Como os robôs no agronegócio podem criar o Vale do Silício brasileiro?
Apesar de recordes nas safras de commodities e da balança comercial do agronegócio positiva, o Brasil ainda não explora todo seu enorme potencial econômico na produção e exportação de alimentos
“Vera Cruz parece ter uma grande extensão, além de uma quantidade abundante de água, o que nos leva a crer que é uma terra muito fértil, onde tudo que se planta, dá”. Desde a descoberta do Brasil que o escrivão Pero Vaz de Caminha já noticiava a vocação agrícola de um País com terras a perder de vista, um clima tropical e um solo abençoado para produção de diversas culturas.
Apesar de recordes nas safras de commodities e da balança comercial do agronegócio positiva, o Brasil ainda não explora todo seu enorme potencial econômico na produção e exportação de alimentos. E garantir posição de destaque entre os grandes produtores mundiais continuará sendo um desafio enorme nas próximas décadas, especialmente por conta de uma revolução tecnológica sem precedentes no campo que irá, cada vez mais, automatizar, digitalizar e conectar a plantação, desde a semeadura até a colheita, com a implantação de sistemas integrados baseados em satélites, sensores, coleta e análise de dados (big data), algoritmos, drones e, claro, robôs, fertilizando a Internet das Coisas como a madrinha da nova era do agronegócio.
Com uma representação de 23% no PIB brasileiro, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o setor vem sendo adubado por empreendedores do chamado Agtech. Em sua maioria, são empresários dispostos a levar inovação da cidade às zonas rurais para atrair investidores interessados em apoiar tecnologias destinadas ao aumento da produtividade, redução do desperdício e o incentivo a culturas mais orgânicas, que dispensam a aplicação descontrolada de pesticidas e são mais resistentes na medida em que acessam em tempo real informações essenciais para manter a saúde da plantação, como quando e onde irrigar e na identificação de pragas e doenças que precisam ser rapidamente combatidas.
O desafio de incrementar os resultados nas fazendas, vale ressaltar, é global.
Com a previsão do planeta alcançar 9 bilhões de pessoas em 2050 e um aumento da expectativa de vida média global para 71,4 anos (um crescimento de 5 anos entre 2000 e 2015), de acordo com a Organização Mundial da Saúde, estamos vivendo mais e ampliando a população mundial. Além disso, há o alerta em torno da previsão da ocorrência de profundas mudanças climáticas que irão gerar escassez de água e de terras férteis.
Neste cenário, a demanda global por alimentos corre o risco de não ser atendida se os empresários do campo não se modernizarem, substituindo técnicas rudimentares e associando tratores e máquinas com gadgets e plataformas tecnológicas que já estão ganhando terreno em países como Austrália, Estados Unidos e Japão, principalmente no ramo da robótica.
E o que os robôs podem fazer no campo?
Uma destas novidades já em teste em terrenos de grandes dimensões é o Prospero, que trabalha em equipe com outras centenas de robôs para, entre outras atividades, pesquisar e determinar onde cada semente deve ser plantada e quais frutos já estão no ponto certo para colheita.
Capaz de se movimentar em solos acidentados e dotado de diversas habilidades, estes robôs são programados para exercer funções em toda cadeia de produção (semear – regar – colher – armazenar – distribuir), como encontrar espaços disponíveis para o plantio, abrir um buraco na profundidade recomendada, jogar a semente e aplicar fertilizantes ou herbicidas. Terminado o processo, ele marca o local para sinalizar a outros bots que aquele já foi ocupado, evitando perda de tempo e de eficiência na busca de espaços disponíveis para novas sementes.
A integração de tecnologias já existentes e em desenvolvimento poderá resultar em androides para trabalhar, por exemplo, na colheita. O Alter, um robô japonês que funciona a partir de impulsos dados por uma rede neural, ou seja, sem qualquer interferência humana, como se tivesse vida própria, pode ser equipado com a biotecnologia da Aromyx, que desenvolveu ‘receptores olfativos’ capazes de “cheirar” e “saborear” diferentes aromas, seja uma plantação de videiras ou de pés de laranja. Em associação com o Alter, estes sensores poderão estar instalados nas pontas dos dedos do robô e capturar os odores que estão armazenados na nuvem em algoritmos desenvolvidos para cada cheiro.
Há outras inúmeras funções que os robôs estão assumindo nas plantações, seja na remoção e transposição de mudas para novas áreas, a eliminação de ervas daninhas e até mesmo incríveis abelhas-robôs, projetadas por engenheiros da Universidade de Harvard, o menor robô voador já inventado, que ajudam na polinização e na própria monitoria das abelhas para garantir a cadeia de produção de alimentos.
Na Austrália, já está em teste também o SwagBot, um robô autônomo que promete substituir os cowboys na condução dos rebanhos por áreas com grande extensão territorial.
Os drones, da mesma forma, estão cada vez mais presentes nas plantações com diversas finalidades e com muito mais eficácia, como análise do solo, plantação, irrigação, aplicação de pesticidas, monitoramento com imagens e identificação de doenças.
Outras startups estão estruturando negócios de IoT para melhorar a gestão e a produtividade, caso da AgTech Industries, que desenvolveu uma plataforma para coleta e análise de dados a partir de sensores instalados no campo. Os dados podem ser acessados no smartphone para tomar decisões e dar comandos a partir do próprio telefone, como por exemplo quando e onde irrigar a plantação. No Brasil, uma empresa que já segue um modelo de monitoramento inteligente do cultivo com big data e vem conquistando grande reconhecimento é a Agrosmart.
As oportunidades em Agtech apenas começam a frutificar.
Segundo a AgFunder, organização que tem como missão aproximar investidores de empresas agrícolas, 499 empresas de tecnologia agrícola atraíram US$ 4,6 bilhões em investimentos no ano passado, quase o dobro de 2014.
Recentemente, a Bayer e a Syngenta se uniram com importantes VCs para fundar na Carolina do Norte a AgTech Accelerator, que irá dar suporte a startups dedicadas a desenvolver tecnologias para agricultura.
O AgCareers.com, site de empregos do setor, registrou crescimento de 26% no número de vagas anunciadas no ano passado para ocupar diversas posições no agronegócio, de técnicos e administradores de fazendas a cargos nas áreas financeira e de desenvolvimento de negócios, mas a tendência é de uma redução de postos para trabalhar diretamente na produção.
Ainda é cedo para afirmar que o agronegócio irá semear o Vale do Silício brasileiro e colocar o País na rota da inovação para figurar entre as grandes potências mundiais na produção de alimentos e desenvolvimento de novas tecnologias de Agtech. Mas se não quisermos ficar para trás, é bom não esperar a próxima safra.
(*) Omarson Costa é formado em Marketing, tem MBA e especialização em Direito em Telecomunicações. Em sua carreira registra passagens em empresas de telecom, meios de pagamento e Internet.