Das redes para as massas

Veículos de comunicação, principalmente emissoras de televisão, investem cada vez mais em influenciadores digitais para complementar o seu cardápio de conteúdos

Por AMANDA SCHNAIDER ascarlet@grupomm.com.br

Nos últimos anos, os influenciadores digitais ou criadores de conteúdo se tornaram peça-chave para o mercado publicitário e para as estratégias das marcas. Isso porque eles têm grande poder de influência nas decisões de compra das pessoas. Uma pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência, em 2019, apontou que cerca de 140 milhões de brasileiros estão nas redes sociais, ou seja, mais de 65% da população. Desses, 52% seguem pelo menos um influenciador e 50% têm o costume de comprar produtos e serviços indicados por eles.

Não é à toa que até os meios de comunicação tidos como tradicionais, como a televisão, estão olhando para esse mercado de influência digital. Nos últimos anos, muitas emissoras de TV, sobretudo os canais abertos, passaram a utilizar influenciadores digitais em suas estratégias de comunicação e programação. Inclusive, muitas estão trabalhando seu elenco como se fossem influenciadores, utilizando as redes sociais como uma extensão do trabalho na TV.

Um exemplo de emissora que começou a apostar nesse mercado foi o SBT. Com o objetivo de se aproximar do universo de seus jovens influenciadores, em maio de 2020, o canal lançou o projeto multiplataforma TV ZYN para a produção de conteúdos exclusivos para o público infanto-juvenil no meio digital, em plataformas como YouTube, Instagram e TikTok. Com direção de conteúdo de Ricardo Mantoanelli, diretor de teledramaturgia do SBT, e parceria com o departamento digital da casa, o projeto envolveu estrelas teens como Maisa Silva, Flávia Pavanelli, João Guilherme e Sophia Valverde. Atualmente, a plataforma conta com mais de três milhões de inscritos no YouTube e 1,6 milhão de seguidores no Instagram. Segundo Carolina Gazal, gerente de conteúdo digital do SBT, a TV ZYN é a plataforma da emissora de talentos atemporais e independentes da TV aberta. “É também um grande canal de educação e awareness para novos talentos”.

Outra emissora que está de olho nesse movimento de trazer influenciadores para dentro da televisão aberta há algum tempo é a RedeTV. Em 2018, o canal investiu R$ 35 milhões em estúdios, equipamentos e softwares de uma nova empresa, a Peanuts, criada para produzir e comercializar produtos digitais, com foco nos influenciadores digitais. Na época de sua criação, a empresa afirmou que a ideia era produzir os conteúdos e até divulgá-los na própria emissora, não apenas na internet, e que os contratados também seriam contemplados no projeto. Seguindo essa lógica, em setembro deste ano, após anunciar a saída da emissora dos apresentadores do Encrenca — Tatola Godas, Dennys Motta, Ricardinho Mendonça e Ângelo Campos passaram a comandar um novo programa dominical na Band, o Perrengue na Band — a RedeTV reformulou o programa. A atração passou a ser apresentada pelos criadores de conteúdo Júlio Cocielo, Victor Sarro, Viny Vieira, Fernanda Keulla e Caio Pericinoto. “A RedeTV, neste ano, trouxe grandes nomes do universo digital para dentro da televisão, um movimento estratégico que permitiu criar diversas oportunidades comerciais para os clientes usando a força do native content dos influenciadores aliada à cobertura e abrangência da TV”, revela o head of sales and value creation do canal, Amilcare Dallevo Neto. Além do Encrenca, o canal está investindo no influenciador digital e ex-MasterChef, Raul Lemos para apresentar o programa Desvendando Cozinhas.

Assim como SBT e RedeTV, a Globo e a Band têm integrado os influenciadores digitais à programação, principalmente em atrações que possibilitam uma maior interação com o público, como os realities Big Brother Brasil e MasterChef. No ano passado, a Globo mudou a dinâmica do seu maior reality show e passou a colocar em uma mesma casa anônimos (pipoca) e famosos (camarote) para competir pelo prêmio milionário. A edição de 2020 do BBB contou com diversos criadores de conteúdo para a internet como Bianca Andrade, Pyong Lee, Mari Gonzalez e Rafa Kalimann. Já a edição de 2021 teve a participação de Viih Tube e Camilla de Lucas, que já eram figuras bem conhecidas da internet, mas que depois do BBB ficaram ainda mais conhecidas. Camilla, inclusive, foi contratada pela Globo e foi parte do time do programa The Masked Singer, assim como Rafa Kalimann, que ganhou um programa no Globoplay, o Casa Kalimann.

TV ZYN, projeto multiplataforma do SBT, tem parceria com a Mattel (Crédito: Divulgação)
Novo time do Encrenca: Viny Vieira, Victor Sarro, Fernanda Keulla, Caio Pericinoto e Júlio Cocielo (Crédito: Divulgação)

Via de mão dupla

Não são apenas os criadores de conteúdo na internet que estão indo para a televisão: o movimento contrário também está acontecendo. Gil do Vigor e Juliette, ex-participantes do BBB 21, se tornaram muito conhecidos na TV, mas também se tornaram estrelas da internet justamente por essa sinergia do programa com as redes sociais. Atualmente, a vencedora do BBB 21 tem mais de 32 milhões de seguidores no Instagram, e entrou para o livro dos recordes, com a postagem da plataforma que teve um milhão de curtidas em menor tempo. A postagem falando sobre a sua vitória no programa, feita em 4 de maio deste ano, atingiu um milhão de curtidas em apenas três minutos.

Flávio Santos, CEO da MField, ressalta, ainda, o caso de Ana Clara, que surgiu no Big Brother Brasil 18, mas que ganhou força na internet e acabou virando apresentadora na Globo. “Existem formatos certos para os personagens certos. Entendemos que quanto mais endosso e quanto mais o apresentador gere aproximação com aquela audiência, mais dá certo, independente do canal que ele nasceu”, explica o CEO.

Segundo Manzar Feres, diretora de negócios integrados em publicidade da Globo, a emissora já aposta há bastante tempo na grande influência de seus profissionais e trabalha fortemente esses talentos como influenciadores na divulgação dos conteúdos das marcas da empresa. “Os talentos são um pilar estratégico na criação de conteúdo premium e de alta qualidade. Eles estão nos programas da empresa em todas as plataformas, TV aberta, por assinatura, digital, assim como nos perfis das diversas marcas e programas Globo em redes sociais”, enfatiza a diretora, citando exemplos como o de Galvão Bueno que, em 2019, estrelou a campanha da Volkswagen para o lançamento do modelo Jetta GLI, com entregas na TV aberta, TV por assinatura, digital e Instagram do narrador, e a ação com a Ana Maria Braga neste ano, que apresentou um das edições do Mais Você vestida de Cruella, para divulgar o lançamento do filme no Disney+, que também contou com uma ação nas redes sociais. “Muito emblemático, tivemos o caso inédito da Vivi Guedes, influenciadora vivida por Paolla Oliveira na novela A Dona do Pedaço, que, mesmo sendo fictícia, mantinha um perfil no Instagram e interagia com um total de 2,5 milhões de seguidores”, destaca Manzar.

O SBT também faz esse movimento inverso, de levar seus apresentadores e seu elenco para o mundo digital. “Praticamente todo o elenco do SBT é composto por grandes influenciadores digitais. Celso Portiolli, por exemplo, foi um dos primeiros brasileiros a atingir a marca de milhões de seguidores no TikTok”, comenta Mayra Hassano, head do SBT Solution. Com toda essa popularidade do apresentador na plataforma, a emissora resolveu criar um projeto para a rede de vídeos curtos envolvendo o clássico quadro Passa ou Repassa, do Domingo Legal, apresentado por Celso na TV aberta, com ele próprio à frente do conteúdo. Outro exemplo é o elenco infanto-juvenil de novelas, como Sophia Valverde e Duda Pimenta. “Além de emprestarem suas imagens às campanhas de determinados anunciantes como Disney e Mattel, também somam os posts em suas redes pessoais à divulgação nas plataformas do SBT”, reforça Mayra. Carolina, gerente de conteúdo digital do canal, ainda enfatiza que outros talentos da emissora, como Chris Flores, Murilo Couto, Thiago Barnabé, Gabriel Cartolano, encabeçam projetos originais no ambiente digital.

Escolha dos influenciadores

Em parceria com a Caras Creators, a MField lançou a websérie Explicando: Marketing de influência, que aborda aspectos deste mercado

Ao pensar nessa estratégia de trazer os influenciadores do digital para a tela da TV, é preciso fazer uma curadoria do conteúdo desses criadores para saber se há match com o conteúdo do canal. No SBT, a escolha desses influenciadores tem relação direta com o perfil de cada influenciador, a que gênero de conteúdo está atrelado, ao programa que apresenta, ao seu estilo de vida, como é visto publicamente, e, muitas vezes, à influência que tem em suas redes sociais. “Perfil e influência precisam se adequar ao objetivo de comunicação do anunciante”, revela Mayra, exemplificando. “Se há a necessidade de um conteúdo mais ligado ao humor, a tendência é que as escolhas sejam em torno dos comediantes do SBT ou influenciadores que usam o riso como premissa para os seus vídeos. Se o conteúdo precisa ter o futebol como base, o SBT tem ótimas opções dentro de casa com apresentadores, narradores e comentaristas”. Além disso, a empresa contrata talentos do futebol exclusivamente para determinados projetos.

Segundo Amilcare Dallevo Neto, head of sales and value creation da RedeTV, para a emissora, a escolha desses influenciadores depende do briefing, target da marca e objetivos da campanha. “A RedeTV, juntamente com a Peanuts, seu braço digital, vem criando entregas diferenciadas com foco em conteúdo de qualidade. Os posts e divulgações são pensados campanha por campanha e se adequam de forma personalizada para a plataforma utilizada”, destaca. “Dentro dessa demanda, o elenco da RedeTV tem papel fundamental para atingir os KPIs e o engajamento almejados”.

Complementariedade

Se antes as mídias tradicionais tinham uma comunicação unilateral com seus espectadores, hoje, com as redes sociais, essa dinâmica mudou. Agora, toda e qualquer pessoa com dispositivos móveis com acesso à internet pode interagir com os seus programas favoritos por meio das redes sociais. A comunicação passou a ser multilateral. Desse modo, Flávio Santos, CEO da MField, destaca que os veículos já estão se atentando para essa mudança. “Eles precisam, em todas as esferas, em todos os formatos, aumentar esse grau de exposição deles com o cliente, com audiência, enfim, com quem quer que eles queiram conversar, justamente para não ficar preso somente a um formato de mídia. Eles precisam se diversificar, envolver essa audiência e trazer esse consumidor e essa audiência para perto deles”, complementa.

O CEO da Banca Digital, Murilo Henare, reforça, ainda, que celular e redes sociais viraram a segunda tela dos espectadores e que, dessa forma, as marcas e emissoras têm ficado atentas em como unir o conteúdo da TV com o da internet. “O assertivo é você conseguir espalhar para a massa, que é a TV, e conseguir destrinchar e ir afunilando aquela conversa para dentro da internet, baseado em uma curadoria muito bacana que a marca consegue fazer”. Para ser ainda mais assertivo nesta estratégia, Henare entende que é preciso cocriar ao lado dos influenciadores. “As marcas estão acreditando e entregando o material, a base do briefing, para o influenciador e deixando ele cocriar, da maneira dele, com a linguagem dele. Entregar a base para o influenciador e deixar que ele, com o seu conteúdo e sua base de público, performe isso. É a maneira mais assertiva, porque ele sabe como se comunicar com as pessoas que estão ali diariamente consumindo o conteúdo dele”, completa. Amanda Gomes, sócia diretora da MAP Brasil, concorda com o CEO da Banca Digital: “Dar liberdade para que o influenciador dê o seu toque ao trabalho é primordial na construção deste laço”. Para a profissional, a forma ideal de um veículo de comunicação trabalhar com os creators em sua estratégia é desenvolver mecanismos que criem uma ponte entre o veículo e o público do influenciador de forma verdadeira, impactando positivamente na sua estratégia digital.

Edu Kof, Gui Nobre e Kleber Moraes participam do projeto Hot Wheels, no, SBT com Benjamin Back

“O formato que mais performa é o formato que o influenciador é nativo, porém, do nosso lado, acreditamos muito no poder do conteúdo transmídia, ou seja, aquele conteúdo que transcende o formato de narrativa para o canal específico que o influenciador está conversando”, afirma Flávio Santos, CEO da MField. O executivo também ressalta que a melhor forma dos veículos conseguirem ter a resposta do uso dos influenciadores é entender a linguagem que a audiência dele espera para cada um dos canais. “A nossa aposta é entender o formato nativo do influenciador e pensar a narrativa certa para o canal certo, que é o conceito principal da transmídia”. Apesar disso, o CEO enfatiza que os veículos tradicionais ainda estão tateando para entender o que funciona e o que não funciona dentro dessa estratégia. “Entendo que o mercado tradicional, o mercado off-line e TV, está tateando e entendendo quais as figuras e quais os personagens que performam muito bem dentro do social e têm potencial de também performar muito bem dentro dos veículos de massa. Mas é um desafio, porque não existe fórmula. É entender que cada personagem performa bem para cada um dos canais. O que dá bem na televisão não necessariamente vai dar bem no digital e vice-versa. O que tem match para os dois é perfeito”.

Atualmente, os influenciadores são peças-chave para criar uma campanha 360 efetiva e complementar o plano de mídia, na opinião de Amilcare Dallevo Neto, head of sales and value creation da RedeTV. Mayra e Carolina, do SBT, concordam com Neto neste sentido. Para Mayra, o retorno do uso dos criadores de conteúdo digital para as emissoras é a complementariedade de audiência, que torna o resultado mais efetivo e com maior afinidade do público que se quer atingir. “É uma forma da mensagem chegar ao consumidor que está mais aberto a recebê-la ao ser impactado por alguém em quem confia e admira. E, sem dúvida nenhuma, é ter maior alcance e efetividade nos objetivos da campanha”, ressalta Mayara. “No caso de projetos editoriais, os influenciadores alcançam nichos e gerações com hábitos distintos ao público geral da TV, agregando valor à audiência e colaborando com a modernização da marca”, complementa Carolina.

Cada um dos talentos de uma emissora, seja o elenco, sejam os influenciadores, tem um papel e um propósito dentro do formato de divulgação daquele canal, de acordo com o CEO da Mfield. “O elenco tem formato de pulverizar, de conversar com o público grande, já os influenciadores têm um potencial muito grande de amplificação, de romper a bolha, de conversar com outras gerações, de abrir um leque de diálogo com pessoas com quem o elenco, talvez, não converse ou que a televisão não chegue”, afirma, reforçando que não adianta competir, pois são propósitos e formatos completamente diferentes. “É mídia complementar, não é uma mídia que compete com o elenco”, reforça.

Murilo Henare, CEO da Banca Digital, também entende que são mídias complementares. Para ele, as redes sociais não excluem o papel da TV e vice-versa. “O segredo é a cocriação. Essa cocriação com a TV, que sempre vai ser um meio muito grande de se espalhar a notícia, de reverberar as coisas e fazer awareness, essa soma é o que tem sido assertivo para o meio digital. Quando a marca consegue entender tudo como um grande leque, com começo, meio e fim, com todas essas áreas, fica muito mais assertivo”, ressalta. Amanda, da MAP Brasil, também enfatiza essa complementariedade: “Não pode haver dependência, e sim união de forças, além de que a atuação do influenciador deve estar alinhada com a condução do veículo”.

Crédito da foto no topo: Sergey Mironov/shutterstock

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