Apagão demográfico

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Opinião

Apagão demográfico

A última informação que se tem sobre todo o Brasil e todos os brasileiros já tem 12 anos e não condiz mais com a realidade atual


19 de abril de 2022 - 14h00

Crédito: Bee32/iStock

Em tempos tão intensos e exaustivos como os atuais, quando somos bombardeados diariamente por diversas camadas de informações, algumas notícias acabam passando batidas como se fossem desimportantes. Uma dessas notícias, divulgada no final de março, diz respeito à decisão inédita do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de divulgar os dados sobre orientação sexual dos brasileiros. De acordo com o IBGE, o levantamento será lançado em 25 de maio, na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), feita em 2019 em parceria com o Ministério da Saúde.

A decisão do IBGE ocorre após a entidade ser questionada pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre a ausência de perguntas sobre a população LGBTQIA+ no Censo Demográfico que será realizado em 2022. Em resposta, o IBGE informou que o Censo “não é a pesquisa adequada para sondagem ou investigação de identidade de gênero e orientação sexual”. “A metodologia de captação das informações do Censo permite que um morador possa responder por ele e pelos demais residentes do domicílio. Pelo caráter sensível e privado da informação, as perguntas sobre a orientação sexual de um determinado morador só podem ser respondidas por ele mesmo”, acrescentou o órgão em comunicado oficial.

O IBGE ainda disse que entende a importância do tema e que, por isso, acrescentou na PNS uma questão específica sobre a orientação sexual. A pesquisa trata da saúde dos brasileiros e os impactos dos serviços de saúde do Brasil. O procurador regional dos Direitos do Cidadão, Lucas Costa Almeida Dias, foi o responsável pela ação protocolada na Justiça Federal contra o instituto. Ele argumentou que a falta de dados sobre a comunidade LGBTQIA+ “configura real impedimento” para a formulação de políticas públicas que atendam às necessidades dessa parte da população. A ação do MPF foi apresentada à Justiça Federal do Acre porque o procurador atua na unidade do Ministério Público Federal no estado. No entanto, a decisão terá repercussão nacional. Após o IBGE argumentar que não poderia incluir as perguntas no Censo, por serem dados sensíveis, o procurador refutou o argumento e disse que “quesitos sobre cor e raça também já foram considerados dados sensíveis e suscitam dúvidas na população”.

O Censo de 2022 deveria ter sido realizado em 2020, mas foi adiado devido à pandemia de Covid-19. No ano passado, houve um corte de 96% no orçamento do IBGE que causou a suspensão das provas para a contratação de 204 mil trabalhadores para a realização do Censo, a mais importante pesquisa realizada no País, realizada tradicionalmente, de dez em dez anos, e base para o planejamento e a aplicação das políticas públicas e investimentos, tanto do governo quanto da iniciativa privada. O corte violento empurrou o Censo para agosto de 2022.

Quantas famílias passam fome no Brasil? Quem precisa de assistência médica e onde faltam mais escolas? O Censo teria as respostas e daria aos pesquisadores, os melhores caminhos para traçar planos eficientes. Com a pandemia, quando mais de 660 mil pessoas já morreram, surgem ainda mais perguntas que vão precisar de respostas e planos emergenciais.

O Censo é a pesquisa mais importante realizada no Brasil, na qual são tabuladas as informações sobre todos os brasileiros. É a partir do Censo que se consegue saber qual é o nível de renda da população, qual o nível de educação da população, como a população está morando, entender qual é a raça da população, a idade e, agora, também o gênero.

São informações preciosas para o desenvolvimento de políticas públicas.

A não realização do Censo tem um impacto profundo na vida dos cidadãos. As políticas habitacionais, por exemplo, todas se baseiam nas informações censitárias para a gente entender como as pessoas no Brasil estão morando e quais são as necessidades habitacionais das famílias. Da mesma forma, na educação, por meio do Censo se pode entender o nível de escolaridade dos brasileiros e brasileiras.

A última informação que se tem sobre todo o Brasil e todos os brasileiros já tem 12 anos e não condiz mais com a realidade atual. Nesse período, houve um decréscimo de renda importante da população. O País voltou ao mapa da fome. Mais recentemente, sob o impacto da pandemia, houve aumento da mortalidade nas faixas etárias maiores e a redução da natalidade. Infelizmente, tais fenômenos demográficos não estão sendo mapeados com o nível de profundidade necessário para se ter uma real compreensão e a dimensão territorial deles para que um plano de ações possa ser traçado.

Os impactos desse apagão afetam também os dados da população para a iniciativa privada, em geral, e para o mercado publicitário, em particular, pois a defasagem entre as informações disponíveis e a real transformação ocorrida na população brasileira e suas novas dinâmicas demográficas compromete a assertividade de planos de marketing.

Se, por um lado, a divulgação inédita pelo IBGE de dados sobre orientação sexual dos brasileiros seja algo para se comemorar, por outro, as chances da realização do Censo em ano eleitoral é algo que não causa muito entusiasmo dado o histórico recente. De maneira desalentadora, essa situação nos remete a um conhecido poema do escritor e ensaísta norte-americano T.S. Elliot: “Onde está a vida que perdemos no viver? Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento? Onde está o conhecimento que perdemos na informação?”.

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