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Três tendências para os jornalistas

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Ponto de vista

Três tendências para os jornalistas

É verdade que a profissão está passando por uma importante transformação; mas, por outro lado, estão surgindo, se não castelos, pelo menos outros bons edifícios para abrigar os jornalistas


19 de abril de 2014 - 10h59

Há três décadas, eu era um adolescente às voltas com aquela angustiante necessidade de decidir, do alto dos meus 16 anos, que faculdade fazer. Quando ouvia opiniões dos mais velhos sobre aquela que acabaria sendo a profissão escolhida, geralmente elas carregavam uma advertência: “Não tem tanto emprego assim para jornalista. E você trabalha muito e ganha pouco.”

Lembrei disso ouvindo outro dia um amigo falando sobre a ideia do filho de ser jornalista. “Eu queria evitar que ele sofresse”, me contou o pai. “Você vê o que está acontecendo nas empresas de mídia. Tem cada vez menos emprego para jornalista.”

Nem eu nem ninguém pode dizer com certeza o que vai acontecer com a profissão, mas em três décadas de observação acumulei algum conhecimento sobre os caminhos e as transformações desse ofício. Penso que, num tempo de profusão alucinante de dados e conhecimentos, poucas profissões têm futuro tão promissor quanto a de garimpar e, principalmente, lapidar informações. Sem falar que a maioria dos jornalistas que eu conheço, por mais que reclamem do salário ou da jornada de trabalho, amam o que fazem e as pessoas com quem convivem.

É verdade que a profissão está passando por uma importante transformação – e que, num primeiro momento, muitos castelos que representavam o porto-seguro do negócio da mídia estão enfraquecendo ou desmoronando. Mas ao lado deles estão surgindo, se não castelos, pelo menos outros bons edifícios para abrigar os jornalistas. Do meu ponto de observação, é possível identificar três tendências para os próximos anos. 

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Conteúdo patrocinado por marcas
Em bom português, a gente chama isso de “brand content”. São conteúdos criados com as técnicas do jornalismo (e não da publicidade), mas que ajudam as marcas a fortalecer seu posicionamento. Esse caminho não é novo. Lá pelos idos dos anos 80, a marca de pneus Goodyear lançou e manteve por diversos anos uma revista sobre os mais variados temas – uma espécie de Piauí patrocinada com conteúdo produzido por gente brilhante como Jaguar, Chico Caruso, Maria Adelaide Amaral, Otto Lara Resende, Ruy Castro e Bob Wolfenson. Depois disso, praticamente todas as companhias aéreas criaram revistas para seus passageiros e diversas outras empresas investiram em associar sua marca ao bom conteúdo.

Mais recentemente, com o advento das redes sociais, esse mercado de trabalho para jornalistas se expandiu de maneira fabulosa. Centenas, talvez milhares, de marcas mantêm fan pages de conteúdo editorial – e não me surpreenderia se me dissessem que hoje já existem mais jornalistas fazendo esse serviço do que nas grandes redações.

Como todo caminho que se escolhe, esse tem seus aspectos negativos. Claro que as marcas não investem em jornalismo porque são boazinhas, mas para reforçar seu posicionamento de marketing. A Red Bull, por exemplo, produz documentários fantásticos sobre esportes radicais para se associar às emoções e ao público dessas modalidades. Mas, no extremo, em qualquer lugar em que você vá trabalhar, inclusive nas grandes empresas de mídia, estará defendendo sempre os valores dos donos da empresa. Ou, como bem resumiu, nos anos 60, o magnata da mídia Assis Chateubriand ao descontente editor David Nasser: “Se você quer ter sua própria opinião, compre um jornal”. Enquanto não chega lá, meu conselho é escolher trabalhar para marcas com bons valores.  

Conteúdo patrocinado por mecenas
O termo “mecenato” surgiu há 2 mil anos quando um conselheiro chamado Caio Mecenas sugeriu ao imperador romano investir em poetas, artistas e criadores de conteúdo intelectual. O termo – e a prática – saíram de moda nas últimas décadas, quando as artes em geral – e o jornalismo em particular – passaram a ser financiados “pelo mercado”. Claro que foi muito bom se tornar independente de apenas um bom coração (ou interesse) para repartir seus ovos em várias cestas de anunciantes – e poder se indispor com alguns deles quando necessário sem comprometer o negócio. Mas, infelizmente, esse é o modelo que está em declínio, inclusive porque, como dito acima, as marcas agora querem elas próprias controlar a produção de conteúdo jornalístico. Certamente, vários veículos vão manter esse modelo vivo – mas talvez seu auge já tenha ficado para trás.

A volta dos mecenas para financiar o bom jornalismo é um fenômeno cada vez mais evidente no Brasil e no mundo. Lá fora, vimos recentemente o bilionário fundador da Amazon, Jeff Bezos, comprar o tradicional Washington Post aparentemente por nenhum outro motivo que o de manter e tentar reerguer um dos ícones da imprensa livre. No Brasil, o caso mais notável é o da revista Piauí, que até onde eu sei não dá dinheiro para seu dono, o bilionário herdeiro do Unibanco João Moreira Salles. Mas ele provavelmente encontrou uma das formas mais instigantes, inteligentes e divertidas de perder dinheiro – para a sorte de quem trabalha com ele. 

Conteúdo patrocinado pelos gigantes de tecnologia
Até aqui, Google, Facebook e outros gigantes da tecnologia tem se saído relativamente bem no papel de destruidores involuntários do jornalismo praticado pelas empresas tradicionais de mídia. Mas, provavelmente, terão de botar a mão no bolso para manter essa imagem nos próximos anos, conforme os grupos de comunicação forem minguando.

A questão evidentemente é controversa. Mas o fato é que, na Europa, está avançando rápido a proposta de lei que obriga o Google e os agregadores de notícias a pagar taxas às empresas que produziram o conteúdo originalmente. Uma lei nesse sentido já foi aprovada na Espanha e está sendo estudada por outros países do continente.

Querendo ou não, o Google e outros participantes desse mercado vão acabar se transformando eles próprios em grandes grupos de comunicação – seja produzindo conteúdo próprio, seja embalando e vendendo conteúdo dos outros, seja apenas investindo ou pagando imposto para quem cria. Para os jornalistas, essas empresas ainda se tornarão mais uma excelente opção de trabalho.

Foi mais ou menos essa linha de raciocínio que empreguei na conversa com meu amigo cujo filho pretende estudar jornalismo. Ele não mudou exatamente de ideia. Preferia que o filho cursasse engenharia ou direito, áreas sem dúvida muito promissoras. Mas, pai moderno que é, garantiu que vai respeitar a escolha do rapaz. Sábia decisão. 

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