Atletas de alto rendimento e maternidade: como conciliar?

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Opinião

Atletas de alto rendimento e maternidade: como conciliar?

Como conciliar o desejo de ser mãe com uma rotina intensa de treinamentos e competições em alto nível sem prejudicar o bebê e a carreira?


9 de agosto de 2022 - 8h37

A tenista norte-americana Serena Williams grávida, em 2017 (Crédito: Reprodução/Instagram)

Muitas mulheres têm o sonho de serem mães e constituírem uma família. Sabemos há muito tempo dos desafios que elas enfrentam para realizar esse desejo e encarar o mercado de trabalho: incertezas, a licença-maternidade e o período de afastamento, reações de chefes e empresas ao anúncio, dúvidas. Além de, claro, todas as mudanças físicas.

Mas e quando é justamente a mudança física que tem o maior impacto, como no caso das atletas de alto rendimento? Como conciliar o desejo da maternidade com uma rotina intensa de treinamentos e competições em alto nível sem prejudicar o bebê e a carreira?

Se as mulheres com carreiras corporativas enfrentam muitos desafios, para as atletas, esse desafio ganha um aditivo importantíssimo: todas as mudanças no corpo e na rotina de treinos, além da exigência de uma recuperação muito rápida para que não se perca o espaço conquistado.

Lembro de ter visto uma entrevista da jogadora de vôlei Thaísa Daher às vésperas das Olimpíadas de Tóquio, contando como ela mais uma vez tinha adiado o sonho de começar uma família para continuar na carreira. Uma das frases mais marcantes que ela falou foi: “O triste eu acho que é isso: eles veem a gente como supermulheres e máquinas para defender nosso país, para jogar, para dar nosso melhor, mas ninguém pensa nesse lado humano de querer ser mãe… no sonho de querer ter uma família”.

Outra citação impactante sobre como as atletas se sentem em relação à possível discriminação e a um encerramento precoce da carreira é a da corredora americana Phoebe Wright, que em entrevista ao New York Times resumiu o medo de muitas delas: “Ficar grávida é o beijo da morte para uma atleta mulher. Se eu engravidasse, não contaria para a Nike de jeito nenhum.”

O medo retratado por Phoebe, que atinge tantas outras, é real e justificado: os contratos de patrocínio de atletas é baseado em seu desempenho, aparições e obrigações contratuais. O que, claro, é diretamente afetado por uma gravidez e o período em que ficam fora de cena. Nesse contexto, muitos patrocinadores, clubes e federações passaram a rever os seus contratos com as atletas para prever um possível afastamento pela gravidez. A própria Nike revisitou muitos de seus contratos para garantir que as atletas grávidas não tivessem reduções em seus pagamentos relacionados ao desempenho em um período de 12 meses. Uma pequena vitória.

Além dos contratos de patrocínio, que têm impacto financeiro direto na vida das atletas, um outro fator muito importante chama a atenção e acontece em diversas modalidades: como tratar devidamente o período de afastamento das atletas? Ao se distanciarem pelo período entre gravidez e licença-maternidade, muitas encontram diferentes obstáculos, entre eles a perda de posições de titularidade, perda de pontos e classificação em rankings, não renovação de contratos, chegando inclusive ao afastamento definitivo da atleta. Um cenário muito pouco comentado e que muda apenas quando exemplos ganham grandes proporções. Ano passado, a jogadora de vôlei de praia Maria Elisa fez um desabafo em suas redes sociais sobre a injusta perda de pontos no ranking, acarretada pela ausência durante a licença-maternidade. O que ela conseguiu? A mudança no regulamento e a extensão do prazo de afastamento das atletas, sem a punição da perda de pontos.

Já a jogadora de vôlei Tandara Caixeta venceu uma ação na justiça para receber de seu antigo clube os salários que foram reduzidos a 0,5% do valor no período em que ficou afastada – isso mesmo, meio porcento do salário que ela recebia mensalmente.

Em outro caso emblemático, Serena Williams, a maior estrela do tênis feminino na atualidade, foi campeã do Australian Open quando estava na metade da gestação, mas precisou ser afastada das quadras pela gravidez de risco. Em sua volta, ainda lutava com efeitos e consequências da gravidez, que exigiu cautela. O resultado? Foi “punida” com a perda de várias posições no ranking pelo afastamento do tênis. Seu caso chamou tanto a atenção que a WTA (Associação de Tênis Feminino) revisou as regras entre os torneios e, na mesma temporada, Serena voltou a ser cabeça de chave em 2 dos Grands Slams da temporada. E sabe o que ela fez? Chegou à final exatamente nesses dois torneios.

O que prova que, sim, é possível conciliar a maternidade mesmo com adversidades ao alto rendimento.

O esporte feminino já enfrenta diversos obstáculos como a menor visibilidade e os patrocínios inferiores. Soma-se a isso as incertezas das atletas quando decidem iniciar uma família. Ainda é difícil encontrar entidades, clubes e patrocinadores que levantem essa bandeira, falem sobre isso e ofereçam total suporte às atletas, inclusive honrando contratos pré-estabelecidos. As dificuldades ainda passam por encarar os julgamentos das pessoas e o questionamento da capacidade das esportistas.

O caminho da igualdade de gênero precisa ser justo, e passa também por saber respeitar as diferenças e as necessidades de cada uma.

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