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Opinião

Senhora T. 

Quando essa senhora corpulenta vestida de cinza vem nos visitar, de alguma forma estamos precisando dessa visita. E, desse encontro, podemos fazer uma história importante e significativa para a nossa existência


17 de maio de 2022 - 0h01

Espetáculo ‘Helena Blavatsky, a voz do silêncio’ retorna sua trajetória de apresentações em Brasília (Crédito: Divulgação)

Fui ao teatro! Assim, desse jeito, com exclamação. Que sensação extraordinária viver novamente esses momentos. A pandemia por algum tempo nos tirou isso, e na verdade quase congelamos ao imaginar que não teríamos mais esse prazer. Sempre amei o teatro, a arte da vida ao vivo, só que em forma de vida ensaiada, compilada, destacada.  

Na vida, há sempre mais um escaninho, mais uma gaveta, mais um espaço que, quando abrimos, nos deslumbramos e nos surpreendemos. A arte tem esse poder, né? 

O espetáculo mexeu comigo, cutucou sentimentos que me colocaram em pura reflexão. 

Tem hora que só queremos nos vestir de silêncio, num vestido longo, de mangas compridas e gola alta. Mas a vida nos leva para o palco, e o que nos resta é tirar cada peça que pesa e encarar o ato com a força do desejo, para conseguir de algum jeito proclamar nossas falas. 

Acho que é assim que se sente uma mulher tímida, pelo menos era assim que eu me senti muitas vezes. Mas alguma coisa a mais gritava dentro de mim. Não é só a timidez que nos paralisa: a tristeza nos congela, principalmente em tempos cheios de trejeitos, que fazem de tudo para nos afastar de nós mesmos.   

Do mundo da positividade tóxica, surge a felicidade opressora, aquela que somos obrigados a sentir. Num resumo breve, a felicidade líquida nos inunda e nos faz ver uma vida feliz que não existe, seja nas redes sociais ou no papo com pessoas próximas. E nem sempre é de propósito, às vezes é porque não sabemos mesmo como acomodar essa Senhora.  

Dei um nome para ela: Senhora Tristeza Marcelina da Silva, a Senhora T. Quando essa senhora corpulenta vestida de cinza vem nos visitar, de alguma forma estamos precisando dessa visita. E, desse encontro, podemos fazer uma história importante e significativa para a nossa existência. 

Se a Senhora T. já nos visitava desde que o ser humano tomou consciência do mundo, imaginemos logo após – e durante – uma pandemia que nos tirou todas as certezas. 

Precisamos falar sobre a Senhora T. Ela está aí, achemos bom ou não. Então, ao invés de tentar expulsá-la, vamos preparar um chá quente e conversar com ela. 

A peça que vi era sobre uma mulher russa incrível e polêmica que viveu no século 19. Polêmica porque era mulher, russa, incrível e viveu no século 19. No palco, uma atriz maravilhosa. A personagem e o nome da peça era Helena Blavatsky, que na minha imaginação parecia muito a própria Senhora T.  

E aí, por que uma mulher russa incrível e polêmica parece a Senhora Tristeza Marcelina da Silva para mim? Será que toda mulher incrível acaba trazendo um pouco de tristeza junto com ela? Será que o peso do incrível para uma mulher tem esse semblante metade melancolia e metade paixão? Será que quem vê esse incrível sente esses sentimentos, num misto de inveja e admiração? 

O Dia das Mães também se juntou à peça de teatro na minha reflexão e pensei em nossas ancestrais. As mulheres que nos trouxeram até aqui, o quanto de tristeza e força elas e nós temos que usar para atravessar nossos momentos históricos, nossas histórias. 

Então, num desejo e numa proclamação de fala, como em uma oração melancólica e forte, eu digo: 

Que sejamos doces, 

Que sejamos iluminadas, 

Que sejamos vulneráveis, 

Que sejamos fortes, 

Que sejamos corajosas e  

Que sejamos tristes quando for preciso.

Amém. 

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