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20 de setembro de 2017 - 7h32
Por Levi Carneiro (*)
Marcas em movimento
Num fluxo incessante, a internet e as redes sociais produzem transformações que têm alterado profundamente o ambiente de atuação das marcas: a profusão acelerada de informações, a descentralização das ações, o acesso e a transparência, a lógica da mão dupla e do diálogo, o engajamento e a relevância, os novos tons de argumentação, lógicas diferentes de divulgação e, junto com tudo isso e muito mais, a possibilidade de construção de novos propósitos e suportes para a comunicação e convivência coletivas.
Uma análise mais atenta e arguta permite notar que o branding (ou a gestão de marcas) está diante de grandes desafios e é chamado a se ressignificar – para usar uma expressão da hora -, de modo a estabelecer novos fundamentos e bases de sustentação para seguir operando agora num ecossistema mais interativo, volátil e acelerado. Reciclando as expressões de Umberto Eco, o branding não deve sofrer apenas retoques de fachada passando a se autodenominar digital branding, como querem os ”integrados”, nem deve desaparecer, como pregam os “apocalípticos”.
Ora, as marcas são manifestações dinâmicas de cultura, o que fica reforçado na abordagem da professora Majken Schultz, quando teoriza sobre a evolução do branding. São forças vivas que estão provocadas a realizar movimentos e mudanças que as mantenha não mais como “proprietárias” de símbolos, mensagens e códigos de comportamento, mas como plataformas e provedoras de sentido e conexão para novas e múltiplas experiências.
Indo exatamente nessa direção, é pertinente examinar a proximidade e a confluência do branding com a ideia contemporânea do compartilhamento, que passou a ser uma das mais poderosas referências do espaço horizontalizado do universo digital. Da sinergia entre esses dois campos, podem surgir contribuições importantes para levar adiante o debate sobre o futuro das marcas e sobre a própria prática de compartilhar.
Onda de Compartilhamento
Hoje em dia, é fácil constatar que se compartilha de tudo: dados, recursos, locais de trabalho, logística, as próprias redes, jobs, experiências, emoções, metas, resultados e muito mais. De acordo com o teórico Manuel Castells, o que explica essa onda é o fato de que o mundo vive numa “sociedade em rede”, em que os padrões e suportes tecnológicos permitem a articulação e a extensão da partilha para todos os tipos de espaços e estruturas sociais.
Muito além do ângulo instrumental, esse é um movimento que revela a intensidade e a amplitude do investimento das organizações e das pessoas em geral por novos valores e padrões de convivência e colaboração. Ou seja, compartilhar é uma atitude política e existencial de distribuição de papéis, responsabilidades e efeitos, que cria alternativas mais “marcantes” e significativas frente aos impasses e crises nos modelos concentradores e egoístas que regulam a economia e outros domínios da vida social.
Interessante notar é que essa onda de inspiração compartilhadora repercute inclusive no território do branding. Reparem: o núcleo de intencionalidade das marcas evoluiu do unilateral USP (Unique Selling Preposition), passou pelo engenhoso construto do posicionamento, de Al Ries e Trout, para chegar hoje no conceito mais abrangente, relacional e inclusivo de propósito (razão de ser), lapidado por Joey Reiman. Na extensão de suas superfícies de troca e interação, as marcas avançaram do suporte físico das embalagens dos produtos (marcas funcionais) para as imagens projetadas nos veículos de massa (marcas de imagem) até se ampliarem para plataformas virtuais e reais (experience brands), que oferecem uma arquitetura de suportes bem mais ampla para fruição.
Sendo assim, é possível identificar pontos de aproximação e contato entre o compartilhamento e as marcas. E isso permite imaginar e elaborar articulações que deem mais substância e impulso aos movimentos desses dois polos.
Novas configurações
Surge daí a proposta da definição de marcas compartilhadas, uma composição que tem a intenção de agregar valor e reforçar simultaneamente o branding e o compartilhamento. Basicamente, são configurações que, reunidas e alinhadas, tornam-se especiais e potencializadas, uma vez que todas elas propiciam mais natural e positivamente a troca de conhecimentos, a colaboração na execução de tarefas e a apropriação repartida de resultados entre os agentes envolvidos, seja pela inspiração e forma de sua constituição, pela motivação que as mobiliza ou por seus modos singulares de operar. São quatro tipos de configuração, a saber:
- Formatos jurídicos cooperativos – que incluem as próprias cooperativas, associações e outras organizações legalmente reconhecidas – como as ONGs;
- Modelos coletivos de propriedade industrial – que abrangem as indicações geográficas, as marcas coletivas e as marcas de certificação;
- Plataformas colaborativas em rede – onde estão as articulações como crowdfunding, crowdsourcing etc, e iniciativas como coworkings;
- Abordagens mais abrangentes do branding – envolvendo as práticas de place branding, local branding e cobranding.
Todas essas configurações têm em comum uma característica crucial para se agrupadas numa definição de marcas compartilhadas: são concebidas e efetivadas para defesa e a proteção de interesses coletivos e não de interesses individuais ou privados. Ou seja, já nascem aglutinando pessoas e parceiros, dependem desse esforço conjunto e vão gerar resultados sempre apropriáveis por grupos.
Nesse mundo das redes, esses parâmetros criam condições muito favoráveis para dar mais relevância ao branding e, ao mesmo tempo, mais consistência ao compartilhamento. Numa lógica circular, são formações de branding que ajudam a compartilhar melhor ou experiências de compartilhamento que preenchem de mais sentido e relevância o próprio branding.
Promessa e entrega
Para ficar mais claro o poder e a pertinência de se trabalhar com marcas compartilhadas como um novo operador estratégico de sentido e conexão, vale examinar alguns casos concretos.
No caso dos modelos coletivos de propriedade industrial, as indicações geográficas, por exemplo, são um tipo de reconhecimento da origem ou procedência de produtos e serviços – marca – em que a necessidade do compartilhamento está presente do princípio ao fim: na organização para a chancela, na abrangência de seu alcance e na extensão de seus efeitos. Assim, as indicações do Queijo Canastra em Minas ou dos vinhos de Vinhedos do Sul trazem benefícios para regiões inteiras. Aliás, esse é um tipo de marca compartilhada que pode crescer ainda mais no país, ajudando igualmente a desenvolver a identidade e o senso de pertencimento. O Brasil tem algo em torno de 50 indicações reconhecidas, enquanto a França tem mais de 700.
Outro exemplo de estrutura naturalmente proativa para o binômio compartilhamento/branding são as plataformas colaborativas digitais ou reais. Basta pensar em iniciativas como o crowdfunding (Kickstarter, IndieGoGo, Cartase), o crowdsourcing (Wikipedia e Waze, dentre outros), o crowdworking do Vale da Eletrônica, em Santa Rita do Sapucaí, ou o Gastromotiva (rede voluntária de gastronomia com propósito social), para constatar o alto potencial que essas estruturas têm para construir marcas relevantes e memoráveis pela cooperação e compromisso que estimulam.
No que tange a formatos jurídicos cooperativos, é possível citar, dentre outras, as experiências vitoriosas do Health Cooperative nos EUA ou da Unimed e do Sicoob no Brasil, que comprovam como esses formatos estão expandindo e ganhando força como marcas compartilhadas, reunindo esforços e distribuindo resultados.
Por último, no caso do branding mais ampliado, valem os exemplos recentes de países ou cidades como Singapura, Amsterdam ou a mineira Tiradentes para deixar claro que o place branding tem poder e capacidade de criar movimentos aglutinadores expressivos, que viram referências de interesse e envolvimentos coletivos.
Reinventando o futuro
Não é plausível pensar em inovação no marketing e na comunicação apenas como uma combinação de dados e algoritmos para mapear jornadas e distribuir mensagens (nem sempre desejadas) para as pessoas. Dentro de um panorama maior de mudanças, o debate sobre marcas compartilhadas visa contribuir para uma visão mais alargada sobre o futuro dos novos arranjos produtivos que vão surgindo e das próprias relações que daí decorrem. Como bem disse o especialista Ricardo Guimarães, as tecnologias trazem consigo novas dinâmicas sociais que devem alterar para melhor o ecossistema dos negócios e das marcas.
Portanto, discutir e incentivar a construção de um branding mais compartilhado – com a maior presença de cooperativas, de indicações geográficas, de redes colaborativas e de outras plataformas de participação coletiva – é uma forma de conferir mais sentido e significado às mudanças em curso, captando melhor as novas inquietações e desejos das pessoas e das comunidades que se formam e, por outro lado, evitando a afoiteza dos que querem apenas adaptar as inovações aos limites estreitos de suas próprias necessidades.
Levi Carneiro é consultor de marcas e sócio da Ideia Comunicação Empresarial, que faz parte do HUB de Comunicação /MG.