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O que podemos esperar da Libra, a criptomoeda do Facebook

Neste texto analítico de Pedro Birindelli, especialista em blockchain e consultor da Cosin, entendemos um pouco mais sobre o impacto da nova criptomoeda do Facebook. Complexo, mas vital entender.

e Pedro Birindelli
6 de agosto de 2019 - 7h04

Pedro Birindelli (*)

O tema criptomoedas inaugura mais uma polêmica: o projeto Libra. Recentes declarações do presidente dos EUA, Donald Trump, em seu Twitter, atacam o bitcoin e a Libra, uma nova moeda virtual anunciada há pouco pelo Facebook. O comentário de Trump aconteceu dias antes das audiências ocorridas este mês diante do Comitê Bancário do Senado e da Câmara norte-americana que discutiram aspectos legais do projeto. Para se ter uma ideia do ânimo acirrado das discussões, um projeto de lei foi apresentado após as declarações de Trump sob o título “Keep Big Tech out of Finance”. Certamente, esse ainda será assunto que ficará um bom tempo em evidência.

Mas, afinal, o que é este projeto? O que tem a ver com o bitcoin? Ou com o dólar americano? Quais os possíveis motivos que levam o governo dos Estados Unidos a atacar as criptomoedas?

No site oficial da organização www.libra.org, é possível encontrar um vídeo introdutório que deixa explícito o objetivo do projeto em criar um novo sistema monetário global, desenhado para a era digital e que seja simples e rápido, sendo utilizado como meio de pagamento e transferência de valores entre pessoas do mundo todo, empoderado pelo uso da tecnologia blockchain, que conferirá ao sistema segurança e acessibilidade.

É importante ressaltar outros dois fatores desse projeto: o primeiro, a intenção de lastrear a Libra (nome dado a criptomoeda resultante do projeto de mesmo nome) a uma reserva de ativos estruturada para que haja a preservação do capital e liquidez. De uma forma direta, estamos falando de um fundo de títulos públicos emitidos por governos estáveis que tenham um grande volume diário de negócios, com o objetivo único de prover baixíssima volatilidade para o sistema monetário Libra, garantindo assim que o valor de hoje seja o mesmo em uma semana, propriedade fundamental para a utilização como meio de pagamento.

O segundo fator relevante é o modelo de organização, baseado na associação de diversas empresas e agentes privados de todo o mundo, ou seja, apesar do Facebook estar na liderança do projeto, por intermédio da subsidiária Calibra, criada para esse fim, está muito bem acompanhado, tendo como associados gigantes que atuam em mercados como: meios de pagamento (Mastercard, Visa e PayPal); tecnologia e telecomunicações (Vodafone, eBay, Spotfy, Uber), e ainda empresas de capital de risco, organizações internacionais e sem fins lucrativos e por fim instituições acadêmicas.

Cabe destacar que o Facebook, apesar de estar liderando o projeto, terá os mesmos privilégios e obrigações que os demais membros fundadores, durante a operação do sistema. A atual rede já tem um peso bastante importante, porém é previsto que esse grupo aumente ainda mais, chegando a cerca de 100 organizações até o lançamento da plataforma, previsto para o primeiro semestre de 2020.

Muitos fatores operacionais desse novo sistema de moeda digital ainda não foram esclarecidos, principalmente pelo fato de ainda estar em desenvolvimento. No entanto, a partir do documento técnico disponível no portal, conseguimos desenhar o funcionamento básico da rede.

A melhor forma de entender como esse sistema funcionará é nomeando os agentes integrantes dessa complexa operação e o papel que cada um exerce:

Associação Libra, formada pelos membros fundadores

Esse agente exerce um importante papel no desenvolvimento de todo ecossistema, englobando a criação de toda tecnologia, a interlocução com as autoridades, tais como órgãos reguladores e governos, o desenho do modelo de negócio/operação e o aporte de capital, tanto para o investimento no projeto quanto para a formação inicial do fundo, que será o lastro para emissão das primeiras moedas.

Durante a operação do sistema, a associação terá a função de emitir as moedas, validar as transações, gerir o fundo lastro e garantir a governança de todo o sistema. Com o amadurecimento da rede, é previsto uma redução da influência/dependência entre o sistema e esse agente, por meio de mudanças no desenho da rede, principalmente no que tange o permissionamento.

Outros dois agentes fundamentais para que a transação ocorra são:

Pagadores e os recebedores que vão interagir a partir de uma transação

Caberá ao pagador a obtenção da libra por meio da compra por moeda fiduciária, da troca por outra criptomoeda ou ainda pelo recebimento a partir de uma outra transação, além da posse de uma carteira virtual, software responsável pelo armazenamento das moedas e realização do pagamento e recebimento.

Prestadores de serviços – Exchange

• As Exchange autorizadas serão responsáveis pela distribuição das moedas e direcionamento do capital para a associação Libra aplicar no fundo lastro.

• Também serão responsáveis pela liquidação, atuando como marketplace entre quem quer comprar e quem quer vender a Libra e em última estância entre quem quer vender e a associação Libra como compradora.

Prestadores de serviços – Carteira

Um segundo prestador de serviço é o fornecedor da carteira, que inicialmente será papel da Calibra, pertencente ao Facebook, permitindo transações a partir do Whatsapp e do Messenger, prometendo transações rápidas e com custos bastantes reduzidos.

Entendido o funcionamento do ecossistema do projeto Libra, podemos analisar as principais diferenças entre a moeda Libra e o bitcoin, ou ainda qualquer outra criptomoeda existente.

Dois principais fatores tornam a Libra um sistema único no universo das criptomoedas:

1. As criptomoedas atuais ainda são de uso bastante restrito para meio de pagamento, seja pela complexidade, falta de confiança, volatilidade ou restrições técnicas de escalabilidades. O fato é que nenhuma criptomoeda tem um volume de usuários significativo frente a meios de pagamentos mais maduros. A Libra aposta no lastro para reduzir a volatilidade e no desenho da arquitetura tecnológica para solucionar problemas de escalabilidade.

Alguns poderão dizer que existem outras criptomoedas que teoricamente são lastreadas, como, por exemplo, a Tether e soluções como a lightning network do bitcoin que buscam aumentar a escalabilidade da rede. Portanto, se faz necessária uma análise um pouco mais profunda.

O lastro da Libra se difere pela ausência de paridade com qualquer moeda fiduciária, uma vez que é feita a partir de uma reserva de ativos emitidos por governos, com ênfase para o “s”, como dito anteriormente. E isso faz toda diferença, a diversificação do fundo é fundamental para reduzir a influência de um ou outro grupo econômico, dando flexibilidade para a associação gerir o fundo de forma a garantir a manutenção do capital e estabilidade mesmo frente a crises, tornando assim a Libra, teoricamente, a moeda mais estável do mundo e reduzindo o poder de influência de qualquer governo no sistema, o que é fundamental para que seja uma moeda no âmbito global.

Em relação a escalabilidade acredito que o principal fator está ligado a confiança no sistema e não a tecnologia. A adoção em massa da Libra é mais do que esperada, afinal esse sistema nasce de uma organização que já possui 2,2 bilhões de pessoas interagindo por meio de suas plataformas, sem contar as dezenas de milhões de estabelecimentos espalhados por mais de 200 países das redes Visa e Master e os 180 milhões de compradores ativos do ebay. É um belo começo rumo a uma estrondosa adesão.

2. O segundo fator de diferenciação é que projetos atuais buscaram interromper o sistema existente e/ou contornar os regulamentos, isso adiciona uma maior complexidade para a adoção das criptomoedas, com inúmeros casos de discussões e atritos no âmbito legal relacionado a criptomoedas. Segundo artigo técnico, a libra busca inovar nas frentes de conformidade e regulamentação para melhorar a eficácia do combate à lavagem de dinheiro trabalhando em colaboração com os órgãos reguladores e especialistas.

Outros aspectos diferenciam essa plataforma das demais criptomoedas, como o estabelecimento de um padrão global de identidade, necessário para que o sistema funcione dentro dos termos de regulamentação existentes de lavagem de dinheiro e a entrega de um nova plataforma de desenvolvimento de aplicações, ou smart contracts, o que permite que as possibilidades de aplicação dessa tecnologia sejam infinitas.

Caso os planos da associação Libra se concretizem, o impacto será gigantesco, começando pela quebra da hegemonia do padrão US dólar como moeda global. Não acredito em uma substituição, mas sim em uma nova opção o que já é suficiente para irritar um governo.

A Libra não é a primeira e nem será a última iniciativa relacionada a criptomoeda a ser discutida no âmbito governamental, porém se destaca pelo poder e influência de seus membros fundadores. A simples discussão do tema contribui para o amadurecimento do sistema junto as autoridades impulsionando todo o ecossistema das criptomoedas. Por mais libertária que seja a ideia original da criptomoeda, a regulamentação dos criptoativos é fundamental para a adoção da tecnologia.

Impossível mensurar o impacto no mercado bancário mundial, porém podemos comparar com o impacto causado pelas empresas de tecnologia ao iniciarem a atuação em mercados tradicionais como transporte, varejo, comunicação, imprensa e mídia. A consequência imediata será a queda drástica nos preços praticados pelo setor, acompanhado por uma explosão de novos serviços.

A médio prazo, veremos uma enorme sinergia entre serviços financeiros e demais serviços consumidos pelas pessoas durante sua jornada cotidiana. Essa evolução se dará pela melhor utilização dos dados financeiros gerados pelas transações, as possibilidades são inimagináveis.

Pelos pontos acima, acredito que o principal desafio para a implantação do sistema Libra é de cunho político, ao mesmo tempo tenho a convicção de que a simples discussão do assunto junto a governos e autoridades será o principal benefício desse projeto, abrindo cada vez mais as portas para a implantação da tecnologia no que tange o sistema monetário.

(*) Pedro Birindelli é gerente sênior em transformação digital e especialista em blockchain da Cosin Consulting.

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