Pyr Marcondes
3 de abril de 2017 - 7h14
A briga entre a Simba Content e as operadoras de TV Paga é o primeiro e, até agora, triste capítulo da mais nova novela a ser protagonizada pela TV aberta brasileira: sua internacionalização.
Digo triste porque quem está perdendo feio por enquanto é parte da audiência, aquela que ficou sem o sinal dos canais do Simba, audiência sendo a única razão de ser de toda a indústria e a única que deveria ter sido preservada a todo custo, por todos os lados.
Tá certo que não se fazem omeletes sem quebrar ovos, mas ambos os lados resolveram quebrar seus ovos direto na cabeça do consumidor. Ambas as partes têm culpa nessa cozinha podre, independentemente do arrazoado de cada lado, por vezes pueril, que estão vindo a público defender.
Mas vamos lá.
De um lado, redes de capital integralmente nacional, SBT, Record e Rede TV. De outro, com exceção da Oi, players mundiais, a saber: NET + CLARO + EMBRATEL (todos pertencentes a America Movil, de Carlos Slim); Vivo (do Grupo espanhol Telefonica) e SKY (pertencente a terceira maior operadora norte-americana de TV paga dos EUA, a DirecTV, através de sua subsidiária, a DirecTV Latam). Portanto, grupos internacionais.
Mesmo a Oi, uma empresa brasileira, tem hoje entre seus principais acionistas vários investidores internacionais de alto calibre, independentemente da sua inadimplência, seu processo de recuperação judicial e da ameaça de intervenção direta do Governo Federal em sua operação.
Esse não é mais, de agora em diante, após a digitalização definitiva do sinal das TVs abertas (que de resto vai acontecer em todo o País, em muito pouco tempo), um jogo amistoso da seleção brasileira. É uma Copa do Mundo inaudita até hoje, da digitalização global na distribuição de conteúdos. Um campeonato que, tenho insistido aqui, envolve as telecoms, as empresas de comunicação, as de tecnologia como Google e Facebook, players anfíbios como Netflix e Hulu, entre várias outras indústrias.
E qual a importância disso? Bem, a importância é total.
As redes que compõem o Simba, que antes tinham apenas um acordo operacional de cortesia, que lhes assegurava, aqui no jardim de casa, que suas programações fossem transmitidas através do sistema de TV Paga provido pelas empresas de telecom mundiais, agora querem ser comparadas e tratadas como grandes players internacionais de TV por Assinatura. Querem entrar na selva global da TV digital.
São elas que estão pedindo, certo? Ok, então vamos lá.
Só para efeito de raciocínio, quanto valem o Programa do Gugu, o Programa Silvio Santos e o Mega-Senha, (cada qual um dos blockbusters de cada uma das redes) no mercado globalizado de TV Paga? Mais ou menos que um House of Cards? Comparação exagerada? Pois é exatamente essa comparação e essa conta que estão fazendo as operadoras nesse momento.
Pelas informações que tenho, os valores que estão sendo colocados na mesa, neste início da queda de braço, são inviáveis se comparados com a lógica internacional de pacotes e com o potencial do mercado brasileiro para as operadoras. Sem paixões, questão de conta que fecha (ou não fecha) ou de valor agregado que possam trazer para a mesa.
Para a Vivo, para sua proposta de valor e para sua estratégia junto ao seu público target, aparentemente, negociar esses valores está fazendo sentido. Para as demais, até agora, nem tanto.
Há a inegável moeda da audiência que as empresas que compõem o Simba geram no sistema das operadoras. Não só isso tem valor, como cada produto de cada uma das três redes tem também seu valor em si. E elas devem brigar ao máximo para cobrarem tudo o que puderem por eles. Agora é o momento. Eu, se estivesse lá, faria o mesmo. Bravamente. Estão no seu inalienável direito. Aliás, deveriam ter já tentado fazer isso lá atrás, quando toparam dar de graça aquilo que agora querem cobrar.
Em excelente reportagem sobre o tema, de autoria de Bárbara Sacchitiello, intitulada “Aperto e resiliência”, publicada no jornal Meio & Mensagem desta semana, Alberto Pecegueiro, diretor-geral da Globosat, coloca a questão fundamental em jogo: “O não linear é uma tendência inevitável e, a partir do momento em que o espectador descobre a facilidade de consumir algo no local e momento em que ele desejar, não há mais como tirar isso dele”.
A ideia de grade morre. Sobrevivem produtos isolados, que atendam on demand as preferências de cada consumidor. É a partir dessa preferência que se estabelece um pedaço da composição de preços do mercado de TV no mundo hoje. Cada produto passa a ter seu próprio valor. Então, nesse cenário, de novo, Silvio Santos ou Kevin Spacey?
Depende da estratégia, depende do público e do mercado que se deseja atingir, depende da percepção que se deseje passar, depende da fórmula de programação que se deseje construir local ou internacionalmente, depende do caixa da empresa compradora (e da vendedora, cada um sabe onde dói seu próprio calo), depende de interesses políticos, depende da legislação (que está sendo super-valorizada nas análises de lado a lado até agora, só que não se trata de uma questão jurídica, trata-se de uma acirrada briga de mercado), por aí vai. Muitas variáveis, repito, agora globais, em jogo.
É isso que se avalia e se discute no momento.
A Globo, a maior das redes do País, entrega seu conteúdo de graça e monetiza a TV Paga para o grupo através de seus canais da Globosat, de Pecegueiro, aliás, uma das mais rentáveis operações do conglomerado hoje. As redes do Simba não construíram suas “globosats”. A Bandeirantes até tentou, mas não emplacou.
Tentam agora monetizar na TV Paga e fechada um conteúdo pensado e produzido para a lógica aberta da TV de massa. Não digo que não funcione, mas vai precisar de um bom jeitinho.
Faço aqui agora algumas salvaguardas.
As empresas do Simba todas jogam já no tabuleiro do mercado internacional de TV. Vão a todas as feiras mundiais importantes do setor, tentam comercializar seus produtos, compram produtos de fora, importam equipamentos e tecnologia de padrão global, mantém contato com players internacionais. Tem em seus quadros executivos e profissionais altamente preparados para entender todo esse novo jogo.
A Record, nas asas da Igreja Universal, é hoje uma operação internacional de porte. O SBT é um parceiro certo para as produções do México. A Globo, bom, a Globo nem se fala.
De outro lado, estão todas elas colocando em prática projetos de integração da TV com o mundo digital nada bobinhos. Estão construindo alianças com players de tecnologia, estão cozinhando soluções on/off que deverão em breve gerar novas linhas de receita para elas, através da introdução no mercado brasileiro de tecnologias em expansão no mercado digital, da comunicação televisiva global. Ninguém está brincando por lá.
Além disso, estarem todas juntas e unidas negociando em bloco é um indicador de maturidade empresarial impressionante, num mercado em que cada qual só olha seu próprio umbigo.
A ideia de se posicionarem como um hub produtor de conteúdos num mundo em que conteúdo terá mais e mais valor, é de tirar o chapéu. Mais que oportuno, mega-sábio. Ainda mais se pensarem, criarem e produzirem conteúdos para a lógica que descrevi aí acima.
Pronto, salvaguardei.
Um grande amigo meu, a quem sempre consulto quando escrevo sobre o mundo telecom, tem um ditado matador sobre negociações, que é o seguinte: numa mesa de negócios, quem não tem nada a perder, já ganhou.
Em breve, saberemos quem.