O novo significado do marketing e o futuro do branded content
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Meio & Mensagem
2 de janeiro de 2014 - 4h15
Há pelo menos uns 12 anos, um sábio inglês, muito respeitado e admirado até hoje, disse:
“No futuro, o comercial de TV ainda terá uma importância fundamental, o entretenimento será parte do produto. Se o produto não for comunicado nos entretendo, ele não nos interessará. Não é o fim do comercial tradicional, se ele nos entreter. Será o fim de qualquer coisa se não nos entreter.”
Estamos vivendo hoje com o máximo de intensidade, aceleração, e natural despreparo, a realidade da potente intersecção entre o marketing, a publicidade e o entretenimento. Principalmente em 2013, que representou o ápice desse encontro de territórios, da inevitável convergência, que há décadas é realidade fora do Brasil.
Ao mesmo tempo, nunca foi tão difícil identificar o que é advertising que entretém e o que é branded entertainment e branded content, sem falar de native advertising, brand publishing, brand newsroom, etc.
Por mais nebuloso que isso pareça, é um fato que ainda reverbera no Brasil como se fosse demorar para chegar em terras onde a coexistência da mídia tradicional com as novas midias se mantém.
No mundo todo, o consumidor não é mais passivo; é coautor da ampla conversa social não linear – e altamente visual, que acontece ao redor dos conteúdos distribuídos pelo modelo tradicional de broadcast. Ele produz plenamente em uma cultura participativa e hiperconectada, vendo e interagindo com os acontecimentos e conteúdos, simultaneamente, na hora, ao vivo. E em tempo real.
Em 2013, vivemos um clímax da “era social” visual sem fronteiras, como uma versão atualizada da “Sociedade do Espetáculo”, preconizada no livro de Guy Debord em 1967: uma sociedade com abundância de informações, imagens, hiperconsumista. Regida pela lógica totalitária do “espetáculo”, onde a própria sociedade é o espetáculo, a relação social entre as pessoas é mediada por imagens, e vive em ritmo de espetáculo. O “parecer ser” vale mais do que “ser”, e o “parecer ter”, também.
É espetáculo porque tudo o que antes era vivido diretamente pelas pessoas, tornou-se hoje, uma espécie de representação. Natural então, o surgimento dos selfies.
Os microespetáculos representados por cada um de nós, em 140 caracteres, com fotos, grandes imagens e vídeos, muitos vídeos, circularam pelos palcos de 2013, ano em que o Vine e depois o Instagram, foram as vedetes das mídias sociais. Se 2012 foi o ano da foto, 2013 foi o ano do vídeo.
O contexto cultural mundial atual é um imenso desafio para as marcas, que precisam reinventar as antigas formas de conexão com o consumidor, modificar a gestão do ecossistema vital e do significado da marca. E o marketing deve reprogramar radicalmente o seu mindset, a forma de enxergar e atrair o consumidor, abandonando o pensamento convencional orientado à mídia e à quantidade, centrado no que a marca pode ou não prometer e oferecer ao mundo.
Há uma revolução criativa afetando a sociedade mundial; todos os setores estão sendo impactados. No mundo acadêmico, na educação, no mundo editorial, no showbiz do entretenimento, enfim, todas as indústrias estão em processo irreversível de mudanças. Mesmo que alguns não queiram assumir.
Essa revolução foi extremamente sentida e acentuada em 2013, e pode mudar o nome e o significado do marketing para sempre. Marketing agora se chama storytelling.
Hoje, a promessa de uma marca, seus valores, seus produtos, não interessam mais aos consumidores, se o rumo da história não mudar. O marketing deve contar e efetivamente realizar histórias que conectam as pessoas, como nunca antes.
Marcas agora devem ser, de forma amplificada, storytellers e storydoers.
A sociedade pós-moderna respira e transpira o futuro em todos os sentidos. A obsessiva necessidade humana de alcançar e viver no futuro se materializou.
Bem-vindo ao “presentismo”, onde o colapso das narrativas impera permeando a sociedade. Neste contexto de ampla dispersão da atenção humana e fragmentação da linguagem universal, as narrativas estruturadas, presentes no storytelling, histórias com começo, meio e fim que nos fazem mais humanos desde sempre, se estabelecem como um bálsamo.
As corporações devem contar histórias que sejam maiores que os seus produtos, com um conteúdo relevante, capaz de envolver, entreter e engajar o consumidor, sendo naturalmente compartilhado, porque conseguiu participar da tal conversa social que acontece ao redor das telas e dos conteúdos. A conversa humana que acontece entre as pessoas, na vida delas.
Histórias onde o protagonista e herói deve ser sempre o consumidor, e não a marca, fazendo sentido para a audiência, informando e transmitindo o significado e valor da marca, de forma sutil e adequada, sem forçar a venda de produto. Com o storytelling como a poderosa ferramenta de marketing da atualidade, as marcas podem concretizar uma conversa, uma experiência contagiante, um relacionamento com as pessoas, sem interromper a vida delas.
Colocando o storytelling no centro da estratégia da marca, não apenas em um evento, ou uma campanha. Aliás, perdendo a mentalidade de campanha, de peças, de plataformas. Porque não é assim que o ser humano se relaciona com os fatos.
E o mundo mudou, as pessoas mudaram e não querem nem campanha, nem promessas, nem histórias egocêntricas centradas na marca.
– O sucesso de “Dove Real Beauty Sketches” materializa isso
A história mais vista, comentada e compartilhada do mundo ano passado (163 milhões de views em dois meses). Uma história criada pela Ogilvy Brasil – não uma campanha, caso você que lê aqui tenha cogitado mudar o nome.
Uma poderosa ideia e solução criativa que ajudou a humanizar mais a marca Dove e contagiou as pessoas por vários motivos: focou na audiência, como protagonista e heroína, tocou uma questão humana e relevante, reunindo na história o Consumer Insight e o Brand Truth, a verdade da marca, seu propósito. Com maestria, transferindo autenticidade, transparência e originalidade para o conteúdo.
O branded film de Dove mostrou a marca somente no final. Um case de sucesso que representa, como alguns outros mencionados abaixo, o quanto 2013 foi um ano único e, definitivamente, divisor de águas para um novo tempo, em que o entretenimento é a linguagem fundamental.
– Como acontece com a marca mais bem-sucedida como storyteller e storydoer até hoje, Red Bull
Qualquer manifestação dessa marca é uma história que entretém. O produto funciona até como um canal de comunicação, uma mídia. O entretenimento faz parte da essência e alma dessa marca, da história consistente que conta e entrega.
Red Bull é muito mais que uma media company ou brand publisher, que publica conteúdos próprios e autênticos há tantos anos.
Red Bull é uma entertainment brand, uma marca de entretenimento, absolutamente coerente com a sua vocação, e profundamente sintonizada com a sua audiência, seu contexto e o que mais interessa a ela. Enquanto Red Bull entretém e dá asas à audiência, vende o produto.
– Reinterpretando e reinventando o significado da marca e o “território” de atuação do negócio
A Coca-Cola redimensionou seu propósito e papel na vida das pessoas indo além da categoria de bebidas, da indústria em que atua, fortalecendo a reputação da marca.
O negócio da Coca-Cola hoje é story factory, em vez de beverages factory. Muito mais do que gerenciar seus produtos, a sua marca, ela compartilha histórias humanas interessantes que aproximam as pessoas mais distantes.
Histórias criadas para as pessoas participarem e colaborarem, abrindo mão do controle sobre o quanto aquele potente conteúdo pode afetar e contagiar o ser humano no Brasil, na Índia, no Paquistão.
– Afinal, que história é essa de “contar histórias” ?
Um fato tem 20 vezes mais chance de ser lembrado, se estiver ancorado em uma história. A arte de contar histórias é presente na vida do ser humano desde o seu nascimento. Histórias têm o poder de capturar e reter a nossa atenção, transmitindo conhecimento, valores e conceitos desde o berço, literalmente.
Somos naturalmente acostumados e ávidos por histórias. Em todo o mundo é assim. Sempre foi e será porque é cientificamente comprovado. Storytelling, a arte de contar histórias, pertence somente ao universo humano.
Quando “sonhamos acordados” durante o dia, a nossa imaginação e fantasia fluem como história. Quando sonhamos enquanto dormimos, acontece também em formato de história, com direitos inconscientes a um enredo com vários personagens, antagonistas (porque o protagonista, na maioria das vezes, somos nós), começo, meio e fim, desafios, derrotas, vitórias, embates, clímax – pelo menos um – e superação. Uma verdadeira jornada do herói, como nos contou Joseph Campbell.
Sem falar que acordamos com uma forte sensação de que estávamos realmente em um filme ficcional.
Grandes histórias são compartilhadas porque são interessantes. Quando conectam, são viralizadas. Podem contagiar o ser humano “infectando” mentes com ideias.
Como contou o autor do livro “The Storytelling Animal – How stories make us human”, de Jonathan Gottschall, em 2012.
Somos infectados quando nos transportamos emocionalmente, através daquele universo, nos perdendo imersos na história contada, e logo depois, nos reencontrando, mas impregnados por ela.
No mundo corporativo, as histórias funcionam como um eficiente “veículo” de mensagens que podem nos infectar, derrubando nossas defesas e resistências ao que é comercial, a nossa imunidade intelectual e emocional.
O storytelling foi o grande tema em 2013, reconhecido e aplicado no mundo, como uma poderosa ferramenta vital para o negócio. O novo marketing se chama storytelling.
– A verdadeira beleza interior não precisa ser evidente, e nem excessiva, no branded entertainment
As marcas Intel e Toshiba deram aula em 2013 sobre como respeitar o território do entretenimento, sem intrusão, por meio do imenso talento para contar histórias da agência americana Pereira & O’Dell (responsável também pela criação das emocionantes histórias de Skype), comandada pelo brasileiro PJ Pereira.
A história ficcional do protagonista Alex rompeu de vez com as fronteiras da publicidade e do entretenimento. Tanto que até um merecido Emmy Award ela ganhou. Totalmente centrada na audiência. Contemporânea, universal, social e participativa, um verdadeiro case de transmedia storytteling. “The Beauty Inside” não era uma campanha. Humanizou as duas marcas e conversou com as pessoas.
– Nem todo conteúdo é rei
Com a crescente e definitiva força da social web em 2013, incorporar storytelling e planejamento ao content marketing será mandatório em 2014. Uma das questões mais em pauta no ano que passou, mundo afora, foi a urgente necessidade do content marketing se tornar mais estratégico, útil, qualificado e personalizado.
Em tempos de conversa social visual, com a crescente produção e consumo de video content, o risco de criar ruído e “poluir” com conteúdos pouco relevantes e focados na marca é enorme. Atenção total porque esse tipo de poluição pode ser tão intrusiva e ineficiente quanto um tradicional filme de 30’’, que interrompe a programação da TV, incomodando a audiência, com exposição excessiva de produto.
Não é todo branded content que tem história e funciona. Por isso, o branded content em 2014 deverá ser muito mais estratégico e incorporar de vez o storytelling.
Hoje, o conteúdo só é rei se contar uma história que conecta e cria conversa colaborativa, nada impositiva, com o protagonismo da audiência e o entretenimento como linguagem.
Em 2014, o brand publishing ganhará maior dimensão, visto que as marcas investirão cada vez mais em desenvolvimento de conteúdo próprio e original, gerando mais parcerias com os publishers impressos e online. Ouviremos falar de outros content studios – como a Vice montou para atender a demanda das marcas, que desenvolverão seus conteúdos com maior independência, através também de estruturas internas no marketing (in-house).
Teremos uma mesma sensação em 2014: ainda não sabemos identificar quando a história contada é uma publicidade que entretém e quando é um branded content. Isso não é um problema. Pelo contrário. Os filmes da campanha de Dodge Durango, os da campanha de Old Spice, o elástico filme com Van Damme para Volvo, seriam filmes publicitários compondo uma campanha. Como são filmes de publicidade que entretém enquanto vendem produtos, são vídeos vencedores, distribuídos e compartilhados na internet. Os cases emocionantes de Chipotle, da agência CAA, e “Dumb ways to die”, da McCann Melbourne, contam histórias contagiantes que nos entretém enquanto transmitem uma mensagem e o propósito das marcas/anunciantes.
Na verdade, a fronteira que separa a publicidade do branded content é bem mais real e forte nas nossas cabeças, no nosso mindset de publicitários e anunciantes. O que importa é se criamos uma relevante história que realmente conectará e construirá conversa com a audiência.
Por onde começar a história?
Comece sempre pela audiência. Não pela marca. Tenha a história no coração de todas as manifestações da marca. Evite o branded content “too branded”. Não force com a marca, nem com a venda de produto. Fuja da intrusão. Como o consumidor faz.
Porque as palavras envolvimento e engajamento substituíram de vez as palavras interrupção e intrusão. A linguagem é o entretenimento. O meio é a história. O fim? A conversa, o relacionamento.
Sir John Hegarty, criativo e um dos fundadores da agência BBH, estava coberto de razão. It’s all about entertainment.
Patrícia Weiss é chairman e fundadora do BCMA South America (Branded Content Marketing Association). Consultora estratégica da Intersecção do Marketing, Publicidade e Entretenimento na Asas da Imaginação
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