Pyr Marcondes
9 de fevereiro de 2018 - 11h17
Defendi já, ardentemente, neste mesmo espaço, a ideia estratégica de que os publishers deveriam entender as redes sociais como aliadas e não como inimigas. Ainda defendo, em verdade.
Defendi aqui também, com a mesma ênfase, que ter uma relação com as redes sociais não deveria significar depender delas para a distribuição de conteúdo proprietário, nem para o bottom line do balanço.
Volto ao tema porque a decisão da Folha mais que justifica.
Muitos fatos novos vem invadindo a cena do mundo de publishing online no Brasil e internacionalmente. Vale uma reflexão sobre que tipo de relação – saudável, entenda-se – poderá nortear o entendimento, do ponto de vista de distribuição e negócios, entre quem produz conteúdo proprietário de qualidade e tem também personalidade editorial identificada por uma marca consolidada de mercado, e o maior fenômeno global de massa, depois do Google, que são os players responsáveis pelas redes sociais.
Em primeiro lugar, a decisão da Folha está, segundo o jornal difundiu publicamente, ligada ao fato do Facebook ter uma vez mais alterado seu algoritmo para privilegiar a troca de feeds entre usuários habituais, regular people, em detrimento dos conteúdos editoriais profissionais, jornalísticos, como o da Folha. Tem também a ver com o fato de que no ambiente nem sempre rigorosamente (e eticamente) arbitrado do Facebook, as chamadas fake news e ainda conteúdos nem sempre saudáveis para as marcas circulam livremente pelo ecossistema, contaminando e se misturando a um trabalho jornalístico de alta qualificação, como produz a Folha. E tantos outros grandes players da indústria de publishing.
A decisão é histórica por que, definitivamente, confronta, de forma aberta, o mundo do conteúdo corporativo de um grupo de mídia jornalisticamente de tradição, com o mundo do conteúdo aberto, digitalmente produzido e disseminado pela massa de internautas, bilhões de pessoas, na internet, e muito especialmente, nas redes sociais.
Alguém pode dizer que essa contraposição sempre existiu, o que de fato é verdadeiro, mas nenhum publisher antes da Folha resolveu deixar de atualizar seus conteúdos no Facebook, abandonando, no caso deles, algo perto de 6 milhões de pessoas, que acompanham diariamente os conteúdos do jornal na rede de Mark Zukerberg.
Mas de novo, esse não é o grande marco histórico. O grande marco histórico talvez nem esteja ainda claro para a própria Folha.
O grande marco histórico é que esse é o primeiro e público passo dos publishers rumo a uma independência de dados das redes sociais.
Por que a Folha e outros publishers estão no Facebook, afinal? Simples, pela mesma razão que os anunciantes estão na Rede Globo de Televisão: porque lá está uma audiência gigante e porque eles podem, de alguma forma, agregar esse público ao seu inventário de mídia, monetizando-o. No mínimo, porque quanto mais gente ler seu conteúdo, melhor.
É uma lógica de audiência e mídia. Mas ainda, repare, uma lógica que se fundamenta em usar o tráfego da um parceiro terceiro para anabolizar sua audiência e amplificar sua cobertura.
Só que, de agora em diante, a Folha e outros players do mercado mídia vão ter que pesquisar mais, investir mais e entender mais que no mundo digital contemporâneo o dado tem que ser seu. Não do Zukerberg. O Zukerberg não é sócio dos Frias (não que eu saiba, pelo menos).
A Folha tem que construir (se é que já não está construindo ou já não construiu… e se não construiu vai ter que construir) sua própria base de dados e atingir os mesmos 6 milhões de leitores/usuários (ou mais, nada mal, hein?) dentro de suas próprias propriedades e com seu próprio esforço de data-driven publisher.
Chupinhar a audiência do Facebook é cômodo e prático, e pode ser ainda uma estratégia interessante, desde que controlada. Mas nem a Folha, nem nenhum outro publisher qualquer, deveria depender das redes sociais, de qualquer uma, para seu negócio de distribuição de conteúdo e para a otimização de suas receitas.
O Facebook pode e deve mudar seu algoritmo sempre que quiser. Ele só tem que dar satisfação disso aos seus investidores e ao seu próprio público. É uma empresa de capital aberto em bolsa no mundo capitalista. Está livre e soberana para tomar esse tipo de decisão.
O que ela não pode – quer dizer, até pode, mas não deveria – é ignorar-se a si mesma como distribuidora de conteúdo e alegar que não tem, nem pode ter, controle sobre o que circula em seus domínios. Essa é a dura lição que o menino Zukerberg vai ter que aprender: todo gesto é político, toda empresa tem compromissos sociais. Ainda mais uma que diz uma “rede social”, certo?
Vai ter que dar um jeito nas fake news e nos conteúdos abusivos, algo que talvez tenha muito a aprender com os grandes, idôneos e históricos publishers, como a Folha.
Novos tempos a caminho. Dados, metrificação, segmentação, atentar para o perfil personalizado do leitor (consumidor), de cada leitor, quero dizer. Uma lógica que deixa de ser de mídia apenas e passar a beber da fonte do e-commerce, com jornada do usuário e o escambau. Capicce?
Um desafio enorme para os publishers. Mas, não tenha dúvida, altamente libertador e historicamente relevante para todos eles, e todos aqueles que produzem conteúdo de relevância. No Brasil e mundão afora.