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4 de julho de 2019 - 7h29
Por Marcos Gouvêa de Souza (*)
1) China: uma lógica, com lógica própria – É inegável que algumas características dos modelos de negócio na China atual despertam atenção, quando não assustam. O “cash burn” de alguns negócios pode sinalizar uma derrocada à frente. Ou não. O tempo dirá. Podemos estar conhecendo uma nova bolha que explodirá em breve ou podemos estar assistindo uma outra realidade econômico financeira se estabelecer. Sem esquecer que o que acontece na China, não fica na China, o que é visto e debatido deveria despertar o interesse por aprofundar muitos desses temas numa lógica que é diferente da que temos operado no mercado internacional.
Alguns negócios poderão sucumbir, o que é natural. Mas outros tantos têm crescido e se desenvolvido para além do ambiente na China. Não se pode negar que tudo na China tem características, desempenho e resultados dentro daquela realidade econômica, política e social. E nada é transferível diretamente para outras geografias e realidades. Mas tentar aprofundar o conhecimento do que acontece, e como acontece, pode trazer insights importantes;
2) Insights do modelo de organização dos Ecossistemas de Negócios – O que pode ser aproveitado em termos de estrutura, organização, cultura e foco? É flagrante que o modelo de Ecossistema de Negócios reproduz na China o que são as Plataformas Exponenciais (Amazon, Google, Facebook, etc) na economia ocidental. Mas tem uma lógica própria que permite rápida expansão, controle compartilhado e estruturação flexível e adaptável para permitir avanços significativos a partir de uma plataforma inicial amparada em tecnologia, gerando conglomerados com estrutura tentacular e forte expansão;
3) Tecnologia como instrumento fundamental de mudanças – Em quase tudo que acontece na China, a tecnologia é fator fundamental na transformação acelerada, ampla e irreversível, sendo que as organizações, de forma geral, em qualquer geografia ou segmento de atuação deveriam rever seu posicionamento e sua forma de envolvimento com tecnologia ou digitalização considerando a dimensão, extensão e profundidade das mudanças no ambiente de negócios precipitadas por esses fatores. Em maior ou menor escala é preciso rever a cultura tecnológica e digital de uma atividade econômica para realinhar com as transformações por elas precipitadas;
4) Data como novo petróleo – Uma constatação fundamental de tudo que é visto na China é que dados e informações monitorando desempenho e permitindo seu uso em caráter preditivo passou a ser um ativo estratégico dos mais relevantes e razão de ser em boa parte da expansão dos Ecossistemas de Negócios. Toda a estrutura de coleta e tratamento de informações sobre os consumidores-cidadãos permite seu uso como ativo estratégico fundamental na concepção, criação, implantação ou integração de negócios pelo que alimenta a expansão acelerada desses novos negócios sendo, junto com outros recursos financeiros, o fator crítico que permite o valor atual de empresas como Alibaba e Tencent no intervalo entre US$ 460 e US$ 480 bilhões;
5) Mobile Payment – Impacto na transformação dos negócios em magnitude muito superior à questão das discussões de taxas e prazos de reembolso de cartões. A verdadeira e maior transformação que se confirma agora com o lançamento da Libra, criptomoeda liderada por Facebook, porém potencializado por coalizão envolvendo Mastercard, Visa, Spotify e Mercado Livre, em resposta aos modelos operados por We Chat Pay e Alipay, em importante movimento estratégico que dará nova forma, estrutura e relevância para os agentes envolvidos nessa atividade com amplos reflexos em outras áreas de negócios;
6. O consumidor no epicentro de tudo – Por incrível que possa parecer é um país comunista com gestão capitalista que de fato coloca o consumidor no epicentro de tudo, não como proposta social ou de marketing, mas sim como criação de um ativo estratégico único que permite monitoramento, conhecimento e uso de todas essas informações para criar vantagem competitiva nos negócios. Porém tudo, absolutamente tudo, baseado no uso da tecnologia em sentido amplo para conhecer, monitorar e antecipar comportamentos;
7) A transformação do varejo como conhecemos – Um ponto central de tudo que é visto, medido e avaliado com maior proximidade com China no setor do varejo e consumo é que o setor como hoje o conhecemos está em acelerado processo de transformação, balizado em alguns fatores-chave:
*Protagonismo do mobile payment com certificação através de reconhecimento facial;
*Transformação da loja em ponto de pick up, delivery e experiência;
*Hiper conveniência dos omniconsumidores que determina a redução significativa de visitas às lojas e uso intensivo do delivery;
*Aumento relevante da oferta de serviços integrados com produtos, gerando soluções, como resultado da demanda por consumidores mais maduros e pela oferta como forma de “descomoditizar” a venda de produtos;
*A intensa pressão sobre a rentabilidade dado o aumento exponencial da oferta de produtos e serviços pelos mais diferentes canais, formatos e negócios;
8) Modelos de negócios repensados para crescimento acelerado – Negócios, Atividades e Estruturas deveriam ser repensados tomando por base a velocidade de transformação do ambiente precipitada pela tecnologia. Ainda que nada seja “espelhável” baseado no que se aprende com China, muito poderia e deveria ser repensado levando em conta a velocidade das mudanças e os desafios que se apresentam. Desta forma alguns pressupostos dessa nova cultura organizacional deveriam emergir que fossem balizados pelos seguintes elementos:
• Velocidade
• Flexibilidade
• Nova Competências Requeridas
• Foco
• Adaptabilidade
9) A transformação radical logística – Os supermercados Hema, do Alibaba, entrega todas as compras feitas pelo celular em até 30 minutos num raio de 5 km da loja. Não muito diferente do que faz o 7 Fresh da JD. E também pela Luckin Coffee, em suas 2.500 lojas abertas em apenas 15 meses. No novo varejo o hiperconveniente omniconsumidor tem facilidades crescentes para evitar se deslocar e receber certo e rápido. Esse processo, em outra dimensão, estimula a Amazon a ampliar sua infra-estrutura própria de entregas, assim como estimula o crescimento e expansão das plataformas independentes ou integradas de entregas em todos os mercados, incorporando mais valor e protagonismo para esses agentes no ambiente de negócios, pelo ativo estratégico gerado pelo domínio das entregas físicas e as informações dos consumidores e seus hábitos e demandas;
10) Nem tudo que brilha, é ouro – Existe uma visão da China em muitos aspectos idílica sobre a velocidade em que tudo acontece por lá e as dimensões das transformações. Mas aprende-se também que existe uma poderosa máquina de comunicação que promove o que quer promover e tenta esconder o que não se deseja mostrar. Em tudo que tem sido dito, visto e apresentado cabe cautela e uma análise muito mais aprofundada para não se deixar envolver pela visão apenas da ponta do iceberg.
(*) Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral do Grupo GS& Gouvêa de Souza, membro do IDV – Instituto para o Desenvolvimento do Varejo, do IFB – Instituto Foodservice Brasil, Presidente do LIDE Comércio e membro do Ebeltoft Group, aliança global de consultorias especializadas em varejo em mais de 25 países. Publisher da plataforma Mercado & Consumo