Um em 500: a coragem de Tim Cook
CEO da Apple foi o primeiro executivo-chefe da lista das 500 maiores empresas do mundo a assumir ser gay
CEO da Apple foi o primeiro executivo-chefe da lista das 500 maiores empresas do mundo a assumir ser gay
Mauro Segura
12 de novembro de 2014 - 12h19
No início de 2014, eu li, estarrecido, o estudo "Uncovering Talent. A new model of inclusion", da Deloitte University. Fruto de entrevistas com mais de três mil pessoas nos Estados Unidos, a pesquisa apresentou alguns resultados que me incomodaram.
Publicado em dezembro de 2013, o estudo apresentou números que mostram o Everest que a sociedade ainda tem que escalar.
Um dos números que carimbou minha memória é que 83% dos indivíduos LGB (Lésbicas, Gays e Bissexuais) não evidenciam sua orientação sexual no ambiente de trabalho – ou seja, não falam sobre isso com seus colegas, não têm fotos de seus parceiros/parceiras na mesa de trabalho e muito menos levam seus companheiros ou companheiras nas festas ou outros encontros no ambiente profissional.
Dentro da famosa lista da Fortune 500, apenas um pouco mais de 1% das empresas têm CEOs negros, somente 21 CEOs são mulheres, e não há um único CEO declarado abertamente gay. Bem, isso até outubro, mês passado, quando Tim Cook, CEO da Apple, publicou um artigo no site da revista Bloomberg Businessweek dizendo ser gay.
Cook é o primeiro e o único CEO declarado abertamente gay dentro da Fortune 500. A minha primeira reação foi não entender muito bem o disse-me-disse na imprensa sobre o artigo de Cook, afinal todo mundo já sabia que ele era gay. Ele mesmo diz no artigo que nunca escondeu isso: "Por anos, eu tenho sido aberto com muitas pessoas sobre minha orientação sexual. Muitos colegas na Apple sabem que eu sou gay, e isso não parece fazer diferença no modo como eles me tratam".
Apesar de Tim Cook dizer que isto não faz diferença, creio que ele está minimizando algo muito mais profundo. O estudo da Deloitte University é a evidência de que o ambiente do trabalho ainda é perverso com as nossas individualidades e opções. Muitas mulheres não falam no trabalho sobre suas atividades de mãe pois isso mostraria fragilidade e poderia atrapalhar suas carreiras. Pessoas mais velhas omitem ao máximo sua idade para não prejudicar uma promoção ou oportunidade. Cadeirantes chegam mais cedo nas reuniões para ocupar lugar e não incomodar os outros – evitando, assim, gerar atenção negativa sobre eles. A discriminação e preconceito existem por todos os lados, mesmo nas empresas ícones que pregam a diversidade e a igualdade em termos de raça, cor, sexo, gênero, idade, credo religioso, procedência, convicção política e tudo que você puder imaginar. A maior barreira somos nós mesmos, seres humanos, que carregamos paradigmas e preconceitos em nosso DNA.
Na tentativa de criar um ambiente mais justo e inclusivo, 91% das empresas da Fortune 500 proíbem discriminação em relação a orientação sexual. Mas, como já citado acima, a vida real não é aquela escrita no papel e pendurada nas paredes das empresas. Tim Cook sabe disso. Ele sabe dessa realidade nua e crua, mas não se considera um ativista. Por isso ele diz em seu artigo que, por ser CEO da Apple, uma das empresas mais admiradas e vigiadas do planeta, a sua declaração sobre ser gay vai jogar holofotes na discussão e ajudar para que a sociedade, de alguma forma, evolua em lidar com a diversidade. Ele sabe o peso que carrega nos ombros.
Tim Cook afirma que tem orgulho de ser gay e que considera ser gay um dos maiores dons que Deus lhe deu. Não entenda errado. Quando ele diz isso, ele não está celebrando a sua orientação sexual, mas sim elevando as lutas associadas a essa orientação que fizeram dele uma pessoa melhor. O CEO da Apple parece estar dizendo que as adversidades que os homossexuais enfrentam os fazem pessoas melhores: mais tolerantes, com mais compaixão, com mais capacidade de adaptação e perseverança. Ao assumir isso, Cook demonstra humildade e resignação.
Infelizmente, também existem histórias que mostram o lado vazio do copo. Um dos exemplos mais evidentes do mundo controverso em que vivemos foi o caso do CEO do Mozilla, Brendan Eich, que pediu demissão em 3 de abril, duas semanas depois de ter sido nomeado para o cargo de CEO. Sua posição contra a união gay foi o motivo principal do enorme movimento ocorrido nas redes sociais contra o seu nome para o cargo, gerando desgaste na imagem da empresa, insatisfação dos colegas de trabalho e conflito com as crenças e valores praticados pelo Mozilla. A reação dos funcionários foi emblemática. Cabe esclarecer que Mozilla é a empresa dona do navegador Firefox. Veja a história completa no meu post "Redes Sociais não perdoam: CEO do Mozilla pede demissão depois da polêmica sobre casamento gay".
Sonhamos com um mundo mais justo, onde cada um de nós, algum dia, poderá viver na plenitude, sem preconceitos e discriminação. Se você acha isso um sonho impossível, cabe lembrar que no século passado ainda vivíamos na sombra da escravidão, que negros e brancos não se misturavam e que as mulheres não votavam e não tinham direito ao trabalho. Parece distante? Nem tanto. Acabamos de comemorar 25 anos da queda do Muro de Berlim, quando a idiotice humana foi capaz de construir um muro de mais de 150 quilômetros de extensão separando famílias, amigos e sonhos. Mas os mesmos seres humanos também foram capazes de derrubar o muro quase que por acaso, numa euforia popular ocorrida numa noite em novembro de 89, sem derramar uma gota de sangue e em total clima de celebração e paz.
Estamos evoluindo, talvez não na velocidade que gostaríamos, mas estamos indo para frente. Um dia a sociedade vai olhar para trás e vai se surpreender ao ver que a declaração de uma pessoa dizendo ser gay ocupou as manchetes dos jornais em 2014.
Mauro Segura é líder de marketing e comunicação na IBM Brasil
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