Amanda Graciano: “Quem se adapta fica para trás”

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Amanda Graciano: “Quem se adapta fica para trás”

A economista, especialista em inovação e sócia da Fisher Venture Builder fala sobre como inovar com responsabilidade e ter segurança para ser disruptiva


19 de agosto de 2022 - 9h44

Amanda Graciano é economista, especialista em inovação e sócia da Fisher Venture Builder (Crédito: Divulgação/Lorrayne Chaves)

Para Amanda Graciano, a vida é uma grande loucura. Mesmo vinda de uma família simples, ela aprendeu grandes lições com os seus pais. A mãe a ensinou a ser ambiciosa. O pai, a se comunicar bem. Essa criação e seu perfil de empreendedora a levaram a atuar como sócia e liderar a operação de corporate venture building da Fisher Venture Builder, empresa que une empreendedorismo e experiência corporativa para criar startups e ajudar empresas a inovar

Corporate venture building significa isso: ajudar as companhias a fazer transformações e criar novos mercados. O que não inclui adaptar, incrementar ou copiar modelos que funcionam no hemisfério norte. Para Amanda, inovar no Brasil é usar as nossas habilidades, ou o ‘jeitinho brasileiro’, para encontrar soluções ou produtos novos, pensados para o futuro e mercados desconhecidos.

Mesmo com o mercado de tecnologia dominado por homens brancos, e Amanda sendo uma mulher, negra e jovem, ela entendeu muito cedo que a bola estava com ela. Se não havia outras mulheres no ramo, seria ela quem abriria a porta e a deixaria escancarada para outras “Amandas”.

Além de economista e especialista em inovação e transformação digital, ela é palestrante, “top voice” no LinkedIn, membro do Comitê de Gestão do Lide Futuro e do Conselho Consultivo da Wishe Women Capital e do Aladas e professora na Fundação Dom Cabral e na Conquer. Ela é, ainda, colunista de grandes veículos como Estadão e MIT Review Technology. Confira a seguir nossa entrevista com ela.

 

Quais características ou habilidades você considera essenciais numa liderança? Como você as desenvolve e as alimenta regularmente? 

Eu acho que há muitas coisas que uma liderança deveria fazer. Acredito que ela deve entender quem é e qual o seu papel no mundo. Não no mundo inteiro porque é loucura, são dez bilhões de pessoas. Mas entender o seu papel demora quase uma vida inteira.

Depois, acho que é preciso entender quais habilidades você tem e quais são possíveis de desenvolver. E por último, como o que fazemos influencia o mundo de fato. Então, se eu lidero uma organização, seja ela grande, média ou pequena, qual o impacto daquele business ou daquele movimento que eu participo no mundo? Acho que, coletivamente, conseguimos ter mais impacto no mundo do que sozinhos. Então, acredito numa liderança que é muito consciente de si e do seu papel por onde ela passa, e é menos de comando e controle. Acho que isso não funciona e ficamos todos muito mais estressados.

Sobre como busco desenvolver tudo isso: ouvi um fundador de uma empresa falar que ele era neurótico e eu me reconheço nisso. Não no sentido neurótico da pessoa chata, mas sou um tanto obcecada por conhecimento. Entendi que o fato de ter acesso a conhecimento poderia me ajudar a me entender melhor e a entender os espaços por onde eu passo. Então, é muito difícil eu abrir a boca para falar qualquer coisa se eu não parei minimamente para tentar entender o que é. Claro, há aquilo que ainda não tenho opinião para dar porque só estou observando e tentando entender.

Isso se deve porque ouvi muito do meu pai, que não tem formação superior, algo mais ou menos como: “independente do que decidimos fazer da vida, a gente tem que saber se conectar com o mundo”. Então, o mundo tem pouca culpa das coisas que a gente faz. Podemos viver uma vida melhor ou pior por culpa do contexto, mas o fato de você tentar dialogar melhor ou pior é uma decisão apenas sua. Além disso, acredito que as respostas não são só individuais. Tendo a achar que temos a necessidade das respostas coletivas, e dedico muito tempo tentando aprender coisas com as outras pessoas, porque eu não acho que o meu jeito seja o único. 

Até nas horas das grandes brigas, tenho a sensação de que as pessoas não entendem 100%. Mesmo tendo uma atitude racista ou machista, vai ser mais fácil eu chegar nela e falar “olha, você errou aqui” do que ir lá e descer goela abaixo algo que é senso comum na minha realidade, mas talvez não na do outro. Então, acredito muito na força de buscar conhecimento loucamente e não necessariamente tentar se adaptar, porque quem se adapta fica para trás, e na tentativa de correr na frente, tento traçar um ‘modus operandi’ que funcione para todos.

Numa entrevista recente, você apontou uma nova onda para o mercado de inovação. O que isso significa e como o Brasil está atuando no segmento?

Hoje, atuo com venture building, mais especificamente com corporate venture building, que, tentando traduzir, seria a prática de ajudar corporações a criarem negócios e mercados. Então, temos uma metodologia robusta já aprovada pelos negócios que detemos, mas entendemos que apenas o nosso negócio de criar, investir e ajudar no crescimento das empresas não teria efeito. Temos clientes com quem trabalhamos em conjunto justamente para tentar alcançar novos mercados e, inclusive, desbloqueá-los. Por exemplo: olhamos para um mercado mais tradicional e pensamos quais possibilidades de ele se desenvolver e evoluir daqui a 10 anos, para que efetivamente possamos implementar alguma coisa.

Para explicar melhor: todas as pessoas em posições de liderança ou executivas que lidam com estratégia querem trabalhar com inovação. Na prática, o executivo fala “eu tenho uma ideia de inovação incremental para um produto já existente, para atender um cliente que já sabemos quem é, e isso vai mudar x% da margem daqui a 3 anos”. 

O que tentamos fazer é seguir um caminho que não é esse, menos óbvio: existe um produto potencialmente revolucionário para um mercado que ainda não atendemos e para um cliente que conhecemos pouco, mas pode ser o que nosso mercado estará fazendo nos próximos 5 anos. É louco, porque eu já não acreditava nessa lógica da adaptação, porque para mim ela funciona assim: “tendo em vista tal característica, vou ajustar só um tiquinho. Vi que o outro mudou, então vou me adaptar para eu segui-lo”. E, na prática, se quero liderar o mercado, não posso ficar me adaptando aos comportamentos das empresas. Preciso ser quem vai testar o novo ou colocar as primeiras pontes para que os outros possam andar. É isso que nos propomos a fazer.

Como cultura, acho que temos um pouco do viés de um país colonizado, então tendemos a copiar o que acontece no hemisfério norte como um todo, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Embora várias das mentes que estão lá sejam brasileiros. Então, acho que no Brasil ainda estamos atrás. Escrevi num artigo que nossa inovação é pelo retrovisor. Nós olhamos pelo para trás e pensamos “fulano fez, então, agora, vou fazer”, como se a gente precisasse de alguma aprovação. Sendo que somos praticamente um continente, um país com várias pessoas e extremamente inovador.

Eu brinco que, quando falamos do jeitinho brasileiro, por um lado pode ter um viés ruim, mas, por outro, mostra que somos extremamente empreendedores e sempre buscamos soluções. É isso que estamos chamando de empreendedorismo. É isso que o europeu chama de empreendedorismo, e que a gente chama de “jeitinho” e fala que é péssimo.

Nessa tentativa de correr na frente, criamos um modelo e uma consultoria de negócio para que o Brasil seja, de fato, visionário. Daqui a 10 anos quero que as pessoas achem tudo o que estamos falando e escrevendo agora, que elas vejam o que estamos construindo e falem “é mais nessa linha que devemos seguir”. Porque não é apenas pegar o que é feito nos Estados Unidos e na Europa e copiar, ou se adaptar um pouquinho. Que elas busquem inovação de fato. 

Você já teve algum tipo de sentimento de autossabotagem? Como lida com essa situação e quais dicas dá para as mulheres que se sentem assim nos projetos, áreas e lugares em que atuam? 

Eu acho tudo uma loucura. Por exemplo, você me falou sobre essa coisa de inspiração e eu pensei “gente, que doideira, essa pessoa vai ser eu?”. O meu noivo fala que é um excesso de humildade, porque eu realmente não me acho a pessoa mais foda do mundo. Acho que é porque estou comigo o tempo inteiro e sei das quinhentas coisas que eu deveria melhorar e desenvolver. 

Mas uma coisa muito importante nesse processo foi eu me entender. Desses testes de personalidade, já fiz um milhão. Hoje, faço parte de uma rede de jovens lideranças, e é muito curioso porque, à medida que eu olho para toda a minha carreira, vejo que os lugares onde me destaquei foram aqueles em que eu tinha um posicionamento mais forte. Acho que entender a si próprio nos ajuda a não cair nessa pegadinha da síndrome da impostora. 

Ao mesmo tempo, se eu topei fazer um negócio, vou fazê-lo. Pode ser que eu não saiba como fazer, o que ocorre em 70% dos casos. Mas penso: “acho que dá, mas ainda vou descobrir como fazer, porque não sei”. Isso é algo característico meu. O fato de eu estar liderando uma corporate venture building e de existirem duzentas no mundo, por exemplo, é uma grande maluquice. Na prática, estamos construindo algo sem um negócio para copiar. Só que, se eu não soubesse que sou assim e que situações como essa me atraem muito, eu ficaria com medo. Às vezes fico, mas existe uma coisa de perfil e compatibilidades. Até por ser muito executora, passei a entender os meus ao longo do tempo. Compreendi meu jeito e minhas habilidades fortes. E você só consegue fazer isso e se colocar como protagonista quando se entende. Acho que, quando falamos sobre mulheres, não nos foi dada essa possibilidade de nos entendermos, ao menos não nesse nível. Não podemos nos colocar em caixinhas e dizer “isso é coisa de mulher”, porque as mulheres são todas diferentes. “Ser coisa de mulher” não quer dizer nada. Precisamos nos aprofundar.

Outro ponto é que eu sou um tanto ambiciosa. Isso vem um pouco da minha mãe, que é superfeliz no mercado onde atua, mas, conhecendo ela, você vê que a filha é cria. Mas, ao longo do tempo percebi que, se olho para o lado e não vejo ninguém parecido, então a bola está comigo. Demorei para aceitar isso, porque antes eu sofria, “ai, só existe eu mesma, vou embora”. Depois, passei a entender a potência de ser uma mulher em lugares apenas ocupados por homens. Já estive em eventos em que era a única negra, e eu falava: “cumpri todas as cotas, sou mulher e negra”. Mas, comecei a entender a importância de estar naqueles lugares. 

O primeiro passo foi, então, não querer fugir, porque antes eu chegava e queria ir embora. Pensava coisas como “esse lugar não me pertence”. O segundo foi estar nesses ambientes e falar coisas com sentido sem me sentir intimidada. Entendi aos poucos que se não tem ninguém para fazer algo, é melhor que eu faça, para virem outras Amandas. Para que outras se sintam não empoderadas, porque não acho que fazemos isso para o outro, mas que ao menos elas se deem permissão. Outra coisa que compreendi nessa loucura, e que me gerava essa síndrome da impostora, foi que eu queria estar em lugares onde as mulheres, em geral, não estavam. Principalmente as mulheres negras. 

Meu trabalho de conclusão de curso em Economia foi uma equação em que, a partir de diferentes variáveis, era possível entender o quanto elementos como região, formação, etnia e gênero influenciam no salário de uma pessoa. Descobri que o homem branco vai ser sempre o mais rico e, na proporção, a mulher negra é quem recebe menos. Nesse ponto, pensei “ferrou para mim, né?” Ainda mais morando no sudeste, porque um ano a mais de educação no norte ou no nordeste pode separar pessoas ricas e pobres, mas no sudeste não é necessariamente assim. Aqui, temos muitas pessoas na média, o que não é ruim, mas, a classe média é muito grande. Então, para furar essa bolha e virar uma pessoa rica, o caminho é bem maior, dada também a facilidade que temos de ter mais educação. 

Enfim, tudo isso para dizer que cresci e entendi que os lugares onde quero estar são aqueles em que os homens brancos estão. E isso me “bugou”. Eu via e pensava “quero ser presidente de empresa igual aquele homem”, porque nenhuma outra mulher chegou naquele lugar. Entender isso me tirou um pouco desse pavor de estar nesses espaços e ter a persistência de manter a porta aberta. Acho que o machismo e o racismo, estruturais da nossa realidade, também deixam algumas pessoas passarem para parecer ser possível. E eu preciso fazer o meu, mas não apenas para parecer ser possível, mas para puxar mais mulheres como eu.

O quarto ponto é que já fiz muitas coisas, mas às vezes me esqueço disso e fico me perguntando se vai dar certo. Apesar de ter amigos e família muito unidos, que sempre me apoiam, falo que eles são suspeitos. Comecei a “printar” as coisas que recebo, e-mails, comentários, e fiz um grupo comigo mesma no WhatsApp que eu chamo de “Wall of Love” (“Muro do Amor”, em tradução livre). Nos dias em que não estou fazendo nada com sentido, eu leio. Então, ao menor sinal de surto, olho e penso “parece que está dando certo”. É bom ter essas coisas que fazem a gente voltar a colocar o pé no chão. 

Quais mulheres inspiradoras você segue, lê e observa? Como elas te inspiram? 

Eu tenho uma lista. Pensando em mulheres brasileiras, a maioria são negras. Acho a Viviane Elias maravilhosa. A Dilma Campos, CEO da Outra Praia, é perfeita. A Fernanda Ribeiro, da Conta Black, a Lisiane [Lemos]. Acho que são todas mulheres que, de certa forma, estão rompendo o status quo por onde passam e inspiram. O maluco é que, quando eu não as conhecia, falava: “quando eu crescer, quero conhecê-las”, e hoje são todas minhas amigas. É interessante porque andamos ao lado. 

Há também as minhas amigas que empreendem, como a Jhenyffer Coutinho, que fundou a Se Candidate, Mulher!, e a Andrezza Rodrigues, que empreende com a Her Money. São negócios voltados às mulheres, o que é um grande desafio, porque se fossem para homens, o mercado daria mais dinheiro e pararia muito mais para ajudar.

E tem outras mulheres referências por quebrarem o status quo nas suas carreiras. Por exemplo, admiro as irmãs Williams, ainda mais agora que a Serena está criando um fundo de investimento. Acho muito interessante. A Beyoncé faz muito isso. Brinco que o meu sonho é ser ela: fica quieta, calada, não fala nada para ninguém, trabalha horrores, mas qualquer coisa que faz, o mundo para. 

Também a vejo como uma referência por diversificar os seus ganhos. Passei a entender que isso era importante, mas eu não tinha a possibilidade de fazer igual. O fato é que isso é relevante para ter um pouco mais de autonomia financeira. E, eu, como mulher negra, que venho de uma família super simples, compreendi que não é apenas sobre salário, mas sobre economizar muito dinheiro para sobrar um tiquinho e fazer outras coisas. E essas referências são interessantes porque fizeram isso. A Serena, por exemplo, agora está investindo. A Beyoncé tem um fundo de investimento e é uma família com gravadora e um milhão de coisas. Ou seja, o dinheiro não depende de uma única renda. Ter virado essa chavezinha para mim foi muito importante.

Mais um nome que me inspira é Elaine Welteroth, que foi uma editora-chefe de uma revista de moda. O outro é Tracey Ellis, uma atriz super renomada que me encanta muito no jeito de vestir ao quebrar com o status quo, porque essa era uma das coisas que “bugava” a minha cabeça. Eu pensava “tenho cabelo cacheado. Vou ter que escová-lo? Como vou me vestir bem? Eu uso tênis, não gosto de usar salto”, e encontrar essas referências foram muito importante. 

Por fim, tem alguma dica de séries, filmes, livros e/ou músicas que consumiu recentemente e te fizeram refletir sobre a condição e o papel das mulheres na sociedade? 

Eu gosto muito de ouvir Lizzo. As músicas dela são perfeitas. Esse álbum novo da Beyoncé também está maravilhoso. Mas a Lizzo é muito legal porque fala sobre ser mulher e faz um “plot twist” ao trazer outras perspectivas. A Elaine Welteroth também tem um livro que se chama “More Than Enough” (“Mais Que Suficiente, em tradução livre), onde escreve sobre como ela “hackeou” o sistema para chegar onde chegou. Ela morava numa cidade do interior e encheu a caixa de e-mails de uma editora-chefe de uma revista de moda em Nova York e foi assim que conseguiu seu primeiro estágio. Acho interessante porque a gente tende a achar que, para conseguir uma carreira de sucesso, a pessoa precisa ser uma heroína, mas não conseguimos perceber o quanto elas ralam, na verdade. Ela fez o livro justamente para falar “você é suficiente. Não é tentando ser outra pessoa que você vai se dar bem”. Outro livro que quero ler é o da Viola Davis. É um calhamaço, mas tem uma versão traduzida. 

Tem aquele episódio na Netflix em que a Viola fala com a Oprah e é muito interessante, porque ela comenta sobre o impacto que a pandemia teve na sua vida, e eu tenho a sensação de que, apesar de ter sido diferente para cada um, há vários momentos ali que eu acredito terem acontecido para todo mundo.

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