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Ponto de vista

Pega na mentira

A Lenda do Sorvete que não derretia sob a luz da transparência


27 de novembro de 2014 - 5h12

A Diletto quer ser a nova Geni do marketing brasileiro. O avô não era aquilo, o produto não era aquilo outro. Mas o palito é tcheco. Até o Conar, que outro dia questionou um micro-system híbrido com a cabeça do Cumpadi Washington, foi atrás da sorveteria. (leia mais aqui).

Há alguns anos, em Cannes, Paul Kemp-Robertson, da Contagious, fez uma linda apresentação sobre a arte de contar histórias. E avisou: começa agora a Era da Plenitude Narrativa. Um ou dois anos antes, a Regina Augusto falava algo parecido em seu editorial no Meio & Mensagem quando se começava a tendência do transmedia storytelling. E o tal do storytelling virou palavra poderosa em powerpoints e palestras.

Mas há três narrativas que nós, no mercado brasileiro, continuamos evitando apesar de os sinais e avisos estarem por todos os lados.

Uma é aquela narrativa profunda e autêntica. Parece que a gente desaprendeu a contar histórias que duram anos e anos e viram parte da cultura – como Monteiro Lobato, Nelson Rodrigues, Machado de Assis. A diferença de qualidade entre o cinema argentino e o brasileiro está aí para atestar.

A segunda é aquela que quer valoriza o fã. Nosso mercado premia e bonifica a compra da audiência e não o envolvimento e a construção de histórias das marcas com a mesma.

E a terceira é aquela que está de acordo com a Era da Transparência e ao princípio de que nada pode ser escondido. As pessoas vão sempre querer mais daquela história quando ela é bem contada, e também vão quando ela quebra tetos de vidro e faz revelações – Wikileaks e Edward Snowden estão aí para provar.

E essas três narrativas dizem respeito à nossa boa e velha “Cultura do Atalho” que é contra métodos e processos porque são “chatos”, porque “atrapalham a criatividade e a inspiração”, porque “improvisar é melhor” e o jeitinho é mais malemolente.

Storytelling é muito mais do que criar personagens e fazer livro capa dura com “Era uma vez” e sua marca escondida no rodapé. É muito mais do que “transformar sua verdade e valores em uma história”. E requer um envolvimento da audiência que views e likes comprados no Youtube e no Facebook não compram. Tem que ser merecido.

Robert Mckee, professor de roteiro de Hollywood, está aí pra provar que treino é treino, jogo é jogo: só três roteiros seus viraram filme. Nenhum estourou. Talvez não por acaso, ele é queridinho no Brasil.

Já começa errado a gente insistir em chamar de storytelling: pois mascaramos no inglês a nossa negação com a expressão “contar histórias”, que dá muito trabalho. É só você tentar contar uma história ruim para uma criança. Cultura do Atalho e do Jeitinho não combinam com boas narrativas.

Não adianta ter uma boa história, sem reputação e clareza de regras com o público. E não adianta ter reputação e uma história chata ou durona e fazer um merchan para dourar a pílula. A reputação é o que faz as pessoas te ouvirem. O que você vai contar para elas é que são elas.

E para os puristas que começaram a jogar pedra na questão de criar histórias ficcionais para marcas, façam-me o favor. O ser humano é um animal que depende da ficção para sobreviver. É só ver quantos filmes e séries existem no Netflix em comparação com documentários. Ou você acha que o Big Brother chegaria à edição 11232309 sem novelizar, transformar ogros e siliconadas em heróis e vilões?

A nossa preguiça em contar melhor nossas histórias e a busca pelo prazer instantâneo dos views comprados do Youtube ou o volume do GRP está nos deixando míopes e expostos: só não vê quem não quer que nunca na história do mundo se quis tanto conteúdo. Digital, streaming, Lei da TV Paga… Para criar cultura, precisamos saber lê-la.

Só não dá para querer comer o bolo e guardar o bolo. Ou nesse caso, o sorvete.

* Mauricio Mota é chief storytelling officer e co-fundador da The Alchemists.

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