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O consumidor mudou? Como assim?

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O consumidor mudou? Como assim?

A publicidade tem de se adaptar às alterações constantes do comportamento do consumidor


4 de agosto de 2016 - 9h00

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

(*) Por Ernesto Guimarães Villella

Gerar demanda e equilibrar a oferta sempre foi um dos grandes desafios da indústria de consumo. Afinal de contas, são muitas as variáveis que interferem nesse processo. Para dominar o assunto e orquestrar o esforço no mercado, temos os profissionais de marketing e vendas.

Se durante décadas as lições de Philip Kotler foram suficientes, hoje enfrentamos um mercado cada vez mais inteligente, exigente e distante daquilo que conhecemos no passado. O consumidor evoluiu e a transformação é profunda. Como navegar num mercado onde o consumo consciente, o empoderamento do indivíduo e a transparência nas relações imperam como as mais novas regras do jogo? Para facilitar o entendimento do tamanho das mudanças que o mercado vem sofrendo, colocarei aqui a minha breve opinião sobre o significado desses 3 novos conceitos.

O consumo consciente

De uns tempos para cá, o consumo consciente deixou de ser um grito isolado de grupos minoritários e ONGs de meio-ambiente e evoluiu para um conceito amplamente adotado pela nossa sociedade. O motivo é obvio, simples e poderoso: a sobrevivência do nosso planeta. Pode até parecer “blá”, mas o fato é que as pessoas estão se conscientizando que a qualidade da vida e o futuro do planeta dependem da atitude e do comportamento de consumo do ser humano. O excesso definitivamente saiu de moda!

Esbanjar riqueza, investir no supérfluo e comprar por comprar são atitudes que não combinam mais com o contexto da sociedade que vivemos. Cada vez mais, o sinônimo de riqueza, sucesso e admiração estará associado a conceitos de simplicidade, solidariedade e do equilíbrio entre “o ter, o ser e o viver”. Pode parecer besteira, mas se refletirmos a fundo sobre o significado dessa mudança, o problema das empresas de consumo é bem mais sério do que muitos pensam! Pergunta. Das coisas que compramos e consumimos, o que é realmente importante? Chocolate? Refrigerante? Cigarro? Bolacha? 15 camisetas? Iogurte com bolinhas de chiclete? Gel Pós Barba?

Na minha opinião, a necessidade maluca, e muitas vezes falsa, que as pessoas desenvolveram pelo consumismo exacerbado de produtos e categorias é obra de marqueteiros e publicitários brilhantes, filhos de um capitalismo selvagem que já se aposentou. Para exemplificar a mudança de forma prática, o fenômeno da economia compartilhada é um dos melhores exemplos. Você sabia que as pessoas utilizam menos de 10% do tempo de vida útil de um automóvel. Pois é, compramos carros e gastamos fortunas para deixar ele estacionado durante mais de 90% do seu tempo.

O resultado disso é a falta de espaço nas grandes cidades, poluição, barulho, trânsito caótico, stress, enfim, coisas que atrapalham a vida e prejudicam muito o nosso planeta. Já parou pra pensar que a necessidade de transporte de todos os seres humanos do planeta poderia ser resolvida com no máximo 15% a 25% de toda a frota existente? Será que o Uber não é parte da solução desse problema? Se o conceito se fortalecer (e vai), o que acontecerá com o consumo de metais, petróleo, borracha, tecidos, plásticos e muitas outras indústrias cuja demanda está atrelada à dinâmica do mercado automobilístico?

Nesse contexto, quantas montadoras sobreviverão? Será que não é muito mais inteligente as pessoas compartilharem os meios de locomoção em troca de uma vida mais tranquila, menos estressante e melhor para o nosso planeta? Com uma frota de carros 75% menor, imagine o espaço que sobraria em nossas cidades para melhores praças, mais parques e outros locais planejados para tornar a vida mais alegre.

Esse é o fenômeno do consumo consciente e a força dele é grande o bastante para alterar profundamente o jogo da demanda por produtos e serviços de praticamente todos os setores da nossa economia. É bom ficar esperto!

O empoderamento do indivíduo

O segundo ponto de discussão é o empoderamento do indivíduo. Esse é mais tranquilo de explicar, até porque o fenômeno conhecido como “smartphone” está em nossas mãos e funciona como se fosse o controle remoto da nossa vida. Para conectar esse fenômeno com a dificuldade que os profissionais de marketing enfrentam em vender seus produtos e marcas no mundo atual, precisamos voltar no tempo e analisar o processo de democratização da informação que a internet nos proporcionou.

Antes da internet, falar com as massas era fácil! O segredo era ter muito dinheiro, coisa que nunca faltou para as grandes empresas. Com grana, bastava comprar mídia nos programas de maior audiência do rádio, televisão e jornal, contratar um rostinho bonito e dizer para o povo que sua marca era a melhor de todas. Bum!!! O estrago estava feito! Vendas, vendas, vendas! Com essa fórmula, na porrada, a mensagem publicitária era entregue de forma unidirecional para todo mundo, sem que as pessoas pudessem questionar a informação. Bom ou não, esse era um modelo em que a a opinião da sociedade era facilmente manipulada pelos grupos de mídia e pelos dólares dos grandes anunciantes.

Com a internet, isso começou a mudar. Para começar, a audiência das massas se fragmentou em milhões de sites e o conceito de informação unidirecional deixou de ser o único padrão. Nessa esteira, o modelo de produção de conteúdo, até então propriedade restrita dos grupos de mídia, simplesmente quebrou e foi parar na mão do consumidor. Uau, que mudança!!! A internet libertou as pessoas para consumir informação dentro do seu tempo e do seu jeito e, de quebra, ainda nos deu a condição de gerar conteúdo para quem quisesse ver e ouvir. Com a internet, as pessoas ganharam voz e um canal perfeito para disseminação das suas ideias, pensamentos e opiniões sobre as coisas. O consumidor ganhou poder!

Se não bastasse a mudança que a internet trouxe para nossas vidas, um empreendedor chamado Steve Jobs resolveu agir e tornar esse jogo ainda mais interessante. Criou-se o Iphone e com ele o processo de empoderamento das pessoas foi acelerado. Em linhas gerais, o que a internet nos proporcionava dentro de casa e no trabalho, com o smartphone em mãos, passou a acontecer 24 horas por dia, em todos os lugares. Hoje controlamos praticamente toda a informação que consumimos e ainda nos tornamos geradores de conteúdo em tempo real. O que é mais interessante para as pessoas, ver a foto do bebê da família que acabou de nascer, um vídeo da galera na mesa do bar ou assistir o filme de lançamento de uma marca de margarina dizendo que traz felicidade para as nossas manhãs?

Com o tempo escasso e limitado a 24 horas por dia, no modelo atual, a publicidade tradicional deixará de tomar minutos preciosos do dia das pessoas e dará espaço a conteúdos desejados e escolhidos por cada indivíduo. Para as grandes marcas, essa mudança altera profundamente o modelo do jogo. Como gerar a demanda necessária num contexto de mídia cada vez menos eficiente e com a publicidade interruptiva sendo vista quase como um evento de invasão de privacidade?

A briga pelo acesso e pela conquista do consumidor empoderado será uma guerra darwiniana cuja batalha acontecerá em arenas da inovação.

Transparência nas relações

O terceiro ponto de análise é a transparência nas relações. Para explicar esse fenômeno, vou recorrer ao relacionamento que os indivíduos tinham com as instituições que nos representavam e que eram os ícones imaginários de autoridade, credibilidade e de fonte de poder na mente das pessoas. Estamos falando da igreja, do governo e de outras instituições que ganharam peso na história recente do mundo capitalista, entre elas, os bancos e a grande mídia. Se analisarmos cada uma delas, é fácil entender o papel social que elas tinham e muito obvio perceber que esse papel não foi bem desempenhado.

Em resumo, os caras venderam para gente um produto e não entregaram! Sobre a igreja, todos sabem dos escândalos e do modelo vergonhoso de arrecadação de dinheiro que existe por aí. Em relação ao governo e instituições públicas, melhor não comentar. Já os bancos, até tempos atrás, instituições sérias e de confiança, simplesmente perderam seu posto e arruinaram sua imagem depois da lambança dos títulos podres do mercado americano. A grande mídia, que poderia ser o mocinho da história, infelizmente, mostrou-se incapaz de educar o país, de gerar conhecimento relevante e de desenvolver em nossa sociedade uma cultura baseada em princípios éticos e morais.

Aos poucos, nossos ícones de autoridade e de credibilidade perderam-se no meio do caminho e destruíram conceitos básicos de confiança que existiam em nossas relações. Alguém aí confia em alguma autoridade? Políticos? Mídia? Igreja? Bancos? Pode parecer besteira, mas a quebra desse modelo de autoridade é o motivo base de muitas transformações que estão acontecendo atualmente, seja no âmbito das relações pessoais ou institucionais. E para piorar, entendo que essa simples transformação será responsável por desencadear a quebra de diversos outros modelos que conhecemos, como por exemplo, o modelo hierárquico das empresas, o modelo de construção de marcas, o modelo de relacionamento entre as pessoas, empresas e por aí vai.

Voltando para o nosso mundo do marketing e empresas de consumo, eu pergunto. Como construir a imagem de uma marca sem os atributos de autoridade inserido no roteiro, na mensagem e na atitude? Por favor me corrijam se eu estiver errado, mas até onde eu sei, tudo o que uma marca sempre sonhou foi conquistar o posto máximo de autoridade da sua categoria na cabeça do consumidor, não é mesmo?

Como construir uma marca num contexto que menospreza e questiona aqueles que dizem ser o melhor, o maior e o mais poderoso? De agora em diante, entra em cena a transparência, a sinceridade, a autenticidade, a comunidade e o propósito nobre e verdadeiro de se fazer as coisas. A mudança é grande!

Para finalizar esse texto como eu aprendi na escola e concluir, volto ao tema da introdução. Como empresas de consumo conseguirão equilibrar oferta e a demanda num mundo com esse tipo de transformação? A primeira sugestão é que os executivos das empresas não culpem a crise econômica e política pelos problemas que estão acontecendo no mercado. Afinal de contas, a crise existe em igual condições para todos, ela é de curto-prazo e deve ser tratada como uma fase importante de ajuste, limpeza, aprendizado e inovação. A segunda sugestão é que reflitam, estudem e entendam a profundidade das mudanças que estamos tendo nas bases do comportamento do consumidor e da nossa sociedade. Feito isso, questione com força máxima o que de fato é importante para o seu consumidor. Entenda como ele se comporta, onde ele está e em qual contexto ele realmente está disposto a se relacionar com sua marca.

Em cima dessa análise, comece a repensar seu modelo de marketing com foco em melhorar a vida das pessoas e da sociedade de forma autêntica, relevante, sincera e transparente. Chega da mesmice! Se as fórmulas do passado não funcionam mais, seja um empreendedor dentro da empresa que você trabalha, arrisque mais, abrace o erro como forma de aprendizado, mude de fornecedor, troque sua agência, invista em coisas novas e aprenda a se divertir com a mudança que veio para ficar. O consumidor agradece!

Cheers!

* Ernesto Guimarães Villella é CEO na Enox

 

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