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A rede em debate

i 20 de novembro de 2012 - 8h30

Alguns o têm chamado de “Constituição da internet”, por causa da importância. Não é para menos: o Marco Civil (PL 2126/11) estabelecerá direitos e deveres para uso da internet no Brasil, por parte de usuários, empresas provedoras e mesmo do governo. Talvez até por essa complexidade, o PL teve sua votação na Câmara adiada várias vezes — a mais recente delas, nesta quarta-feira, 21 de novembro — e carrega pontos polêmicos. O texto, cujo relator é o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), inclui discussões sobre a neutralidade da rede, a privacidade dos internautas e a remoção de conteúdo da web.

Há aspectos em que mesmo articuladores do Marco Civil — como o deputado Paulo Teixeira (PT-SP)— divergem. Apesar de concordar em que a proposta do relator preserva a privacidade do usuário e garante a neutralidade da rede, ele defende a modificação do parágrafo segundo do artigo 15, que trata de direito autoral. “Eu não tocaria em direito autoral nesta legislação. Porque existe uma legislação que está sendo revista (a Lei do Direito Autoral) e a questão pode ser trabalhada .”

Para Teixeira, a neutralidade — que propõe ao responsável pela transmissão de conteúdo tratar de forma igual quaisquer pacotes de dados, sem fazer distinção de conteúdo, origem e destino — equipara a legislação brasileira à mundial. O ponto, no entanto, é questionado pelo Sinditelebrasil, que agrega as operadoras de telefonia, já que lhes interessa direcionar os conteúdos de acordo com o pacote de serviços contratado pelo usuário. Convidada a responder se o Marco Civil chega atual ou já nasce defasado, assim como comentar alguns dos pontos polêmicos, a entidade não se manifestou até o fechamento desta edição.

Há ainda, entre alguns, o temor de que alguns dos pontos controversos do Marco Civil desfigurem a internet, ao colocar barreiras que limitariam a criatividade e a liberdade desse ambiente, que até o momento são as marcas que todos acreditavam indeléveis. Meio & Mensagem consultou a opinião de alguns profissionais diretamente ligados ao tema ou que o acompanham de perto. O conteúdo do PL 2126/11, da forma que está hoje, contempla os pontos-chaves no debate contemporâneo sobre a internet? O Marco Civil chegará atual à votação no Congresso?

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ADVOGADO

O Marco Civil, no geral, é positivo, pois define melhor, principalmente a proteção da privacidade e a da intimidade dos internautas. Mas há dois pontos muito negativos e que a atual redação pode trazer problemas grandes. O artigo 13, que faculta a guarda dos registros de acesso e determina que a opção pela não guarda desses registros implicará responsabilidade sobre os danos decorrentes. Defende, portanto, a privacidade, por não guardar os registros eletrônicos dos usuários. Porém, quando há um crime eletrônico, uma das únicas formas de investigá-lo é por meio desses registros. O segundo ponto é o artigo 15: prevê que, com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e evitar a censura, os provedores só poderão ser responsáveis pelo conteúdo se, intimados judicialmente, não o remover do ar. Hoje, se o provedor foi notificado e não agiu diligentemente para retirar do ar, passa a responder civilmente por isso, junto com o autor do ilícito. O artigo 15 vai obrigar os usuários ofendidos na internet a buscar uma ordem judicial. Vai demorar mais; terá um custo para as vítimas; o dano causado a cada dia é enorme e, com o aguardo de uma ordem judicial, será agravado.

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ACADEMIA

O Marco Civil nasceu extremamente atual, mas, ao chegar ao Congresso Nacional, vai sendo motivo de atração de vários lobbies, em particular de dois grandes setores. Um é o de telecom, que controla a infraestrutura por onde passa o fluxo de informação; quer transformar a internet em uma grande rede de TV a cabo. Ao quebrar a neutralidade da rede, dou um poder descomunal para essas empresas filtrar qualquer aplicação ou protocolo que eu criar. O segundo grupo é a autodenominada indústria do copyright. E, para isso, parte de informações inverídicas. Diz que a internet está matando a produção de cultura, mas nunca se produziu tanta cultura como hoje. O que eles perderam foi a capacidade de ser intermediário entre o artista e os fãs. Inconformados com isso, conseguiram colocar um parágrafo perigoso no artigo 15. Esse artigo diz que só pode haver remoção de conteúdo com ordem judicial. Mas o parágrafo diz “exceto quando se tratar de violação ou possível violação de direitos do autor”. Eles querem fazer, na verdade, uma censura distribuída, subordinando todos os demais direitos à lógica do intermediário, do traficante do copyright. Isso é muito perigoso para as liberdades de expressão, opinião e da própria criação na rede também. 

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ENTIDADE

O Brasil demorou a debater essas questões, mas está discutindo num nível global que outros países e blocos também têm discutido. A entidade mais se preocupa é com o fato de que algumas questões não precisariam estar sendo tratadas no Marco Civil. Temos um Código de Defesa do Consumidor (CDC) muito forte, o mais avançado do mundo e ainda vemos câmaras e assembleias gastando tempo em ações hiperreguladoras para escrever uma lei que fale a mesma coisa do CDC. A pauta importante, enquanto empresa na web, é a leitura que algumas das grandes empresas de internet colocaram no mundo: os governos precisam conter-se para não restringir a criatividade da web. A rede é livre. Claro que é importante que todas as partes sejam remuneradas adequadamente, possam fazer seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento, mas colocar em debate uma questão como a da propriedade intelectual é discutir algo que já está resolvido. Se me senti lesado em um documento, fui plagiado, tenho como resolver isso rapidamente. Agora, a questão é: vamos ter que abrir um processo judicial e isso será um processo mais moroso. Estão querendo complicar algo que já está resolvido.

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EMPRESA

O Marco Civil é muito rico em direitos e nos preocupa bastante quando ele não é tão rico em deveres. Porque o anonimato na internet é um risco bem grande. Hoje, temos agilidade para tirar rapidamente um conteúdo, por meio de uma comunicação, uma notificação ao provedor. E está se incluindo um instrumento jurídico, ou seja, se fala em tempo e em direito tardio, que é dar indenização a quem já morreu. Temos muito receio de que a combinação da justiça tradicional, na sua velocidade habitual, não traga melhorias, mas retrocesso na resolução de casos mais críticos. A Abes sugere a criação de um conjunto de câmaras arbitrais permanentes, para dirimir em algumas horas as ações feitas em qualquer conflito e possa ser tomada uma decisão de primeira instância muito rápida, na velocidade que a internet se dispõe a trabalhar. E que as questões de indenização e outras questões legais continuem dentro da área jurídica. Quanto à neutralidade, até faz sentido, mas coordenar movimentos é um negócio extremamente complexo. A experiência pública nessa área é insuficiente para assumir um papel dessa magnitude.
 

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