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Tabus publicitários

O assunto mais discutido na publicidade é a criatividade. Mas a verdade é que não existe criatividade sem uma discussão profunda sobre problemas.


15 de agosto de 2022 - 9h00

(Créditos: ShutterStock)

O assunto mais discutido na publicidade é a criatividade. Mas a verdade é que não existe criatividade sem uma discussão profunda sobre problemas. Qualquer pessoa que já escreveu um bom briefing sabe disso.

Só que as pessoas gostam tão pouco de problemas que, provavelmente, muitas delas estão parando de ler esse texto agora. É uma questão biológica, eu entendo. Como se não bastasse, estranhamente, a publicidade (logo ela) vem se mostrando uma área avessa à discussão de problemas reais e profundos.

Mas não pare de ler agora. Vou te contar uma história:

Lembro que, alguns anos atrás, entrei em uma reunião e fiz algumas perguntas que julgava serem muito importantes para desenhar a estratégia que eu estava criando. Além do clima ter pesado um pouco e de não terem respondido, fiquei o restante do dia pensando se devia mesmo ter falado aquilo. As perguntas eram sobre o impacto que aquele produto estava gerando no meio ambiente e sobre as ações que a marca estava criando para resolver. O briefing era sobre sustentabilidade. Nem preciso contar que a campanha não funcionou, preciso?

O tempo passou e, ainda hoje, vejo muitas discussões sendo evitadas. Assuntos sobre comunicação e política, sobre a ética no uso de influência, sobre os impactos que um discurso de marca pode gerar na sociedade etc. Enquanto fazia este texto, fui conversar com o Lucas Schuch, do Podcast “Propaganda não é só isso aí”, que acrescentou discussões que ainda não são frequentes entre as agências, como a transparência sobre os salários, modelos de remuneração e diretrizes de grupos internacionais.

A questão é que esses são problemas tão pouco falados que, às vezes, parecem Tabus Publicitários: proibições invisíveis e algo que uma grande parte do mercado de comunicação trata como se fosse melhor não ser discutido. É como se existisse algum pacto não oficial, criado no passado, que virou senso comum dentro da nossa indústria e que é passado adiante reunião após reunião – mesmo sem ninguém assinar nenhum combinado.

Para uma indústria movida a soluções de problemas, não discutir temas difíceis parece ser uma escolha muito errada. A gente deveria normalizar conversas, não transformar desconfortos em tabus.

Um tabu político, por exemplo, nos afasta do entendimento de que toda a discussão identitária, seja sobre raça, gênero, orientação sexual, já é política. O que nos afasta de ideias potentes sobre estes assuntos e do reconhecimento do público de que essa é mesmo uma marca aliada. Então as marcas devem, sim, discutir mais política.

O tabu sobre o impacto negativo dos discursos de marcas nos impede de encontrar discursos mais profundos que possivelmente aumentariam o valor dessas mesmas marcas na vida das pessoas.

Não discutir modelos de remuneração é um tabu que prejudica novos modelos de negócio que poderiam surgir para desenvolver a indústria toda e levar todo mundo pra frente.

Quem gosta de matemática – ou quem foi traumatizado por ela – talvez lembre da Teoria do Caos e dos sistemas caóticos, que mostram que existem situações tão complexas e com tantos fatores que, se um fator sofrer alteração, um único e pequeno fator, o resultado final pode ser totalmente diferente e imprevisível.

Esse modelo é diferente do determinista, no qual conseguimos prever tudo, desde o começo, com certo conforto.

Eu vejo o mercado publicitário como um modelo caótico e com potencial para abrir espaço para toda essa imprevisibilidade, que traz consigo também a inovação e a criatividade. Mas, para isso, precisamos de um cenário criado para incentivar a alteração de fatores de uma forma natural. E sabe o que pode ajudar a criar esse cenário? Bem, discutir problemas. Porque, fazendo isso, saímos do caminho padrão e nos conectamos com outras formas de enxergar as coisas. Inovação pura vinda de um lugar de desconforto.

E é por isso que discordo tanto quando vejo a publicidade fugindo da tensão, das dúvidas, da coragem e fazendo de qualquer assunto não confortável virar um tabu. Nós não devíamos criar nada sem antes discutir problemas. Ou teremos escolhido um caminho determinista, fechado, previsível e morno por medo de ter que mudar rotas e discutir problemas.

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