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Vigilância: ?Yes, We Scan?. Por Gilson Schwartz

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Vigilância: ?Yes, We Scan?. Por Gilson Schwartz

Compartilho dados, aceito anúncios no meu email, entro no Skype com o login do Facebook e libero o acesso aos meus dados para ter acesso aos dados dos outros


10 de junho de 2013 - 9h11

Na avalanche de informações sobre o monitoramento da internet pelo governo dos EUA encontrei uma adaptação do mote (e da imagem) de campanha do Presidente Barack Obama. Achei divertido, postei na minha página do Facebook. Imediatamente, dezenas de pessoas (meus amigos!) passaram a compartilhar, clicar “curtir”, virei viral.

“Yes, We Scan” reverbera o “Yes, We Can” tanto na sonoridade do trocadilho quanto no sentido último de toda essa experiência. Sim, nós podemos, nós temos a força, nós temos a inteligência, nós temos o controle das redes. Mas permanece na penumbra o significado real desse “nós”. É o governo? São as agências de inteligência? São as empresas privadas ligadas ao complexo industrial-militar? A sociedade de consumo virou uma gigantesca Guantánamo?

A vigilância é monitoramento, supervisão, métrica ou censura? A vigilância é líquida. Esse é o título da obra mais recente do sociólogo Zygmut Bauman (em co-autoria com David Lyon). Na modernidade líquida, a “surveillance” é geral e irrestrita.

Sei de pelo menos um caso de esposa que se sentiu ignorada porque seu novo corte de cabelo não foi notado pelo marido – na nova foto que ela acabara de “postar” no Facebook. Sei de pais que sabem dos filhos apenas porque obtiveram o privilégio de ser listados entre os “amigos” ou “seguidores” da rede social. Afinal, quem está monitorando quem?

Essa é a grande novidade – ninguém. Ou seja, todo mundo pode monitorar, vigiar e punir. Eu quero voluntária e avidamente acumular pontos, demonstrar minha fidelidade, obter descontos e ser incluído em promoções, portanto compartilho dados, aceito anúncios no meu email, entro no Skype com o login do Facebook e libero o acesso aos meus dados para ter acesso aos dados dos outros. Obama praticamente citou Bauman: se queremos ser livres, somos obrigados a abrir mão da segurança. Se queremos segurança, abrimos mão da liberdade.

Esse dilema é resultado da internet? Não. No século 16, a filosofia política moderna dava seus primeiros passos com o francês Etienne de La Boétie (supostamente um pseudônimo de Montaigne), que escreveu uma obra ainda atual: Discurso da Servidão Voluntária. Somos vítimas de ditadores menos pela astúcia dos tiranos e mais porque decidimos voluntariamente abrir mão da liberdade, em favor da concentração do poder, do monopólio da violência pelo ditador. Não é muito diferente da decisão em favor de uma aglomeração cooperativa para fazer uma compra coletiva. Estamos mais interessados nos descontos e na visibilidade que as redes sociais nos oferecem do que no déficit de liberdade, autonomia e subjetividade que a imersão nas redes produz.

A mesma lógica que determina a profusão acelerada de “drones” para monitorar territórios e eliminar seletiva e anonimamente os suspeitos de terrorismo ou bandidagem está presente no filme “Minority Report” e também nas minhas decisões cotidianas e afetivas sobre quem será admitido no meu círculo de amigos no Facebook, no Google+ e em outras redes sociais.

O raciocínio de Bauman e Lyon: não existe uma única e centralizada instância de controle informático e biométrico, nossa adesão é voluntária e a rede não tem inimigos. Ou melhor, se todos podem ser amigos, qualquer um pode tornar-se inimigo público de si mesmo. O resto é paranóia e mistificação.


Initial thoughts on the NSA-Verizon surveillance order (by me)

The DNI’s Non-Denial of Mass Surveillance of Americans (Jennifer Granick)

EFF: Why Metadata Matters

What We Don’t Know About Spying on Citizens: Scarier Than What We Know (Schneier)

Gilson Schwartz é economista, sociólogo e jornalista, líder dos grupos de pesquisa “Cidade do Conhecimento” e “Iconomia” na Universidade de São Paulo. É colaborador do site e da revista ProXXIma.
E-mail: schwartz@usp.br

 

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