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Livro conta trajetória de Petrônio Corrêa

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Comunicação

Livro conta trajetória de Petrônio Corrêa

No Centro do Poder, de Regina Augusto, será lançado nesta quinta-feira 22, às 18h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, em São Paulo


21 de novembro de 2012 - 3h31

Por Selma Santa Cruz*

Os milhares de jovens que disputam vagas nas escolas de publicidade ou ingressam na profissão sonhando com salários polpudos, prêmios internacionais e uma carreira glamourosa, não têm ideia de quanto devem a este senhor octogenário e algo sisudo, sempre de cachimbo na boca, cuja trajetória é o tema de No Centro do Poder, da jornalista Regina Augusto, diretora-editorial de Meio & Mensagem, que chega às livrarias nesta semana pela Editora Livros de Safra (o lançamento acontece nesta quinta-feira 22, às 18h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, em São Paulo; e haverá também noite de autógrafos em Porto Alegre, no dia 29, às 18h30, na Livraria Cultura do Bourbon Shopping Country). Isto porque na década de 1950, quando Petrônio Corrêa se associou a Antonio Mafuz e Luiz Macedo, na então provinciana Porto Alegre, para montar a MPM — que durante quase duas décadas liderou o ranking das agências de propaganda do País —, esta já era uma profissão celebrada nos Estados Unidos, onde vivia sua era de ouro, tão bem retratada em Mad Men. Porém, naquele Brasil ainda predominantemente rural e atrasado, onde uma ligação interurbana demorava dias para ser completada, e a televisão começava a engatinhar como mídia, o ofício representava, com frequência, apenas um bico, ocupação transitória de estudantes a caminho de uma “profissão de verdade”. E uma ocupação, por sinal, nada prestigiada: como muitos publicitários atuavam basicamente na venda de espaços em jornais, era comum o uso de placas em estabelecimentos comerciais proibindo a entrada de “pedintes, vendedores e publicitários propagandistas”.

Petrônio Corrêa foi um dos expoentes da geração que trabalhou pela profissionalização e valorização da propaganda no Brasil, porque entendeu seu papel como motor de um sistema econômico centrado na produção e no consumo de massa. Nunca, portanto, um fim em si mesma, mas um meio para promoção de marcas e negócios. O adolescente de origem modesta que saiu de Santo Ângelo, no interior do Rio Grande do Sul, para abrir caminhos na capital, tinha veia de empreendedor. Foi esta sua visão de negócios, além da forte vocação associativa, que acabou por torná-lo a principal liderança do mercado em seu tempo. E quase uma unanimidade, em termos de prestígio, pela capacidade ímpar de construir consensos entre visões e interesses muitas vezes concorrentes — de veículos, anunciantes e agências, por exemplo — em benefício da indústria como um todo.

Esta contribuição ficará consolidada como legado nas três entidades que se tornaram pilares do mercado brasileiro de comunicação, a partir da Lei no 4.680, de 1965, que estabeleceu o comissionamento das agências em 20% da verba de mídia de seus clientes: o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), de 1980, o Instituto para Acompanhamento da Publicidade (IAP), de 1997, voltado ao monitoramento dos investimentos públicos em propaganda, e o Conselho Executivo das Normas-Padrão (Cenp), fundado em 1988, que estabeleceu normas de remuneração após a desregulamentação do setor, um ano antes. Parece haver consenso de que todos estes marcos de defesa da indústria foram fruto da habilidade política e da tenacidade de Petrônio, que soube viabilizar acordos aparentemente impossíveis. Gilberto Leifert, que trabalhou com ele na consolidação do Conar, é testemunha deste empenho: “Colocar em funcionamento um órgão de ética baseado em normas de autorregulamentação, em 1980, ainda durante o regime militar, num país conhecido por não levar a sério as leis e dar um jeitinho em tudo, exigiu muito esforço.”  

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Conexões militares

Ao resgatar a carreira de Petrônio, Regina Augusto sugere que esta habilidade, aliada ao forte compromisso com os resultados dos clientes, foi um dos fatores críticos do sucesso da MPM. E constitui talvez a lição mais relevante que “o coronel”, como ele era conhecido, deixa para as novas gerações de publicitários. É certo que o crescimento vertiginoso da agência e sua capacidade de alcançar presença nacional em poucos anos — chegando a ter escritórios em 13 cidades e quase mil funcionários — foram impulsionados, sobretudo, pela capacidade de relacionamento, carisma e influência política que era a marca registrada dos três sócios. Como bons gaúchos, Petrônio, Macedo e Mafuz sempre souberam fazer valer suas conexões, tanto com empresários — como os proprietários da Ipiranga e da Renner, clientes fundadores da agência no Rio Grande do Sul — como com os donos do poder em Brasília, naqueles conturbados anos 1960 e 1970.

Macedo era sobrinho de João Goulart. Compartilhava com o tio a paixão por cavalos e o turfe, trabalhou em sua campanha eleitoral e contou com seu apoio decisivo, primeiro como vice de Jânio Quadros, e depois como presidente, na conquista das primeiras contas públicas da MPM: Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Eletrobras. Esta proximidade com o Palácio do Planalto logo cobraria, porém, o seu preço. Quando Jango foi deposto, em março de 1964, tornando suspeitos aos olhos do novo regime os políticos e empresas identificados com ele, a MPM sofreu uma devassa contábil e um Inquérito Policial Militar. Mas os sócios conseguiram reverter a situação, apelando novamente para seus relacionamentos e abriram um canal privilegiado com o senador Daniel Krieger. Providencialmente, este presidente do Senado que se tornou poderoso por um breve período naquela conjuntura instável era outro gaúcho aficionado por cavalos. Alguém que Macedo conhecera em sua juventude como locutor de programas de turfe na Rádio Gaúcha — profissão responsável, aliás, pela aproximação com outro locutor com tino comercial, Mafuz, que se tornaria o segundo M da MPM.
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Uma marca icônica

Mas o elo mais duradouro da agência com a esfera do poder foi, sem dúvida, o último dos generais-presidentes, João Figueiredo, que fora chefe do Serviço Nacional de Informações, o SNI, para quem a MPM desenvolveu uma estratégia de mudança de imagem, e que chegava a despachar em seus escritórios na capital gaúcha sempre que visitava o Rio Grande do Sul. Desta vez, a ligação era com Mafuz, que conhecia Figueiredo desde a década de 1950, quando se encontraram num consultório dentário. Com as contas públicas representando 60% da sua receita, numa época em que não havia licitações e os negócios de propaganda se decidiam na base do compadrio, a agência acabou inevitavelmente tachada como chapa branca. Mas isto não impediu que se firmasse como uma referência no mercado, uma marca que permanece icônica até hoje. A ponto de Nizan Guanaes, um dos publicitários mais celebrados da nova geração, ter pagado US$ 1 milhão para comprá-la, em 2001, uma década depois da venda para a Lintas, e tentado ressuscitá-la, sem sucesso, em 2003.

Quais seriam as razões deste apelo duradouro? Uma das explicações, sugere o livro, estaria no conjunto da obra. Sem benchmarkings, movidos pela sua intuição e muito trabalho, aqueles três jovens vindos de um Estado periférico, como era o Rio Grande do Sul, conseguiram fazer a diferença para uma importante carteira de clientes ao longo de 30 anos. Com sua forte pegada de negócios, a MPM entendia o desafio das marcas nacionais e internacionais que, naqueles tempos, pegavam carona no crescimento do “país do futuro” — os “50 anos em cinco” da era JK e depois o chamado “milagre brasileiro” do regime militar. Um exemplo foram as campanhas antológicas criadas a partir de 1975, em associação com a Casabranca, de Júlio Ribeiro, para a Fiat, que chegava para disputar mercado com as concorrentes americanas já consolidadas no País. Não por acaso, o prefácio do livro é assinado pelo presidente da empresa, Cledorvino Bellini, que credita parte do sucesso da Fiat no Brasil à parceria com “uma agência comprometida com o cliente”. E que não economiza elogios a Petrônio Corrêa: “Incorporamos parte do seu jeito e sua elegância ao DNA da nossa marca.”

A MPM teve também o mérito do pioneirismo no posicionamento como agência full service — ao incorporar, já na década de 1970, as disciplinas de relações públicas, promoção e eventos —, bem como na valorização da criação e do planejamento. Foi assim que atraiu alguns dos principais talentos da época, criando um ambiente descontraído e estimulante. Tanto que, até hoje, ex-funcionários nostálgicos se reúnem numa comunidade do Facebook, os MPMLovers, para recordar “os bons velhos tempos”. Por seus escritórios passaram nomes como Júlio Ribeiro, Sergio Graciotti e até um futuro escritor chamado Luiz Fernando Veríssimo — cujo primeiro romance, O Jardim do Diabo, foi publicado por iniciativa da MPM, em uma prestigiada coleção cultural voltada a autores brasileiros.

A cara do Brasil

Petrônio e seus sócios inovaram ainda no campo da gestão, ao adotar modelos de administração profissionais, até então raros no mercado de publicidade, para apoiar sua arrojada estratégia de expansão nacional. A capacidade de fincar bandeira em quase todas as regiões¬ do País, a fim de atender os clientes que buscavam escala nacional para seus negócios e marcas, acabou conferindo à MPM uma aura simpática de brasilidade, num momento em que as agências locais tentavam defender sua fatia de mercado diante das multinacionais, beneficiadas pelos alinhamentos de contas. De capital 100% nacional, ela aparecia como o Davi que ousava enfrentar os Golias imperialistas. E este se tornaria, no final, um dos pontos de orgulho dos sócios e funcionários. Como comenta Vera Aldrighi, a MPM era, em certo sentido, para o bem e para o mal, “a cara do Brasil” daquele tempo. Um espelho das forças e fraquezas de um país que tentava modernizar sua economia num regime politicamente fechado.
É por isso que a relevância do livro extrapola o tema da propaganda. Ao contextualizar, de forma inteligente e fundamentada, a ascensão e queda da MPM no cenário econômico, político e social, Regina Augusto foi além da história profissional de Petrônio Corrêa. Produziu um registro valioso, além de uma leitura instigante, para todos os que se interessam pela história recente do Brasil e seus paradoxos. Ela relata, entre outras histórias, como, ao mesmo tempo que a agência servia ao regime militar, seus sócios mobilizavam contatos para apoiar familiares de desaparecidos políticos — entre os quais o deputado Rubens Paiva, amigo próximo de Macedo, e um primo de Petrônio, morto na guerrilha do Araguaia e cujo corpo nunca foi resgatado.

Já para os profissionais e estudiosos da área, No Centro do Poder deixa uma provocação. Ao retratar a evolução de uma agência da década de 1950, época em que a propaganda era protagonista absoluta nas estratégias de marketing, o livro evidencia o contraste entre aquele ambiente de negócios e comunicação pouco dinâmico e o cenário atual, muito mais complexo, competitivo e desafiante. Como lembra Regina Augusto, quando a MPM nasceu, num Rio Grande do Sul que não tinha acesso à televisão, “fazer mídia não requeria prática nem tampouco habilidade”. Torna-se inevitável a reflexão sobre o momento disruptivo pelo qual passa a propaganda hoje diante do empoderamento crescente de consumidores e outros públicos, conectados a múltiplas redes de influências, na qual cada indivíduo representa, em si mesmo, uma mídia potencial. Como deverá se reinventar a propaganda para continuar relevante neste novo contexto, num momento em que o próprio sistema econômico está sendo repensado?  
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Consenso à gaúcha

Finalmente, livro nenhum merece atenção se não atender aquela premissa básica de oferecer uma leitura envolvente, capaz de capturar nossa imaginação e nosso tempo, cada vez mais precioso. E, neste sentido, há que recomendar No Centro do Poder com entusiasmo. Apesar do enfoque jornalístico e do rigor documental, a saga dos três jovens amigos que saíram de Porto Alegre para conquistar o Brasil, no peito e na raça, se lê quase como um romance. Mérito que é tanto de Petrônio, pela transparência com que se dispôs a compartilhar sua história, quanto da autora, que soube valorizar o lado humano da narrativa. Um dos capítulos mais emocionantes do livro é o dedicado à malfadada venda da MPM para a Lintas, em 1991, num período de dificuldades para a agência. Uma das primeiras medidas de Fernando Collor, ao eleger-se presidente, foi romper contratos com as agências que serviam o governo federal, um golpe pesado para a MPM. Ainda mais porque o calote na poupança do Plano Collor, e a recessão por ele provocada, enxugaram também as receitas das contas privadas. Como os sócios não tinham uma solução de sucessão e Petrônio enfrentava um drama pessoal — ele e a esposa haviam sido diagnosticados com câncer — a venda parecia fazer sentido.

Mas, após seis meses de negociações tumultuadas, o resultado acabou frustrando os dois lados e destruindo o valor tão duramente construído pelos três sócios por mais de três décadas. A MPM, que liderava o ranking de agências com um faturamento de US$ 120 milhões, despencou em apenas três anos para o sétimo lugar — um abaixo do posto ocupado pela Lintas antes da aquisição — e nunca mais se reergueu. Talvez porque aquela combinação única de atributos dos sócios fosse intransferível. Assim como o estilo peculiar com que o trio conseguiu trabalhar harmoniosamente por tanto tempo, desde quando firmaram um pacto, no lançamento da agência, para nunca brigar e decidir sempre por consenso. Um consenso que era perseguido, é verdade, com um instinto muitas vezes bastante bélico, nas reuniões mensais a que eles se referiam como “puteadas”— expressão para o jeito gaúcho de se discutir até a exaustão antes de se concordar sobre qualquer assunto.

Num destes paradoxos da vida, Petrônio, sempre celebrado pela habilidade como negociador, acabou se arrependendo da venda da MPM poucos dias depois de fechar o contrato. Hoje, confessa que teria preferido profissionalizar a sucessão, mas optou por ceder aos sócios, “que estavam cheios desse negócio de publicidade”. “O evento da venda da MPM me machucou muito”, relembra. “Eu me arrependo porque a história da agência foi muito interessante e bonita.” Com sua resiliência característica, ele reencontrou o entusiasmo pelo trabalho atuando como articulador, apoiando as instituições que ajudara a criar, como o Cenp e IAP. Fazendo, enfim, aquilo que sempre fez de melhor. “Nunca escrevi um anúncio nem uma linha de acordo, a única coisa que eu sempre soube fazer foi juntar as pessoas”, resume. E esta talvez, seja, afinal, uma das competências mais valiosas que existem. Aquela que realmente distingue os líderes das pessoas comuns.

*Vice-presidente de Planejamento do Grupo TV1

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