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Opinião

Anna e Elizabeth

Mudar as estatísticas pressupõe mudar o ecossistema de VC como um todo – do modelo de avaliação dos negócios, que não me parece sustentável, aos parâmetros usados para avaliar e fundear negócios liderados por mulheres 


17 de março de 2022 - 10h08

(Crédito: Shutterstock)

Março. O ano efetivamente começa no mês das mulheres. E, com ele, vem a necessidade de refletirmos sobre o avanço das conquistas femininas nas várias esferas da sociedade: economia, saúde, cultura, indústria, serviços, entre outros. 

Tenho olhado bastante pro universo de startups, inovação e venture capital, que tem sido um dos maiores eixos de transformação e mudança globais, e me preocupa as mulheres ainda serem minoria. De acordo com a Statista, até 2019 apenas 20% das startups no mundo eram lideradas por uma mulher e/ou tinham pelo menos uma founder que se identificava como mulher. 

Isso acontece por muitas razões, mas uma, em especial, é a dificuldade de mulheres conseguirem captar recursos. A Statista também conta que, em 2020, a média de capital recebida por uma startup liderada só por mulheres é de 5 milhões de dólares, contra 20 milhões de dólares de uma startup que também tenha homens como founders.

Muito provavelmente uma das questões que mais impacta o número acima é uma associação de dois fatores: o fato de mulheres genericamente serem menos agressivas ao aplicar para posições, vender o próprio trabalho, ou falar de seus projetos (o que já foi, também, demonstrado em inúmeras estatísticas publicadas), combinado ao modelo recente de venture capital, que privilegia o potencial de resultado futuro como métrica de avaliação para uma empresa, ao invés de olhar pra sua realidade no presente. Se o que vale é o que a empresa “pode ser”, a habilidade de vender o próprio peixe ganha ainda mais importância.  

Isso também se reflete no momento em que essas mulheres decidem sair de suas startups, seja as vendendo pra uma empresa maior, criando um processo de sucessão, entre outros: o Pitchbook diz que de todo o valor gerado por “exits” em 2021, apenas inimagináveis 0.8% são correspondentes a empresas fundadas só por mulheres.  

Como se olhar esses números não fosse suficiente, a indústria do entretenimento tem trazido luz a casos de female founders que não nos ajudam como classe: Elizabeth Holmes, da Theranos, e Anna “Delvey” Sorokin são estrelas de documentários da HBO e da Netflix, respectivamente, que contam detalhadamente como elas conspiraram para enganar a alta sociedade, investidores tradicionais e venture capitalists com seus projetos visionários (atenção, spoilers à frente).  

O que elas fizeram não é exemplo nem bonito, mas vamos fazer aqui um comparativo usando a própria história de Anna: ela foi julgada, presa e será deportada. O namorado dela, que na série é Chase Sikorski e na vida real suspeita-se que tenha sido um founder chamado Hunter Lee Soik, também enganou investidores, chegando inclusive a gastar o dinheiro deles. Mas ele não foi preso – a série traz como desfecho pra ele uma agradável vida num país árabe, trabalhando como “futurista pessoal do Sheik”.  

É por isso que o mundo precisa ver maior participação e mais histórias de sucesso femininas: para que as empreendedoras sejam vistas pelo seu sucesso, pelo seu exemplo. E quem tem exemplo, tem tudo. Histórias de mulheres como Ariana Huffington, Sarah Blakely e Joy Mangano podem servir de inspiração pra muitas outras mulheres.  

Também precisamos de mais representatividade feminina dentre os investidores e fundos. Mudar as estatísticas pressupõe mudar o ecossistema de VC como um todo – do modelo de avaliação dos negócios, que não me parece sustentável, aos parâmetros usados para avaliar e fundear negócios liderados por mulheres.   

Para usar uma palavra do jargão das startups, escalar a participação feminina (e a diversidade racial, etária, entre outras) no ecossistema de empreendedorismo me parece uma pedra fundamental na transformação de que precisamos no mundo. É trabalho pra todos os dias – e já que estamos em março, por que não começar hoje?  

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