ProXXIma e Vinicius Picollo
5 de julho de 2018 - 7h58
Por Vinicius Picollo (*)
Em 1967, a televisão estava nos princípios da globalização ainda em preto e branco. Maravilhado pelo impacto dessa invenção no mundo – ou como uma crítica, nunca saberemos -, Gabriel García Márquez escreveu em Cem Anos de Solidão: “A ciência eliminou as distâncias, logo o homem poderá ver o que acontece em qualquer lugar da Terra, sem sair de casa”.
Num fastforward de 51 anos depois, seguimos nos maravilhando com o encurtamento das distâncias promovido por esta “ciência” que, hoje, chamamos de tecnologia. Incluímos no nosso vocabulário coisas como virtual reality, augmented reality, extended reality, mixed reality e cá estamos ávidos para conhecer um monte de outras realities que ainda vão surgir.
Com tantas alternativas para promovê-las, ainda vivemos em um tempo onde a experiência na real reality é extremamente fragmentada. Prova disso está no relacionamento entre marca e consumidor.
Falamos de formas inovadoras na criação de experiências para marcas, mas ainda pecamos ao entregar o básico no dia a dia. O que existe hoje é um grande desperdício de energia – principalmente das grandes empresas – em correr para alcançar novas realidades e esquecer da realidade verdadeira, de colocar o cliente no centro e dar a ele os processos certos para maximizar a sua experiência.
“Todo processo só é bom se serve ao cliente”, já dizia uma frase da qual não me recordo a autoria. Se a empresa insiste em um processo que só serve aos interesses dela mesma, está investindo em um processo ruim. E o que temos hoje são empresas repletas de processos ruins que fragmentam a realidade.
Nos deparamos diariamente com organizações em um estado único de auto-referência – um organismo vivo que se rege pelas suas próprias regras e não pensa na realidade que está acontecendo lá fora , mesmo “inovando” fazendo um VR na última atualização do app.
O melhor exemplo desse comportamento está no universo de Telecom. Aquelas empresas que foram responsáveis por terem criado as estradas pela qual navegamos neste maravilhoso mundo da world wide web são exatamente aquelas que menos entendem seus clientes e suas experiências reais.
Tentativas de mudar sua própria realidade não faltam, como é o caso da Netflix e da Telefônica, que oferta todo seu catálogo nas plataformas da operadora como uma forma de estar atualizada ao espírito do tempo. Mas suas experiências ainda seguem o modelo channel centric, servindo a realidade dos seus canais e não de quem os usa. Não é a toa que o Reclame Aqui criou o “The Canceler” como uma vingança pelo uso de robôs nas máquinas de atendimento ao cliente.
Nessas andanças pelo mundo, tive a oportunidade de realizar um workshop para uma grande empresa cujo foco era olhar para jornada do cliente e pensar com as suas dores para melhorar a experiência. Discutindo sobre determinado processo, alguém levantou a questão “Mas o departamento X que cuida disso nunca vai nos deixar fazer isso do jeito que a gente precisa porque vai contra o resultado da área”.
Esse pensamento é extremamente nocivo para a experiência única e centrada no cliente. Como gremilins, ele reproduz ferozmente e aumenta a fragmentação da realidade real. Além disso, tem o foco única e exclusivamente na otimização do investimento, e não na satisfação e na fidelização.
Por isso nossa admiração é cada vez maior pela transformação digital e pelas startups que crescem e mostram como a vida pode ser diferente quando tem alguém pensando em você. Olhando para as suas dores, com um pensamento integrado de ponta a ponta. Elas têm problemas como toda empresa. A diferença? Se preocupam em integrar antes de otimizar.
A verdadeira realidade, ou true reality, é de uma experiência seamless, onde independente se o canal está presente fisicamente ou virtualmente, se é um robô ou ser humano, flui sem atritos durante a jornada do cliente.
A fórmula parece simples:
1• Make the consumer great again: Pense em pessoas primeiro, não em canais, entenda suas dores, o que lhe traz prazer, quais são os pontos de atrito da jornada. Redesenhe a experiência pela sua ótica, não das áreas que compõem a empresa.
2• Silo é para estocar grão, não processos: Integre os canais externos e internos do ecossistema antes e não no fim. Isso é ir além de derrubar paredes e colocar pufes coloridos. Reveja todo o sistema de antigo e enviesado de metas e métricas e pensem em objetivos e resultados chave. Comprometa toda a cadeia pelo NPS total e esqueça a métrica da tarefa como medida de sucesso.
3• Não seja o gringo na Sapucaí: Mantenha unicidade de mensagem e tom de voz. Não pense que o influenciador de cabelo rosa vai fazer os jovens gostarem de você se no atendimento impera o gerundismo (o contrário também é válido). Conheça os conceitos precursores da mensagem, da sua marca e adequação ao produto, e prepare todos os estágios para manter a transparência em cada etapa da experiência.
4• Dados são reações de pessoas: Se as experiências forem boas, os dados serão bons. Se elas forem ruins, os dados serão ruins. Crie uma estrutura de coleta, análise e feedback dos dados gerados durante a experiências e faça esse dado fluir na empresa – já passamos do tempo do “Jorge pegou meu relatório”.
5• Volte ao ponto um e comece novamente: Quando ver que a experiência não está avançando, questione-a novamente. Derrube e construa novamente sem medo de ser feliz.
Mas lembre-se que ela não funciona se o objetivo não for comum. Se o propósito de servir não estiver enraizado na cultura. Da porta para fora e para dentro. Da senhora da copa ao board.
Principalmente porque são os consumidores que determinam em qual canal querem interagir, não a empresa. E uma hora alguém vai perguntar para a senhora da copa como é a empresa X.
Por isso, se você é uma pessoa em alta posição de liderança ou até mesmo próprio CEO da empresa, não busque a solução para a experiência criando uma realidade alternativa. Elas são muito legais e são “A” tendência, mas elas não resolvem um processo ruim de atendimento ou cobrança.
Também não pense que derrubar as paredes de escritório, colocar pufs, escorregadores e uma geladeira cheia de cerveja no final da tarde são os elementos para que a integração entre departamentos aconteça e a experiência se torne verdadeira.
É uma mudança de mindset interno. De como organizar a empresa, de como olhar para processos, de como mensurar o resultado não pensando em uma meta numérica e sim na relevância para a experiência do cliente.
Só assim para aproveitar as maravilhas da ciência, encurtar as distâncias e seguir existindo na vida real do cliente. O resto são formigas.
(*) Vinicius Picollo, do time da aceleradora de Negócios Organica