Opinião: Entre pela porta da frente

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Opinião: Entre pela porta da frente

Manter uma posição na esperança de retaguarda é pedir para se decepcionar. O segredo é fazer por você


9 de junho de 2014 - 3h42

Por André Kassu*

Aproveito o clima de Copa para viajar até 1986. No longínquo ano, há uma história perdida no tempo que nos ensina sobre caráter e comportamento. Já li e ouvi diferentes versões do fato. Vou me ater a duas possibilidades sem a promessa de ser completamente fidedigno.

Dia de folga da seleção. Leandro e Renato Gaúcho perdem a noção de sobriedade e tempo. No capítulo a seguir, eles precisam voltar para a concentração em um estado um tanto alterado. Eles poderiam ter pulado o muro, se Leandro não tivesse passado muito do ponto. Renato poderia, portanto, ter deixado o colega para trás. Não o fez. Ao lado de Leandro, entrou pela porta da frente e arcou com as consequências da sua decisão. O resultado é que Renato Gaúcho, no auge da sua forma, foi cortado da seleção em um dos grandes erros da carreira de Telê (Waldir Peres merece uma menção honrosa).

Outro rumor diz que havia mais jogadores com eles nessa noitada. E que todos retornaram mais cedo e pularam o muro. Não deixaram rastros. Renato foi punido por sua indisciplina dentro de campo, disse a comissão. A sua incapacidade de respeitar os esquemas táticos do técnico determinou o critério. Nas entrelinhas, todos sabiam que entrar bêbado pela porta da frente foi fundamental para a decisão de Telê. O problema é que Leandro não foi cortado e isso nos leva para a outra parte da história. Sabendo o que o seu companheiro tinha feito por ele, o brilhante lateral-direito recusou a convocação. E devolveu o gesto de Renato em uma moeda inimaginável. Leandro abdicou de uma Copa para poder descansar a cabeça no travesseiro e manter-se firme aos seus princípios.

Agora, vamos às leituras do ocorrido. Como a torcida reagiu? Criando piadas sobre uma possível relação homossexual entre os jogadores. Não sou politicamente correto e abomino o policiamento excessivo. O que não pode é uma história que ensina sobre caráter ficar relegada a uma piadinha. Se eles fossem, de fato, um casal, isso só engrandeceria o que um fez pelo outro. O que importa aqui é que eles foram humanos de um jeito que não estamos mais acostumados a ver.

É muito mais simples e menos desgastante ser conivente. Manter uma postura tem o seu preço e ele costuma ser alto em diversas ocasiões. Saber se você quer arcar ou não com o valor é uma decisão que deve ser pessoal. Explico. Se Leandro e Renato tivessem feito a escolha na esperança do apoio de todo o grupo, eles teriam de lidar com uma inevitável desilusão. Se for verdadeiro o boato de que alguns pularam o muro, pior ainda. Sair pela tangente é sempre a opção com mais adeptos. O que chama a atenção na história de 1986 é a convicção de ambos os jogadores.

Falar é prata, calar é ouro, diz o ditado. Sobre os falastrões costumam recair todos os débitos de uma conta que pode até ser conjunta. Na hora da cerveja, a coragem, a bravata e o discurso são petiscos que acompanham o momento. E, como tais, são perecíveis. Acreditar que eles vão se sustentar é ingenuidade. “Enlarge your penis” em mesa de bar é tão crível quanto o famoso spam. Manter uma posição na esperança de retaguarda é pedir para se decepcionar. O segredo é fazer por você. Se você abriu a porta do elevador, não fique irritado porque não ouviu obrigado. Abra a porta com a certeza de que você só sabe fazer desse jeito.

Renato Gaúcho continuou falando. Parece que ele não encontrou alternativa. É a sua natureza. Leandro mora em Cabo Frio onde tem estátua e uma pousada. Permanece quieto e sente-se culpado pelo corte do Renato. Tantos anos depois essas duas figuras ainda carregam o ônus e o bônus de suas decisões. A seleção perdeu dois craques naquele ano. Não penso em futebol, agora. Penso fora do campo. É melhor ter Leandros e Renatos Gaúchos por perto. Entre a conivência e a postura, prefira a segunda. Na dúvida, entre pela porta da frente. 

wraps

*André Kassu é sócio da CP+B Brasil. Este texto foi publicado na edição 1613 do Meio & Mensagem, de 09 de junho  

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