Pyr Marcondes
13 de dezembro de 2017 - 7h46
Renato Ramalho (*)
“Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. A recomendação do escritor russo Leon Tolstoi serve bem ao ecossistema empreendedor brasileiro. O ranço colonial acumulado durante cinco séculos ainda coloca nosso mercado na eterna condição de país emergente.
Em outras palavras, criamos pouco valor agregado dentro de casa e vamos buscar lá fora a satisfação de nossos sonhos de consumo, o que traz a implacável consequência de ficarmos para trás em uma economia cada vez mais global e pautada pela chamada transformação digital.
Este status verde-amarelo tem muitas raízes, mas a mais profunda é a dificuldade que temos de olhar para nosso quintal e entender que o caminho promissor está em criar negócios de alto impacto identificando, antes de mais nada, oportunidades latentes em nosso próprio e enorme mercado. E elas são muitas, como irei relacionar mais adiante.
Com raras exceções, como no setor de tecnologias agropecuárias, a pesquisa científica continua sofrendo com a falta de incentivos e gera poucas patentes nacionais na comparação com outros países. Mais ainda, nosso setor de infraestrutura é atrasado e temos restrição de capital de longo prazo para construção de negócios disruptivos, o que, somado à crise, criou um cenário até aqui pouco favorável ao mercado de startups e de capital de risco.
Esta é a ladainha que temos escutado exaustivamente. Agora vamos à boa notícia. Ao que tudo indica, o País começa a vislumbrar a melhor “tempestade perfeita” para acelerar o crescimento econômico e atrair investimentos nos próximos anos.
Há poucos dias, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reviu suas previsões de crescimento do nosso PIB para 0,7% este ano e 1,5% para 2018, índices que são, respectivamente, 0,4% e 0,2% maiores que os divulgados em julho. A estimativa para 2017 é seguida pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que projeta um avanço ainda maior de 1,9% para o próximo ano.
Vencidos então os desafios macroeconômicos, um fator será determinante para ultrapassarmos a condição de emergente e ocuparmos posição de destaque entre os países desenvolvidos: a inovação agnóstica, germinada a partir do atendimento a uma necessidade que pode estar em qualquer setor e não necessariamente, como muitos entendem, na indústria de tecnologia pura e digital.
Melhor colocando: não é na tecnologia em si que está a inovação, mas em como sua aplicação melhora a produtividade, a eficácia nos processos e os resultados financeiros. Entre muitas que pesquisei, abro parêntese para trazer a definição de inovação do Business Dictionary: “O processo de traduzir uma ideia ou invenção em um produto ou serviço que cria valor ou pelo qual os clientes irão pagar. Para ser chamada de inovação, uma ideia precisa ser replicável economicamente e deve satisfazer uma necessidade específica”.
Parêntese fechado, somos um país que ainda precisa avançar na construção de uma cultura arraigada de inovação capaz de efetivamente gerar transformação e riqueza. A questão central, caso ainda não tenha ficado clara, é que o empreendedor brasileiro precisa urgentemente reconhecer quais são as vocações da economia brasileira para construir negócios disruptivos locais com potencial de crescer em nosso enorme quintal e depois avançar para novos mercados com as mesmas demandas.
Com toda franqueza, passou a hora de deixarmos de lado a tese de que para sermos inovadores temos que construir nosso Vale do Silício, como se o Brasil reunisse as mesmas condições da Califórnia para fomentar um ambiente empreendedor catalisado essencialmente pelas novas tecnologias.
Sim, claro, são as invenções que nascem em laboratórios de empresas como Amazon, Google, Apple, Tesla, Facebook, Baidu e outras gigantes da tecnologia que continuarão liderando as grandes transformações nas próximas décadas, como a Inteligência Artificial, a Internet das Coisas, a robótica, a nanotecnologia, a biotecnologia e outras que, combinadas, mudarão radicalmente nossos hábitos e nossas vidas.
Mas será que o Brasil precisa e deve seguir esta mesma cartilha? Não faz mais sentido pensarmos em negócios que efetivamente curem dores que temos aqui ao invés de copiar modelos que têm pouca aderência com nosso mercado?
Como investidor, tenho recebido muitos projetos à primeira vista fascinantes, mas que pecam ao não olhar para aldeia ao seu redor e focam em criar tecnologias mirabolantes, mas não soluções realmente inovadoras.
Todos querem ser o próximo Mark Zuckerberg, Jeff Bezos ou Elon Musk. Mas parecem se esquecer que as melhores oportunidades podem estar aqui, bem embaixo do nariz, e não exclusivamente na tecnologia de ponta, que encontra condições mais favoráveis em países desenvolvidos, com capital intelectual e financeiro disponíveis e investidores sem receio de arriscar alto na construção do futuro.
Convido o leitor a refletir sobre alguns setores com altas perspectivas de crescimento no Brasil nos próximos anos com a economia mais estabilizada, como varejo, infraestrutura, agronegócio, educação, saúde e finanças.
Varejo – Qual o potencial de desenvolvimento do varejo nos próximos anos no Brasil comparado ao mercado americano e outros mercados internacionais? Basta analisar quantas grandes cadeias varejistas presentes no País ainda sequer deram seus primeiros passos no varejo virtual, enquanto nos Estados Unidos o reflexo do crescimento e consolidação do comércio eletrônico pode ser visto na avalanche de fechamento de lojas físicas nos últimos anos. Nosso mercado varejista, por outro lado, ainda tem muito espaço para negócios omnichannel e até mesmo para modelos como os outlets, que no auge da nossa economia e com o real fortalecido, vale lembrar, atraíram milhares de brasileiros para fazer compras em Miami.
Infraestrutura – Desde a década de 80, a infraestrutura vive uma escassez séria de investimentos no País, representando atualmente menos de 2,5% do PIB, índice inferior a países com o mesmo nível de renda. Há muito por fazer em áreas como transportes, saneamento básico, geração de energia e outras necessidades básicas. Pensar em modelos que possam acelerar o desenvolvimento de soluções para sanar estas ineficiências certamente fará brilhar os olhos dos investidores. Nos próximos anos, a Internet das Coisas, com certeza, irá acelerar a transformação deste mercado com o surgimento de cidades inteligentes.
Agronegócio – Nossa vocação agrícola também oferece terrenos férteis para novos empreendimentos. Os recordes das safras dos últimos tempos, não custa recordar, foram a salvação da lavoura e evitaram um cenário econômico ainda mais catastrófico. O campo está passando por grandes transformações e a perspectiva para as próximas décadas é de consolidação do mercado de agritech, que já apresentou crescimento expressivo este ano, apesar da crise.
Educação – No setor de educação a tendência é que escolas e universidades ampliem seus recursos para cursos a distância, permitindo o acesso a estudantes que vivem em regiões remotas. O desenvolvimento de programas e aplicativos, a geração de conteúdo multimídia e de ferramentas que facilitem a jornada de aprendizado criarão oportunidades para o surgimento de negócios que continuarão dando espaço a novos modelos educacionais.
Saúde – A falência do setor público e o alto custo dos planos de saúde (somente 23% da população tem acesso, segundo estudo da McKinsey & Company) fazem do Brasil um mercado muito oportuno para estruturar serviços que consigam atender as classes menos favorecidas com preços acessíveis. Aqui, a inovação não está nos aplicativos de agendamento de consultas, mas no modelo de atendimento de baixo custo.
Finanças – O setor financeiro foi um dos mais impactados nos últimos anos no Brasil. 2017 foi o ano das fintechs, que encontraram no nosso mercado brasileiro condições especiais para se desenvolver, especialmente por conta da política de juros altos e da dificuldade, ou “falta de vontade”, dos bancos de conceder créditos a taxas menos escorchantes.
Entre 130 economias analisadas, o Brasil segue estacionado na 69a posição no Índice Global de Inovação elaborado pela Universidade de Cornell, atrás de países como Sérvia, Panamá, Colômbia, Uruguai e Georgia. A hora de subir no ranking é esta. Se soubermos aproveitar a nova onda de otimismo econômico e identificar onde estão as melhores oportunidades para empreender e investir, o Brasil poderá deixar para trás os anos de crise, depressão e atraso.
Não só para o mercado, mas também para o Governo, será um excelente negócio, como bem mostrou o estudo da Anjos do Brasil feito em parceria com a Grant Thornton, que concluiu que a cada R$ 1 investido em startups o retorno em 5 anos é de pelo menos R$ 5,84 injetados na economia.
E então? Vamos juntos cuidar da nossa Aldeia?
(*) Sócio da A5 Capital Partners, gestora de investimentos estruturados que aporta capital, desenvolve e faz gestão de negócios em setores diversos, mas que tenham a inovação e a tecnologia como sua “coluna vertebral”.