2 de dezembro de 2013 - 9h00
POR PYR MARCONDES
pmarcondes@grupomm.com.br
“A internet não sabe ganhar dinheiro.”
A frase é de Rafael Davini, diretor geral do Terra e presidente reeleito do IAB Brasil. Se ele estiver certo, convenhamos, o setor tem um grave problema. Aliás, estando ele certo ou não, cabe apontar, neste final de 2013, dezoito anos após as primeiras operações oficiais da internet no País, a frase de Davini esconde não um, mas vários problemas atuais da indústria digital no Brasil.
Como estamos fechando o ano, vale uma reflexão.
O Rafa mandou essa na semana passada, durante debate no evento oficial de encerramento das atividades do ano do IAB. Compunham o painel de debates, além dele, Fabio Coelho, presidente do Google Brasil; Leonardo Tristão, diretor geral do Facebook Brasil; e Eduardo Becker, diretor da Central Globo de Comercialização de Mídias Digitais. Tudo excelentemente mediado por André Zimmermann, diretor da entidade. Mas você, provavelmente, já leu sobre tudo isso na mídia.
O evento foi ótimo. Mostrou várias coisas. O IAB está fazendo um trabalho fenomenal (mérito do próprio Davini e do espírito empreendedor e realizador do seu vice-presidente executivo, Marcelo Lobianco, e equipe). Mas foi melhor ainda pelo que não mostrou.
Um tortuoso caminho rumo às conclusões certas
O caminho das preocupações de Davini é este: em sua implantação, a internet no Brasil cometeu o erro capital de se imaginar a futura vitoriosa de uma hipotética batalha entre as mídias. Sapato alto, mostrou-se então vantajosa, porque mais barata. E mais assertiva, porque mensurável.
Os anunciantes, ainda na ótica de Davini, compraram a primeira parte e os preços despencaram. E até hoje não entendem nada, ou quase nada, da segunda, porque as métricas são muitas, são complexas e eles não sabem direito o que fazer com elas.
Davini vem de uma indústria que, a seu ver, sempre teve competência em se vender, a da TV Paga. Comparativamente, ele ainda se choca com as negociações ruins do setor em que atua hoje.
A coisa toda se agrava ainda mais quando colocamos nessa análise a hoje já bastante debatida e polêmica visão do setor, segundo a qual mereceria mais do bolo da propaganda, diante da massa de audiência que atinge e entrega, e diante das vantagens de targeting e interação que oferece, enquanto as outras mídias não. Imagina o setor.
Some tudo isso e a frase, de fato, ganha enorme sentido : “A internet não sabe ganhar dinheiro”.
Mas peraí: qual internet?
Cabe aqui fazer um cercadinho: internet é um termo genérico que nosso mercado costuma, de forma incorreta, delimitar como o pedaço do mundo digital que é mídia. E internet não é isso. Internet é eletricidade. É por onde trafega a energia, que acende a lâmpada e gera luz.
Então, começando a lista, um setor que fala “pobrema”, tem dois problemas: um negócio que sequer sabe tecnicamente se definir, não ganhar dinheiro é só decorrência.
Mas vamos em frente.
Nesse cercadinho, ficaria dentro, então, toda e qualquer oportunidade comercial de comunicação publicitária digital. A tal “internet”.
Mas qual internet, cara pálida? O Google, o Facebook e o You Tube, seguindo esse conceito, seriam também internet, correto? Estão no cercadinho. E estão ganhando um monte de dinheiro, confere ? Afinal, de qual internet estamos falando? Haveria uma internet dentro da internet ?
Então, outro problema: a falta de identidade. Sua complexa multiplicidade. Constituições diversas sob um mesmo cobertor. Que, de repente, ficou curto. Tem uma internet comendo a outra internet.
Google, Facebook e You Tube são empresas de tecnologia que criaram modelos de negócios diferenciados e altamente eficazes de monetização, em que a mídia é parte relevante. Mas elas continuam sendo, essencialmente, empresas de tecnologia, não grupos de mídia.
Há algum crime aí? Se ganhar dinheiro não for crime, não.
Publishers atacam esse modelo porque ele, em parte, lança mão, for free, dos custosos conteúdos por eles produzidos. Procede. Mas a saída para isso é fácil: fecha tudo. Impede jurídica e tecnologicamente essa distribuição. Pronto. Resolvido. Bico.
Mas então porque os publishers não fazem isso tipo zaz-tráz, rapidinho? Porque empresas de mídia vivem da rentabilização de sua audiência e essas novas empresas de tecnologia, com sua diferenciação vital, que é a grande sacada de agregar experiências e interação digital num mundo sedento por essa mercadoria, geram audiências gigantescas, que de alguma forma, retroalimentam os publishers. E aí, bom, aí eles reclamam, mas não fecham nada.
Assim, outro problema: a angústia de suas contradições. E limitações. E fragilidades.
É um nó.
Trabalhar mais? É, trabalhar mais
O que a imaturidade da indústria digital no Brasil ainda não realizou é que essa contradição é a própria essência dos novos negócios da economia digital, que isso não vai mudar e que, na verdade, não é contradição coisa nenhuma, é simbiose. Não é um problema, é uma enorme, produtiva, rentável, rica, janela de oportunidade. Não é limão, é uma puta limonada!
Negociar, em vez de chorar. Ninguém vai ganhar share por decreto. Nem com o melhor trabalho do IAB. Que, aliás, não por acaso, abriga sob sua custódia associativa em todo o mundo empresas de tecnologia, publishers, fornecedores e agências. Essa é a indústria, uma cúmplice cadeia de negócios em que sem seus elos, se fragiliza e se quebra. Em detrimento de todo o ecossistema.
O que, sim, o IAB Brasil pode (e certamente irá) fazer é trilhar caminho assemelhado ao da bem sucedida trajetória do IAB britânico, exposta no evento por seu Presidente Guy Phillipson. Lá, eles choraram menos e trabalharam mais.
Os anunciantes não entendem as métricas? Aaaaaaa, pois vão entender !!!! Não dão o devido valor ao negócio? Aaaaaaa, pois vão dar !!!
Funcionou. Não dá para simplesmente copiarmos tudo, porque Inglaterra não é Brasil e aqui não tem BBC. Mas dá para tentar replicar o case, com as devidas tropicalizações.
E já que falei em BBC, vamos aproveitar a deixa e falar de TV.
Jogo de gente grande
A parte choramingas do mercado olha para o setor de TV com um misto de raiva e inveja, particularmente para a Rede Globo, maior conglomerado de mídia do País e detentor do maior share do bolo publicitário brasileiro há décadas.
Outro problema: acusar a competência alheia pelas suas próprias mazelas.
A TV não é inimiga, é aliada. O Twitter já descobriu isso. Simbiose.
E, de novo, se ganhar dinheiro não é crime (pelo menos, por enquanto), condenar a Globo exatamente pelo que, então ? Por sua competência e eficiência? Por ser, durante todos esses anos, um bom e rentável investimento para os anunciantes. E uma parceira comercial de peso para as agências? Por defender um modelo de remuneração que sustentou e ainda sustenta o negócio da comunicação?
Quem não viveu e não sabe nada da história da indústria da propaganda no Brasil acredita que a “internet” é filha de chocadeira e que eclodiu no País desmembrada do resto do negócio publicitário brasileiro. Pois sem o negócio publicitário brasileiro, a internet teria tido no País dificuldades muito maiores de viabilização. E, talvez, sem a Globo, a indústria da propaganda no Brasil seria outra.
Portanto, se não fosse a Globo, e todo o escopo histórico e de negócios construído no nosso mercado, a internet seria muuuuito mais frágil do que é hoje, capicce, bello!
A indústria digital brasileira, como coloca muito bem, sempre que pode, Marcelo Trípoli, da SapientNitro (fez isso uma vez mais e brilhantemente no último ProXXIma Pocket deste ano) está vivendo o rito de passagem da adolescência para a fase adulta. Chegou a hora de jogar o jogo de gente grande, entregando resultados e gerando negócios de verdade para quem paga a conta. E parar de reclamar.
O setor, nascido lá atrás de empresas essencialmente nacionais, se internacionalizou definitivamente. Experimentou um sintomático crescimento orgânico, a taxas de dois dígitos anuais, totalmente a reboque da expansão física e de penetração da internet (não como o mercado a entende, mas a internet real, a conectividade, o acesso, o TCP/IP, a banda, os cabos, os satélites, o computador na favela… isso é a internet real) e, agora que essa expansão atingiu um determinado estágio, uma determinada massa crítica, e tende a se estabilizar, o bicho pegou. O modelão que funcionou tão bem por mais de uma década, basicamente a versão digital do modelão da mídia tradicional de sempre, começou a fazer água.
Assim como todos os outros segmentos da mídia em todo o mundo, a internet no Brasil vive hoje um momento crítico de revisão de seus valores, de sua proposta de mercado e de seu modelo de negócios. A culpa não é do Google, nem da Globo. É de si mesma.
A boa notícia é que nós se desatam. Refazer-se é difícil, mas não é impossível.
Só que refazer-se será vital e quem não encarar essa tarefa de frente terá o mesmo e triste fim de alguns grupos, marcas e títulos emblemáticos da história da comunicação, de outros setores, que viraram pó.
ProXXIma nasceu para ser voz e expressão curada dessa indústria em formação. E em transformação. Estaremos sempre aqui para espelhar suas conquistas. E enfiar o dedão na ferida, sempre que isso, a nosso ver, se fizer necessário.
Acorda, “internet”!
Pyr Marcondes é diretor geral da Plataforma ProXXIma, unidade do Grupo Meio & Mensagem voltada para disseminação de conteúdo sobre inovação em comunicação, marketing e mídia digital.