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Nike, o Bud Winter das marcas

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Opinião

Nike, o Bud Winter das marcas

Os clientes da empresa são parecidos com os do técnico: praticam esportes e querem ser leões


25 de junho de 2020 - 20h00

(Crédito: Reprodução)

Você deve ser fã do jamaicano Usain Bolt, o homem mais rápido do mundo. Todo mundo é. Capaz de correr 100 metros em menos de 10 segundos, ele desbancou The Flash no nosso inconsciente coletivo. Nos últimos cinco anos, em pesquisas para o livro O Algoritmo da Vitória, escrito com José Salibi Neto, descobri que, para conhecer melhor Bolt, você precisa conhecer Glen Mills, seu técnico. E que, para conhecer Mills, você precisa conhecer Bud Winter, técnico de corridas da Califórnia e um craque no treino mental de seus velocistas.

Acompanhando os protestos antirracistas ao redor do mundo, pensei muito nesse branco americano que usava chapéu vitoriano nos anos 60. Não porque ele ensinou que relaxar lábio inferior e mãos nos faz acelerar (e me elucidou o mistério do sorriso de Bolt), mas porque mostrou que atletas sem liberdade não vão longe, pois não dá para ser um leão nas pistas se você se sente enjaulado em outras áreas da vida. Dois de seus pupilos chamavam-se Tommie Smith e John Carlos. Rings the bell? Smith foi o primeiro a correr 200 metros abaixo dos 20 segundos, recorde que levou mais de uma década para ser superado. Na mesma prova, na Olimpíada do 1968, no México, Carlos fez o terceiro lugar. No pódio, quando o hino dos EUA começou a tocar, os dois abaixaram a cabeça e ergueram os punhos, cada um com uma luva, fazendo a saudação dos Panteras Negras, movimento que lutava contra o racismo nos EUA. Na época, a condenação a eles foi geral, mas Winter os apoiou.

Lembrei-me de Bud Winter quando a Nike postou no Twitter, em 29 de maio, seu apoio ao movimento antirracista Black Lives Matter, num texto que dizia “For once, don’t do it, don’t pretend there’s not a problem”, por conta do assassinato de George Floyd nos Estados Unidos. A persona da Nike foi Bud Winter.

Não é a primeira vez que a Nike age assim. Em 2018, a marca veiculou um comercial com o quarterback Colin Kaepernick, que tinha se ajoelhado no hino americano em protesto contra os assassinatos de negros por policiais nos EUA. Consumidores boicotaram seus produtos, suas ações caíram, os especialistas em marketing e negócios a criticaram em coro. Criticaram tanto que, em 2019, quando um tênis Nike rasgou e causou lesão ao astro da NBA Zion Williamson, e a empresa perdeu mais de US$ 1 bilhão de valor de mercado, muitos disseram que ela devia cuidar menos de defender causas e mais da qualidade de seus tênis.

Agora, em especial após os atos de vandalismo ocorridos, detratores insinuam que a companhia não aprendeu nada. Mas, desta vez, as coisas estão diferentes. No dia 28 de maio, antes do posicionamento, a ação Nike tinha fechado em US$ 98,21 na Bolsa de Nova York e, até 10 de junho, só fez subir, chegando a US$ 102,12. Caiu no dia 11 para US$ 95,17, mas porque o site Motley Fool recomendou aos investidores trocar papéis Nike pelos da empresa de roupas de ioga Lululemon, favorecida pelas condições pandêmicas. “Será como comprar Nike em 1994”, sugeriu um analista. Mas, no dia 12, quando a Nike fez novo post em favor do Black Lives Matter, sua cotação voltou a subir, para US$ 96,43 e agora, em 25 de junho, fechou a US$ 101,40. (Já tinha se recuperado do tombo de março, quando chegou a valer US$ 62,80 por causa da Covid-19).

Floyd morreu no dia 25 de maio, a Nike se posicionou no dia 29 e, quase um mês depois, sua ação vale mais, apesar de a Lululemon ser mais indicada na clássica análise de custo e benefício e o de mercado de capitais ser frio, insensível e calculista. Então, a Nike ainda merece críticas? (A pergunta é da perspectiva de negócios, porque, moralmente, ser antirracista não é opcional, mesmo para quem não tem o lugar de fala). Minha resposta é não, e isso fica mais claro quando olhamos para o modo como Bud Winter conseguia o melhor desempenho de seus clientes, os atletas. Os clientes da Nike são parecidos com os de Winter; praticam esportes e querem ser leões. Apoiar aqueles que tomam iniciativas é apenas coerência de mensagem. Além disso, vale registrar que, nos últimos três anos, a Nike gastou quase US$ 11 bilhões em despesas de criação de demanda, por meio da iniciativa “Consumer Direct Offense”, que visa o aprofundamento da conexão com seus clientes.

Li que, no funeral de Bud Winter, em 1985, John Carlos e Tommie Smith estavam lá e choraram copiosamente. O técnico branco de chapéu vitoriano foi incluído no hall da fama dos esportistas afro-americanos.

**Crédito da imagem no topo: Alexas Fotos/Pixabay

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