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Seríamos mais felizes se o mundo não fosse digital?

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Seríamos mais felizes se o mundo não fosse digital?

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16 de dezembro de 2016 - 14h09

Acho que não, mas sei que tem muita gente que sim.

Então, vou jogar algumas ideias aqui e você devolve daí, do jeito que quiser… me manda email (pmarcondes@grupomm.com.br), posta no meu Face, por aí…

Seguinte, os homens modernos sempre viveram a síndrome do mito do bom selvagem. Essa história nasceu quando das grandes descobertas, em que as populações europeias pela primeira vez tinham contato com povos indígenas, ainda vivendo em seu estado natural. Foi um choque e pensadores como Erasmo de Rotterdam ou Rosseau partiram para reflexões utópicas sobre a verdadeira natureza humana, se boa ou ruim, em sua essência. Diante da beleza intacta de tribos vivendo em harmonia em meio a Natureza, ficava difícil acreditar que os homens modernos prestavam para alguma coisa.

Talvez fosse verdade então e talvez seja verdade agora, em que nos jogamos nessa discussão sem fim (e na minha opinião, meio sem sentido), sobre nossa atual condição de digitalizados, frente a um passado em que era tudo analógico, e aí sim que era bão. Um mundo sem computador, tudo feito só por contato pessoal, ao vivo, ou por cartinhas singelas, que chegavam pelo correio. Uma maravilha era então, certo?

Dependendo do interlocutor, bão mesmo era na época do bonde puxado a burro. Ou ainda, indo mais para trás, antes da Revolução Industrial, quem sabe.

Onde começa o seu ideal de idílio? E onde foi que perdemos nossa virgindade de homens bons, para nos transformarmos em homens sem tempo para nada, canalhas atropelados pelo mundo digital de hoje? Onde isso tudo começou? Qual a data para a sua gênese?

Dá para imaginar que não deveríamos ter saído do Paraiso e que tudo começou a degringolar quando Adão comeu a maçã. Quer dizer, comeu a Eva, certo?

É desse tanto sua saudade dos bons tempos, aqueles sim, que eram legais?

Vivi minha infância num bairro muito pobre chamado Macuco, perto do caís do porto de Santos. Conhecia todo mundo na rua, jogávamos bola, bola de gude e pião. Um paraíso aquilo.

Na verdade, eu conhecia mesmo era umas 10 a 15 pessoas do bairro. Não mais. E nem era lá aquela coisa de todo mundo se visitar fraternalmente todo dia, cumprimentando-se pelas ruas como bons selvagens, quer dizer, gente boa e amiga compartilhando as maravilhas da comunidade fisicamente tão próxima e tão amistosa.

Porra nenhuma!

Alguns dos meus amigos mais próximos eram traficantes e viviam fugindo da polícia. Minha vizinha era uma negona puta, que transava com o português na padaria e todo mundo sabia, até a mulher dele. Não havia nenhum clima de nirvana de bairro popular de vida simples e bela. Era todo mundo filho de operário e nossos pais ralavam o dito cujo nas ostras para sustentar como dava a família nas ruas daquele bairro ainda sem esgoto ou água encanada.

Não havia idílio algum e, como disse, conhecia umas dez pessoas e olhe lá.

Hoje se diz que o mundo digital nos afasta entre nós e que ele é que é o causador da diáspora moderna, todo mundo isolando-se atrás de perfis e selfies virtuais, sem falar mais com ninguém pessoalmente e ao vivo.

Picas.

Tenho hoje muito mais amigos com os quais me encontro ao vivo do que tinha no paraíso do Macuco. Idem meus filhos. Idem você, meu caro leitor.

O mito do bom selvagem é, como a própria definição esclarece, um mito.

Não caia nessa.

E depois, imagine só o seguinte… vamos – só como hipótese ilustrativa, um exemplo pego ao acaso – desligar os computadores, é isso? E toda a sociedade que você conhece vai funcionar como? Vamos deixar nossos doentes morreram nos hospitais, que funcionam hoje cem por cento em cima de computadores, e vamos todos voltar para a selva de Rosseau e do Tarzan? Ou para o meu bom e velho Macuco? Para onde você sugere?

Ah, você não prega nada tão radical assim. Entendo. Prega apenas mais relaxamento virtual e mais interação pessoal. É isso?

Bom, você tem ido a praia ultimamente. E num barzinho? Numa balada? E num show? Num teatro, tem ido? Cineminha, tem dado uma olhada? E num shopping, chegou a passar em algum ultimamente? Tá todo mundo isolado? Mesmo? Ninguém falando com ninguém? Mesmo?

Eu lia Tarzan na minha infância do Macuco. Em livro. Depois em gibis. Lia sozinho, trancado no meu quarto. No meu quarto eu me tranquei também boa parte da adolescência para ouvir Pink Floyd e ler Karl Marx. Não falava com ninguém, me isolava do mundo. O mundo que sonhava em transformar.

Aí então foi o computador que acabou com meus sonhos? Foi a vida virtual que me afastou de tudo e me tornou um ser vil, como hoje sou, vil porque digital. Foi isso?

Bom, comigo e com todo o universo que vejo a minha volta (e olha que eu viajo mundo afora pra cacete, hem?), não aconteceu nada disso. Vejo as redes sociais como otimizadoras dos contatos pessoais, não o contrário. Vejo os computadores como ferramentas de uma vida melhor, não o contrário.

Nossos filhos precisam de um puxão de orelha para não ficarem tão grudados na tela? Ou isolados em seus fones de ouvido? Talvez o mesmo que eu levava do meu pai quando botava Black Sabbath alto demais na vitrola.

Não há o bom selvagem. Não há uma sociedade idílica. As pessoas não são melhores ou piores do que sempre foram por causa do mundo digital.

A Lava Jato só tá rolando por culpa da internet. É essa a tese?

Me diga.

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