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A internet dos aplicativos
Quando não há mais diferença entre o público e o privado
Quando não há mais diferença entre o público e o privado
19 de janeiro de 2016 - 6h39
Por Pyr Marcondes
É um papo meio técnico e eu não sou técnico. Mas é simples e muito importante entender que já há algum tempo testemunhamos uma briga entre dois mundos altamente relevantes em nossas vidas, que é o mundo público da internet e o ambiente privado dos aplicativos pessoais, aqueles que baixamos em nossos aparelhos móveis. Um se contrapondo ao outro, como universos paralelos e até de certa forma excludentes entre si.
Teóricos de peso defendem que os mobile native apps, aplicações criadas exclusivamente para os aparelhos móveis e inexistentes para o ambiente dos desktops, aquelas que baixamos de lojas tipo App Store (para aparelhos da Apple) e Google Play (para aparelhos com tecnologia Android) seriam o começo do fim da internet aberta e democrática como a conhecemos, aquela originalmente concebida para abranger o mundo e que foi responsável por nos trazer até onde estamos hoje. Você sabe do que estou falando, um mundo sem fronteiras e onde o conhecimento universal está ao alcance da ponta dos nossos dedos. Pois que essa web estaria então ameaçada pelo crescente hábito privativo e segmentado dos aplicativos nativos para o mundo mobile, que segregam o resto para endereçar apenas usos específicos do ambiente interativo. Aplicativos desse tipo são concebidos com foco em necessidades pontuais, para o atendimento de necessidades individualizadas e extremamente pessoais, subjetivas, quase egoístas. Pronto: fim da internet e da democracia digital universal.
Já quem defende a disseminação e escalada desses aplicativos entende que o que importa é atender ao que cada um de nós deseja e precisa, que é para isso que o mundo interativo serve no final do dia, e que a internet original acabou por se transformar em um cipoal sem fim, extremamente inseguro e invasivo, caótico por natureza e altamente improdutivo, exatamente porque se tornou abrangente em demasia, terra do desperdício e do lixo digital. De certa forma, tudo verdade.
Como já disse, não sou técnico e revelo aqui que tampouco sou mineiro, mas vou ficar com uma ainda pouco discutida, mas claramente decisiva coluna do meio. É na união desses dois mundos que repousa o futuro da nossa vida digital e interativa. É no que acredito hoje.
Veja por que.
A primeira razão é que se há, de fato, essas duas linhas aparentemente antagônicas, na real elas sempre se complementaram, basta a constatação na vida prática de cada um de nós. Nem deixamos de navegar abertamente na internet, nem deixamos de baixar aplicativos como se estivéssemos entrincheirados numa guerra tecnológica planetária tipo Star Wars, foguetinhos prá lá, foguetinhos prá cá. Bobagem. Ideologias são ótimas, quando não atrapalham. Como usuários digitais, não estamos nem aí para essa briga, vivemos nos dois mundos numa boa e será assim que continuaremos vivendo.
Mas alguém pode achar que essa é uma visão simplista e reducionista diante de uma questão complexa e quem achar isso muito possivelmente estará com razão. E por isso, vai aqui um segundo motivo que fundamenta minha crença na convivência entre esses dois ecossistemas: ambos convergem tecnologicamente mais e mais.
Constate quantos aplicativos você usa hoje em seu celular que, de uma forma ou de outra, permitem que você, sem sair deles, dê uma passeada na internet e volte a eles quando desejar.
Por exemplo, publishers de todo o mundo experimentam soluções integradas de aplicativos que permitem a sua audiência consumir não só apenas seu conteúdo editorial enclausurado em apps proprietárias, mas também que consigam consultar links paralelos, que não foram baixados no download inicial, porque simplesmente continuam na web e lá podem ser acessados sem problema.
Em recente (e excelente) matéria do USA Today, a repórter Natalie DiBlasio mostra mais um capítulo dessa união de mundos. Nela somos informados que os aplicativos de mensagens instantâneas (estamos falando de aplicativos de SMS ou do Facebook Mesenger e, embora ela não cite, também do Whatsapp e até do Snapchat) estão sendo “invadidos” por recursos que permitem, sem você deixar de seguir as conversas online com seus amigos e familiares em tempo real, que você faça uma consulta bancária no seu internet banking, chame um Uber ou até mesmo faça uma compra no e-commerce de sua preferência.
Os norte-americanos são ótimos para dar nomes a esse tipo de novidade e o nome dessa é “conversational commerce”, em que o varejo online (que funciona na internet aberta) se mistura como o chat privado entre as pessoas (que ocorre dentro de um aplicativo móvel nativo).
Pronto, mais uma ponte.
Na mesma reportagem, no entanto, vemos um alerta de uma especialista de renome e respeito, Chris Messina, que foi importante desenvolvedora de inovações quando atuou na área de social do Google, sendo considerada a criadora do conceito de Hashtag, hoje símbolo do Twittter.
Chris defende que o “conversational commerce”, ou melhor, a possibilidade de interagirmos de forma focada a partir de um aplicativo de uma social network, buscando necessidades específicas a partir deles na web aberta, seria o fim do Google como o conhecemos. Para ela, a busca genérica na web pelo Google teria se tornado improdutiva e que a busca focada a partir de apps seria o futuro.
Difícil contestar uma moça com esse curriculum, mas muito possivelmente o Google seguirá servindo muito bem para o que sempre serviu, ainda que tenha que eventualmente rever determinados algoritmos, e que adotaremos em paralelo o tal do “conversational commerce” e outros assemelhados que vão seguir aparecendo para situações e necessidades específicas.
Importante aqui é que não há mais barreiras tecnológica que separem a internet pública dos aplicativos privados e que estamos hoje e cada vez mais diante de uma internet que poderíamos chamar de uma internet de aplicativos, em que os dois mundos se conversam.
E o que isso tem a ver com nosso mundo do marketing e da comunicação? Tudo. Essas pontes tecnológicas que integram web e apps não só acabarão com as teses apocalípticas do fim da web aberta, como permitirão uma conversação ininterrupta entre campanhas e soluções que antes precisavam ser concebidas para usos finitos e que agora podem sonhar com sua perpetuidade e atualização permanentes.
Desenvolver apps pode ser para o marketing mais eficiente em alguns casos, mas é mais caro, mais demorado e mais complexo do que desenvolver soluções web. Além disso, na web você consegue atualizar com maior rapidez e facilidade as novidades que surjam, enquanto num app isso é demasiadamente oneroso.
A melhor solução é as duas arquiteturas caminharem juntas e cada vez mais integradas daqui para a frente e que os usuários tenham cada vez mais recursos para sair de um universo e entrar no outro, sem terem a menor ideia de que estão cruzando pontes.
É um salto qualitativo enorme para nós, profissionais de comunicação e marketing, que isso venha de fato a acontecer. E se consolidar como a grande tendência.
Um mundo em que o público respeita o privado. E vice-versa.
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