Modo workaholic das agências repele novas gerações
Festival do Clube de Criação debate rotina das agências e atratividade de talentos pelo mercado publicitário
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Karina Balan Julio
18 de setembro de 2017 - 8h37
De um lado, o glamour das premiações e o networking requintado. De outro, as noites e finais de semana regados a café e muito trabalho. Mas será que esse estilo de vida comum no mercado publicitário é compatível com os anseios das novas gerações? Este foi o tema de pelo menos dois debates do Festival do Clube de Criação, que acontece na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, até esta segunda-feira, 18.
Em um mundo onde as referências são jovens donos de startups e milionários de 20 e poucos anos, as expectativas sobre o que é ser um jovem profissional são muito diferentes das gerações passadas. “Essa nova geração está em busca de viver experiências e desafios, e se eles percebem que não vão viver esse desafio, vão atrás disso em outro lugar. As agências têm essa aura de não serem atrativas pela ideia de que trabalha-se muito, viram-se noites e de que não se respeita a vida das pessoas”, disse Paulo André Bione, diretor acadêmico da Miami Ad School, um dos participantes do debate “Estamos construindo agências interessantes para as próximas gerações?”.
Em outro seminário, chamado de “24/7: como melhorar o dia a dia dos profissionais do mercado publicitário”, Claudio Neszlinger, chief talent officer da Dentsu Aegis Network, afirmou que as agências vão ter de passar por um processo de reconstrução, gerando as estruturas físicas e organizacionais para que novos modelos de trabalho produtivo possam florescer.
“Jovens não estão atraídos por este modelo pois não conseguem empreender no ambiente das agências, querem uma organização de vida que respeite seus anseios mais essenciais. A solução passa por empresas lidarem com essa expectativa, possibilitando o home office e exercitando uma confiança maior. Essa coisa de atravessar a cidade para chegar ao escritório e fazer uma reunião de meia hora nem faz sentido mais, é preciso um olhar mais cuidadoso sobre a qualidade de vida”, disse Neszlinger.Rodrigo Jatene, CCO da Grey, que compunha o mesmo debate de Paulo André Bione, argumentou que a competição com empresas da nova economia acaba forçando este processo. “A entrega nas agências está um pouco mecanizada. O cara faz 400 posts por dia e não tem autonomia para fazer mais nada, por isso a geração atual é menos resiliente, pois tem mais opções”, avaliou.
O gap geracional é bastante visível, de acordo com Ana Castelo Branco, diretora de criação da DM9DDB. Para o jovem aspirante ao universo publicitário, ter um propósito em cada job é quase um requisito, o que nem sempre é possível no dia a dia. “É preciso haver um equilíbrio entre essa experiência que ele deseja e o trabalho real. Nem tudo é só a experiência, e é preciso um caminho até chegar até ela”, ponderou.
André Pedroso, diretor de criação da Fischer, lembrou que a sua geração comprou os sonhos e estilo de vida de ídolos como Washington Olivetto e Nizan Guanaes, em uma época em que o setor não tinha tantas possibilidades e que a hierarquia era mais rígida. “Esta nova geração não tem o mesmo foco e nem as mesmas pessoas em quem se espelhar como nós tivemos. As novas gerações precisam entender que vivemos em um mercado baseado no ‘não’ e que não é o tobogã de uma startup que vai melhorar seu dia a dia”, acrescentou.
AnsiedadeO culto à produtividade também é prejudicial para a dinâmica de criação das equipes, de acordo com criativos que participaram do debate “24/7: como melhorar o dia a dia dos profissionais do mercado publicitário”. Isto porque profissionais casados ou com filhos têm demandas diferentes daqueles solteiros, por exemplo.
“A disciplina e o método independem do horário, é preciso ter empatia e respeitar a vida de cada um. A mulher que trabalha em agência vai para a casa mais cedo porque tem de buscar os filhos na escola, por exemplo, enquanto os jovens solteiros ficam até três da manhã na agência. É óbvio que o produto final não vai ter nada de insight dela”, criticou Claudio, da Dentsu.
Para o psiquiatra Márcio Bernik, os padrões de comportamento das lideranças têm muito a ver com isso. “Se eu estiver em um ambiente em que a cultura é trabalhar 20 horas por dia, eu vou trabalhar 20 horas por dia. Se seu chefe vai embora à meia-noite, é óbvio que você não vai embora cedo”, ironizou.
André Passamani, COO da Mutato, defendeu que as agências deveriam ter uma cultura similar à das redações e do jornalismo, onde é comum o revezamento e diferentes escalas entre os profissionais. “É possível criar uma cultura melhor, mas também não é possível mudar o mercado”, ponderou. Outro perigo está em premiar quem trabalha excessivamente, disse ele. “Este é um mercado onde quem é ansioso cresce. É um padrão o cara ser ansioso e ser avaliado como um profissional melhor e mais competente, o que é muito grave”, frisou Pasamani.
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