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Players de mídia digital impressionam no SXSW, mas verbas não acompanham

Elas não vão na direção do comportamento da audiência, nem na direção da evolução tecnológica


29 de março de 2016 - 3h40

Por Pyr Marcondes

Há quem afirme que o Google seria capaz de prever o resultado das próximas eleições norte-americanas baseado em dados de navegação e uso de sua plataforma tecnológica, dando assim um furo histórico em toda a imprensa mundial, mesmo a mais bem informada.

Realidade ou lenda, algo nessa hipótese aponta para um fato inexorável: a mídia, seu conteúdo, sua captação e distribuição, é hoje e será cada vez mais, data driven. Mais que isso, será cada vez mais tecnologicamente gerada e gerida. Mais que isso, será elaborada e curada cada vez mais por critérios de performance, em que máquinas, não necessariamente pessoas, editores de carne e osso, tomarão a decisão sobre o que merece uma manchete ou não. O Google, o nosso bem informado repórter furão, aliás, faz parte desse grupo. Idem o Facebook e o Twitter, que nem publishers são, mas que competem hoje pelo mesmo espaço antes exclusivamente ocupado pelos grupos de mídia historicamente tradicionais.

Na verdade, Google e Facebook dominam hoje a distribuição de todo o conteúdo digital do mundo.

No SXSW 2016, as inúmeras apresentações de alguns dos mais destacados players da nova geração de media publishers, os chamados digital natives, como BuzzFeed, Mashable, Vice, Vox Media, Thrillist e Huffington Post, além de outros não originalmente digitais, como The Atlantic, Al Jazeera, Forbes e a emblemática Wired, mostraram aos presentes como isso vai acontecer. E porque essa evolução não tem mais volta.

Ocorre, no entanto, um gargalo histórico, que esses novos players de conteúdo e mídia (tirando da lista aqui o Google e o Facebook e mantendo apenas os publishers mesmo), com muita dor no coração (e no bolso) relutaram em admitir no evento, mas no fundo sabem muito bem: os investimentos de mídia não caminham tão generosamente nessa mesma direção, ou seja, na direção do comportamento da audiência, que cada dia consome mais conteúdo nas novas plataformas, nem na direção de toda essa evolução tecnológica.

A maior parte das verbas de mídia do mundo continua sendo investida em TV. Por mais que os indicadores de incremento ano após ano dos investimentos em mídia digital sejam indiscutíveis, quando se analisa o bolo total, toda essa escalada é ainda tímida em termos de share.

Segundo o eMarketer, em 2015, o investimento total em mídia no mundo atingiu cerca de US$ 570 bilhões, sendo apenas 30% desse total em digital.

Mudança de comportamento e consumo de digital
Um dos palestrantes do evento, Ben Lerer, sócio, criador e Publisher do Thrillist, mostrou como o impacto da nova realidade vem se refletindo nos setores de mídia mais tradicionais.

Thrillist é um portal de viagens e gastronomia, um vertical nessas áreas. Um enorme sucesso de audiência nos EUA, que começa a se espalhar pelo mundo. Gera conteúdo próprio e a partir de contribuições de colaboradores, seus próprios leitores.

Lerer fez questão de mostrar vários slides de manchetes registrando demissões em larga escala dos grupos de mídia em todo o mundo, para em seguida mostrar outras manchetes dando conta de aquisições e expansões dos novos players. Fato indiscutível.
Mostrou ainda dados de que a audiência de TV vem caindo em todo o mundo, enquanto os dados de consumo de conteúdo de mídia, através de plataformas digitais, crescem ano após ano. Outra verdade indiscutível.

Destacou também que esses novos grupos introduziram novas dinâmicas tecnológicas de captação e distribuição de conteúdo mais eficientes e abrangentes, data driven. Outra afirmação que ninguém discute.

Esqueceu de comentar que sua empresa é ainda uma operação deficitária, segundo informações da mídia especializada dos EUA, deficitária. Idem uma boa parte dos seus iguais.

O que não se pode fechar os olhos é que os modelos de negócio e as fontes de remuneração que os novos players trazem para a mesa são, de fato, inovadores, criativos, geradores de tráfego, engajadores de audiência e multiplicadores de performance para a mídia digital online.

Thrillist, por exemplo, tem entre seus modelos de receita o modelo content-with-ecommerce, que fundamentalmente alia conteúdos pagos ou native a uma plataforma de comércio eletrônico, permitindo que a audiência não só tenha uma acessa a uma dica gastronômica, como possa também, dentro do site ou do app da companhia, comprar ali mesmo o que desejar.

Não é uma novidade, mas Thrillist faz isso muito bem e é de surpreender que tantos outros portais e publishers de conteúdo vertical especializado e de nicho não sigam essa mesma lógica.

Washington Post, Vox e Associated Press: o novo e o velho se enfrentam
Em painel de nome instigante, “Newsopalypse: Can Digital Really Sustain Media”, que reuniu dois players tradicionais, o Washington Post e a Associated Press, com um representante da nova geração de digital media players, a Vox Media, o contraste entre as visões de negócio e de futuro ficaram mais do que evidentes. Assim como ficou evidente que ninguém, de fato, no SXSW 2016, sabe ao certo se o digital consegue ou não sustentar o mundo da mídia e o mundo das notícias.

Mesmo tendo sido o Washington Post adquirido pelo magnata e gênio digital Jeff Bezos, não muito a partir daí parece ter mudado na lógica de compreensão do WP sobre as transformações digitais em curso.

Jed Hartman, Chief Revenue Officer do jornal, deixando clara aos presentes sua atração e respeito pelos avanços na distribuição de conteúdo através das plataformas digitais, insistiu que novos formatos e novos modelos de receita são uma praia que ele e sua empresa preferem ainda não nadar.

Para ele, o que merece atenção é ainda o banner, o display ad, a mídia online clássica, sem muitas invenções.

Destacou que há muito inventário novo que ainda pode ser gerado pelo Washington Post a partir de novos projetos editoriais e que a mídia programática pode ajudar a monetizar essas iniciativas.

Alertou, no entanto, que ir muito além disso não seria desejável para sua companhia, que tem ainda um legado tradicional importante, modelos de negócio constituídos com seus anunciantes, e que não se pode abandonar tudo isso de uma hora para outra. É preciso ir com calma.

Abandonar os legados é o maior desafio de todo grupo de mídia do mundo. E velocidade é chave nessa transformação.

Ninguém em sã consciência recomendaria a players do porte do Washington Post que abandonasse as alianças e as formas de comercialização que há tantos anos cultivou da noite para o dia. Mas o discurso de Jed Hartman no SXSW 2016 mais releva do que esconde a postura comercial conservadora de um dos mais relevantes órgãos de mídia dos EUA e do mundo.

Os valores pagos por CPM na mídia digital tradicional estão caindo aceleradamente e apostar as fichas de um player de mídia do porte do Washington Post nesse formato parece ser, no mínimo, temerário.

Hartman não pensa assim e fala como se ainda houvesse tempo para ver onde as coisas vão dar. Não há.

Já sua companheira de visão, Joy Jones, VP de Produtos da Associated Press parecia, com seu discurso de media player ainda mais conservador, parecia estar se dirigindo a um público de estudantes em um encontro universitário dos anos 80. Focou sua apresentação e suas intervenções em mostrar como a AP tem hoje uma presença internacional relevante e como agências e anunciantes em todo o mundo podem hoje se utilizar de toda essa abrangência geográfica como plataforma de comunicação. Como se não houvesse Facebook.

Já Lindsay Nelson, Global Head of Brand Strategy da Vox Media, seguiu na linha dos novos atores globais da mídia, enfatizando, como Lerer, do Thrillist, as vantagens de se atrelar conteúdo, marcas e vendas diretas, e na monetização geral do conteúdo.

Lindsay revelou que cerca de 60% do conteúdo da Vox Media é monetizado (vejam, isso não quer dizer conteúdo vendido editorialmente, mas conteúdo ligado a marcas, branded content). O que é, sem dúvida, um número alto, num modelo que depende menos do online advertising e cria vínculos mais estreitos entre as marcas e a audiência.

Destacou que todos os conteúdos da Vox Media são altamente escaláveis porque estão em todas as plataformas e em cada uma delas é possível atrelar um modelo de receita e remuneração. Um modelo que, a essa altura, tornou-se já um clássico entre os novos players digitais do setor.

Não há dúvida de que essa dinâmica escala e que ela é rentável, porque se fundamenta em produzir barato e distribuir barato, em plataformas tecnológica anabolizadas por dados e otimizada por performance.

Mas uma vez mais, o ponto é: a conta digital fecha? Ou estamos vivendo um apocalipse, como alerta o título do painel?

Vox Media atingiu seu break even ano passado. Vejamos se escala, de fato.
BuzzFeed, com a palavra a empresa mais inovadora dos EUA em 2015
Segundo a Fast Company, BuzzFeed foi a empresa mais inovadora dos EUA do ano passado. E, segundo a mídia especializada norte-americana, ano passado BuzzFeed deu lucro. Nada genial, mas aparentemente, ficou no azul.

O modelo editorial de BuzzFeed faz jornalistas mais tradicionais virarem o nariz. Há quem nem considere BuzzFeed, de fato, jornalismo. Talvez não seja mesmo.
Mas BuzzFeed é um desses novos players de mídia e vendo sendo citado entre os pouquíssimos que apresentam melhores resultados de negócio do setor.

Frank Cooper, ex-Diretor Global de Marketing da Pepsico, hoje Diretor de Marketing da operação, aproveitou no SXSW 2016 para lançar oficialmente ao mundo sua plataforma de mídia integrada Swarm.

 

Swarm integra tudo, da presença web habitual do BuzzFeed a suas versões mobile, das redes sociais (todas) as suas séries de conteúdo proprietário. Como aponta Cooper, uma plataforma 360º.

Trata-se de um modelo aparentemente inexorável tanto para os novos players de mídia, como também para os mais tradicionais, que hoje buscam ampliara suas presenças em todas as plataformas quanto possível. E isso tem lógica, uma vez que a audiência está em todas elas, o tempo todo.

Como ressalta Cooper, BuzzFeed prioriza estar onde seu público está, seja onde for. E carrega seus parceiros anunciantes junto com ele.

O diferencial de BuzzFeed está, de fato, no seu “não-jornalismo”, se é que podemos chamar assim seu modelo editorial. Seus conteúdos são gerados a partir de algoritmos que identificam os assuntos mais destacados na web e aglutina conteúdos pré-existentes ou produzidos para cada tema, nas já famosas listas de 10 coisas que você não pode deixar de saber sobre este ou aquele assunto ou os 10 gatinhos mais bonitinhos da web hoje.

Em cima disso, BuzzFeed conseguiu criar um modelo de linguagem próprio e desenvolver verticais de fato inusitados e atraentes, como é o caso de Tasty, por exemplo, um portal de receitas em vídeo que são preparadas em poucos minutos diante dos olhos do internauta, tornando tudo aparentemente muito simples e fácil de fazer. Tem bilhões de views hoje.

Cooper destaca que BuzzFeed dá voz e espaço as pessoas e conteúdos não famosos, fora do mainstream da mídia convencional, sem celebridades. Para ele, esse é o segredo de tudo e do sucesso de audiência da sua companhia.

É, sem dúvida.

Em busca do modelo lucrativo definitivo
Dentre os novos players desse novo cenário da mídia o grande destaque fica mesmo para a Vice, considerada hoje um dos grandes players de entretenimento e mídia do mundo, essa sim, uma operação altamente rentável desde 2014, segundo investidores com altas margens de rentabilidade.

Vice foca em conteúdo jornalístico de grande repercussão, abordado como se fosse feito por jovens iconoclastas, que se cansaram de fazer jornalismo como se fazia antigamente.

Pois Vice é feita exatamente por jovens jornalistas e não jornalistas que de fato não querem fazer jornalismo como se fazia antigamente e conseguem dar furos de reportagem ou incomodar entrevistados de tal forma, que obtém um resultado investigativo de inegável impacto e originalidade.

Acrescente-se sobre essa fórmula um modelo comercial em que as marcas ganham espaços generosos nos modelos de branded content e de native advertising bastante sofisticados e elaborados. Neste caso, modelos de fato lucrativos.

Mais de US$ 600 milhões foram investidos pelas empresas de Venture Capital dos EUA e internacionalmente nos novos players de mídia em todo o mundo. A maior parte deles ainda não se mostrou lucrativa.

A torcida da indústria da mídia em todo o mundo, apesar das resistências aqui e ali, é para que, finalmente, elas consigam, ainda que aos poucos, provarem que suas formas de engajamento e performance são, de fato, lucrativas. E que as verbas que ainda são maciçamente investidas em TV sejam aplicadas, pelo menos um pouco mais do que hoje, em suas pioneiras iniciativas.
 

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