Meio & Mensagem
7 de outubro de 2013 - 12h28
Por Mirella Portiolli
“E pra você me entender vou ser até mais direto: Lôrabúrra, cê não passa de mulher-objeto.” A música de Gabriel O Pensador marcou a década de1990. A repercussão deu força à canção que até hoje serve de trilha para disseminar o preconceito contra as loiras.
Mas, independentemente da cor do cabelo ou da pele, há outro movimento que permanece reforçando estereótipos femininos: parte da publicidade direcionada ao público masculino.
Pesquisa divulgada no final do mês passado por Data Popular e Instituto Patricia Galvão aponta que 84% dos entrevistados concordam que o corpo da mulher é usado como chamariz para promover a venda de produtos e serviços na publicidade para TV.
O resultado vai na contramão das intenções de agências e anunciantes. Além de notarem a exibição na publicidade de representações femininas distantes do padrão real das brasileiras (o que ocorre segundo 65% dos ouvidos), a maioria (70%) defende punição aos responsáveis por publicidade que mostra a mulher de modo ofensivo.
Para debater os motivos que levam a publicidade a manter a mulher como um objeto sexual, Meio & Mensagem ouviu Jacira Vieira de Melo, do Instituto responsável pelo estudo, Marcos Scaldelai, presidente da Bombril, Andrea Souza, da Mood, que atende Devassa, e Cintia Gonçalves, da AlmapBBDO, ondes estão as verbas de Antarctica e Bohemia.
ONG
“Há um descompasso entre anunciantes/publicitários e as consumidoras, que se veem com diferentes capacidades e sonhos, que vão para além dos corpos sexualizados, mostrados nas propagandas. Ao reforçar estereótipos, a representação feminina na publicidade opera no plano de uma ‘mulher símbolo sexual’, de uma ‘mulher ilusão’ e promove um efeito pedagógico altamente negativo sobre as futuras gerações. Essa repercussão talvez seja a mais nefasta de muitas campanhas, que, com um grau de liberdade sem limites e sem metáforas, oferecem cervejas geladas e mulheres como uma única mercadoria para homens que buscam prazer. Está na contramão dos esforços empreendidos pela sociedade e pelo Estado por padrões éticos de civilidade e respeito entre homens e mulheres. Esse recurso deve ser classificado como regressivo. A elite que faz e aprova os anúncios ainda segue o padrão europeu: é branca, masculina, machista e ainda carrega forte preconceito de classe e raça. No Brasil há fortes resistências em discutir os conteúdos da publicidade. Anunciantes e publicitários buscam blindar todo tipo de crítica.”
Anunciante
“Encarar a mulher como objeto é um retrocesso. Hoje quem movimenta o País é a mulher. Todo crescimento da classe média está acontecendo por causa delas, que já administram 41% dos lares no Brasil. Não olhar para esse novo movimento é ficar míope nesse mercado. Para mostrar a beleza feminina não é necessário colocá-la de biquíni. A Bombril quebrou paradigma ao colocá-la numa posição diferente, de valorização, na campanha ‘Mulheres evoluídas’, e ao chamar o homem para o processo de limpeza. Por isso já tentaram duas vezes tirá-la do ar. Eu sei que o nosso direcionamento é diferente do das cervejarias. O target é a mulher, mesmo assim chamamos a atenção do setor para a necessidade de o homem refletir sobre as mudanças sociais. O mundo é diferente hoje, os companheiros ajudam nas tarefas domésticas, mas ainda há um machismo muito grande. A essência da publicidade é chamar a atenção, respeitando o target. Se uma agência que atende marcas de cerveja pensar fora da caixa e mostrar a mulher numa posição diferente, sem explorá-la, vai conseguir isso.”
Atendimento
“No trabalho desenvolvido pela Mood para a cerveja Devassa, inserimos a mulher no contexto de homenagem, pois acreditamos que a mulher contemporânea não está somente no ambiente do ‘lar’. Ela está no trabalho, cada dia conquistando mais espaço no mercado. Está no bar com os amigos, se divertindo ou contando uma piada de forma descontraída. A marca não se comunica por meio da sensualidade vulgar ou tratando a mulher como objeto. Se comunica por meio do momento da descontração, que é a cara do brasileiro, seja homem ou mulher, e isso está refletido no posicionamento do produto — ‘Todo mundo tem um lado Devassa’. É o lado divertido e descontraído da vida que homens e mulheres têm. Dentro desse contexto, a Sandy, por exemplo, já mostrou o seu lado Devassa, e, mais recentemente, Erasmo Carlos, ícone da música brasileira, que foge de estereótipos. Valorizamos a ‘liberdade’ para as marcas dos nossos clientes se expressarem, serem autênticas, inovadoras e crescerem, sem amarras para buscar um resultado efetivo.”
Planejamento
“A categoria de cerveja é um segmento que já utilizou e ainda utiliza muito as mulheres como tema. Mas toda vez que uma marca vai na contramão do que é o status quo de uma categoria, seja levando uma mensagem diferente para as pessoas ou mesmo rompendo com códigos e formatos já estabelecidos, a chance de ela ser ouvida pelas pessoas aumenta. A nossa estratégia de reposicionamento de Bohemia vai na contramão do uso da mulher como argumento central da propaganda. Posicionamos como a cerveja que coloca a qualidade acima de qualquer coisa e o diálogo do comercial retrata exatamente isso, quando um jovem sugere ao mestre cervejeiro que o próximo passo seria colocar mulheres gostosas no comercial. E ele responde ‘Quem gosta de propaganda assiste a deles. Quem gosta de cerveja bebe a nossa.’ Hoje, nossas campanhas de Antarctica retratam a ‘cerveja da diretoria’, ‘a boa’: a cerveja de quem vive a vida numa boa e sabe escolher o que é bom. Nosso objetivo com essa campanha é destacar a qualidade e valorizar o seu bebedor sejam eles homens ou mulheres.”
O comportamento não é exclusivo da publicidade brasileira. No vídeo abaixo, estudantes canadenses invertem os “papéis” femininos e masculinos frequentemente exibidos em anúncios.
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