Vale-tudo: quando a marca é só pretexto para a criatividade
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Meio & Mensagem
1 de agosto de 2012 - 12h06
O coro de críticas à Nokia pelo caráter enganoso do viral sobre o sujeito que procurava a garota da balada (leia mais aqui) pode estar perdendo de vista um lado ainda mais questionável da campanha. Não foi correto, obviamente, induzir as pessoas a acreditar que se tratava de uma história real. Mas outras campanhas, convenhamos, já enveredaram por este caminho, de forma bem humorada, sem provocar reação tão negativa. O que talvez mais incomode, neste caso, é a completa falta de nexo entre o conteúdo da mensagem e o produto. Como se, nestes tempos saturados de comunicação e mídias, valesse tudo para capturar a atenção. A qualquer custo, e ainda que sem qualquer aderência com a identidade e o propósito da marca (leia, na seção Em Perspectiva, debate sobre este tema).
Como tão bem traduzido em Mad Men, a publicidade sempre foi uma profissão privilegiada. Por trabalhar com uma matéria prima nobre como a criatividade, atrair mentes brilhantes e desafiá-las diariamente a potencializar este talento em favor de um objetivo bem definido. Ao contrário dos artistas, livres para criar sem compromisso com a realidade, a propaganda sempre se guiou, ou se propôs a se guiar, por um ponto focal: o anunciante e seus objetivos.
Esta coerência, o nexo entre a mensagem e o produto, ficava sempre evidente para o consumidor quando a publicidade se limitava a "anunciar" os benefícios reais dos produtos – o refrigerante que refrescava, o sabão que lavava mais branco, a pasta de dentes que garantia um sorriso saudável. A credibilidade do discurso podia ser questionada, mas não o direito da marca de fazer promessas relacionadas a atributos funcionais. Porem, à medida que os diferenciais entre produtos foram ficando imperceptíveis, a ênfase da comunicação migrou para os benefícios emocionais a eles associados. Na perspectiva do emotional branding, as marcas passaram a se propor, nada mais nada menos, do que a fazer as pessoas felizes. Como se supermercados, bebidas gasosas ou margarinas tivessem o dom de garantir aquele estado superior da existência que nem a religião ou a psicanálise conseguem entregar.
Com o advento do consumidor-cidadão e a cobrança por responsabilidade social, as promessas do discurso acabaram se expandindo um pouco mais. Além do êxito pessoal, o compromisso agora é contribuir para um mundo melhor. E é neste contexto de uma comunicação cada vez mais desafiante, pela multiplicidade de meios, a inovação constante, e uma sociedade cada vez mais crítica, que conceitos e mensagens com frequência se descolam completamente do território conceitual das marcas e da sua interação com o público. Basta ver a elasticidade com que se trabalha muitas vezes o storytelling, como se o papel das marcas fosse competir com o cinema e a literatura. Será que este recurso faz sentido para o consumidor quando não tem relação com a marca, como no caso da Nokia? Sem considerar que, hoje em dia, se faltar credibilidade, as audiências criticam e parodiam – depois dos adbusters e do cultural jam, surge agora na Europa o subvertising.
Parece que, ao sair do formato consagrado do comercial de 30 segundos, para explorar outros meios de engajar o consumidor – como o digital, o brandexperience, as relações públicas ou o branded content – a criatividade na comunicação de marketing enfrenta um novo desafio. Continuar fazendo a diferença e criando valor de forma inovadora sem perder o nexo e a credibilidade. O que não significa que não se possa – ou deva – ousar cada vez mais. Basta ver, como exemplo, o comercial criado pela TBWA/Hunt/Lascaris para divulgar o festival de jazz de Johannesburg – primoroso. Ainda que recorra a pombos para falar de música.
Selma Santa Cruz é vice-presidente de planejamento do Grupo TV1
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