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20 de setembro de 2018 - 8h06
Por Leo Monte (*)
Talvez você esteja cansado de ouvir a palavra “disruptivo”, mas todo mundo tem na cabeça uma ideia do que uma empresa disruptiva causa. Quando falamos de música é difícil não pensar na Apple, não a gravadora dos Beatles, mas a dona do iTunes. Falamos de varejo e lembramos da Amazon. Discussões sobre cinema e televisão acabam chegando em Netflix. Mídia, publicidade e a própria internet em si nos lembram do Google. E quando falamos de automóveis, aparece uma novidade no fundo da nossa mente chamada Tesla.
Porém, quando o assunto é finanças, crédito, investimentos ou oferta de seguros, ainda não conseguimos apontar um nome que tenha vindo para quebrar tudo. Podemos pensar em serviços muito úteis, que complementam a oferta online dos bancos tradicionais, serviços como o PayPal e o brasileiro PagSeguro. Mas iniciativas como o NuBank e outras ainda não se firmaram por aqui.
Há alguns fatores para essa revolução nas nossas finanças parecer estar demorando um pouco mais que as revoluções no varejo, no entretenimento e demais setores. O primeiro fator é institucional. O mercado financeiro é altamente regulado, o que impõe barreiras de entrada consideráveis às Fintechs.
Outro fator, que impacta o primeiro, é cultural. Podemos alegar que o mercado brasileiro é ainda muito fechado. Mas mesmo em mercados mais abertos, como a Índia, que tem visto uma explosão de startups em todos os setores, a visão mais conservadora na regulação do mercado financeiro também parece estar segurando por lá a revolução digital das Fintechs.
Sob essa perspectiva, é possível que para uma Fintech vingar e se tornar um grande player, ela precise se adequar às regulações que restringem as instituições tradicionais, e com isso acaba se tornando menos interessante, mais parecida com os velhos bancos ou serviços financeiros.
Por sua vez, para as instituições financeiras tradicionais pode ser uma vantagem adquirir uma Fintech ou se unir a ela, em parcerias que tragam o melhor do que cada uma tem a oferecer.
Tradicionalmente, Fintechs oferecem tecnologia com foco em reduzir custos, aumentar a eficiência das operações e facilitar a vida do cliente. E apostam alto em Service Design, o que para o público final representa uma experiência incrível.
Basta comparar os novos bancos e cartões online que pedem apenas CPF e número de celular do cliente contra bancos tradicionais que exigem todo tipo de informação e garantia para abrir uma conta ou liberar uma linha de crédito.
Já os pontos fortes das instituições tradicionais são a carteira de clientes já estabelecida, um nome reconhecido e confiável, experiência com a legislação e as armadilhas do mercado financeiro e, não menos importante, a capacidade de levantar grandes recursos para investir em soluções tecnológicas.
Mas não é só o labirinto burocrático que torna o serviço das empresas tradicionais menos atraente para o público. Essas instituições contam com um pesado sistema legado, ou seja, rodam sistemas em tecnologias ultrapassadas, algumas próximas da obsolescência, mas que ou ainda são úteis ou que demandariam tempo e recursos consideráveis para serem atualizadas ou substituídas.
Antes de prosseguir, precisamos pensar em por que falamos de atraso. De onde vem a impressão de que o futuro está demorando a chegar ao setor financeiro? Estamos em 2018 e já em 2016 Jack Ma, co-fundador do gigante chinês Alibaba, já falava de outro conceito para fazer frente às Fintechs, a ideia de Techfin:
“Há duas grandes oportunidades para o futuro do setor financeiro. Uma é o banco online, onde todas as instituições financeiras vão para a internet e outra são as finanças pela internet, que é feita por agentes de fora do sistema financeiro tradicional.”
Para Jack Ma, empresas como a Tencent, a Baidu e própria Alibaba são Techfins. Ou seja, empresas que usam serviços financeiros dentro de suas soluções tecnológicas como mais um elemento de seus serviços, WeChat da Tencent é um ótimo exemplo, na China quase todos os estabelecimentos já aceitam WeChat como forma de pagamento e a Wallet Paytm permite você além de comprar produtos, integrar suas contas bancárias, pagar suas contas, recarregar celular e muito mais.
E nesse sentido as Techfins parecem atraentes para as instituições financeiras tradicionais ao mesmo tempo que representam certa competição, na medida em que também podem funcionar como grande fonte de distribuição de serviços destas instituições.
O mercado tem visto a confiança do público aumentar em relação ao uso dos serviços financeiros oferecidos pelas Techfins. Na medida em que setores como o varejo têm sofrido grandes disrupções, o setor financeiro se prepara para acompanhar as mudanças.
Para mais da metade dos usuários brasileiros de WhatsApp (53%) gostariam de usar o aplicativo para realizar pagamentos e transferências bancárias, segundo a nova pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box. O número representa aproximadamente 50 milhões de pessoas.
A ideia de um meio-ambiente digital com uma infraestrutura própria, livre de sistemas legados, as vantagens do mindset de inovação e a rapidez para se ajustar a situações novas e às demandas dos clientes são vantagens que determinarão os desdobramentos que veremos em breve.
As Fintechs conseguirão se firmar no mercado brasileiro? As Techfins irão substituir as instituições tradicionais? E perderão suas características mais interessantes? As instituições tradicionais contra-atacarão comprando startups ou se aliando às Fintechs em crescimento?
A extrema regulação do mercado financeiro busca trazer segurança para todos os envolvidos, mas também acaba engessando os modelos de negócios e barrando a inovação. Mas até onde sabemos, este é um caminho sem volta.
Enquanto no Brasil existem muitas Fintechs, os bancos tradicionais estão tentando a digitalização de alguns de seus serviços com alto investimento e muita lentidão e frustração. Por outro lado, as Techfins por aqui ainda são raras e não temos um grande canal de uso e distribuição multi-serviços. Será que o WeChat já percebeu o potencial que o Brasil tem? Ou veremos surgir uma grande iniciativa brasileira para atender a demanda do nosso mercado?
Até a próxima!
(*) Leo Monte, co-fundador da GR1D, autor da metodologia de inovação ShakeUP, especialista em Modelos de Negócio de Plataforma, Transformação Digital e Inovação.