mais florescente dos negócios da noite para o dia.

Por isso, ao olhar pra trás, vejo alguns passos que foram fundamentais na sobrevivência da minha empresa. Constatações que podem ajudar a manter vivo o negócio de qualquer empreendedora e empreendedor, seja “hermano” ou não:

1.Planejamento empresarial e expansão geográfica. Nunca coloque todos os ovos numa mesma cesta. Minha consultoria teve como base o Brasil, mas no ano seguinte já a expandi para o México, depois para a Argentina e, mais recentemente (2018) para Miami. Essa ampliação da rede foi um fator crítico de sucesso que nos permitiu dividir o risco, gerar caixa e manter o ecossistema saudável nesses 15 anos.

2.A exploração de novas áreas sinérgicas e complementares. Nascemos como uma consultoria de branding e pesquisa de mercado, mas fomos ampliando organicamente disciplinas correlatas, como o design e a publicidade. Ter parceiros dedicados, altamente treinados e igualmente empreendedores foi fundamental. Eu sempre digo que prefiro ter 1% de 100 do que 100% de 1. Outro aprendizado: ninguém faz nada sozinho. Cercar-se de pessoas inteligentes, com fome de crescer, faz toda a diferença, e generosidade e empatia ajudam a tornar essas relações duradouras.

3.Espírito empreendedor. Motivação e garra mantém viva essa chama que nos faz esquecer o medo da mudança e nos torna mais ágeis e adaptáveis, sem pedir permissão e sem pedir perdão. Isso é algo que digo aos meus colaboradores e aos meus filhos: quem não arrisca não petisca. Como argentina sei que, se tudo der errado, a pior coisa que pode acontecer é você ter que voltar um passo atrás e começar de novo.

O Brasil me recebeu de braços abertos, e prezo tanto esse altruísmo que ele está presente no mote da Alexandria – a terra das ideias generosas –; o que bem poderia se dizer desse país, onde construí relações profissionais inspiradoras, baseadas na confiança mútua e no respeito intelectual.
Num mercado tão competitivo como o brasileiro, fui impelida a ser ainda mais inquieta, atenta e viva, e com os desafios que a independência apresenta, celebro com ainda mais afinco cada colaborador contratado, cada cliente conquistado, cada projeto realizado e cada ano vivido. Pois todos têm um sabor muito especial de vitória, para além de qualquer placar.

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