Cingapura: a propaganda no hub criativo asiático
Brasileiro Marco Versolato compartilha os desafios, oportunidades e curiosidades de um mercado distante e diverso
Cingapura: a propaganda no hub criativo asiático
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Renato Rogenski
21 de março de 2019 - 6h00
Com mais de 20 anos de carreira e passagens por grandes agências brasileiras como DM9DDB, Y&R, DPZ&T, Lew´Lara/TBWA e AlmapBBDO, Marco Versolato já é uma figura conhecida no cenário nacional. Há dois e meio, no entanto, ele resolveu desbravar outros territórios. Foi parar em Cingapura, onde está desde então, como CCO da JWT, comandando a criação em trabalhos para clientes como HSBC, Friso, Listerine, Kellogg,’s e Lux. O publicitário é o cicerone da vez na série Publicidade Brasileira Tipo Exportação.
Em um cenário diverso, volumoso e polarizado entre grifes de luxo e marcas populares, e que muitas vezes serve de base para os testes do que pode ou não dar certo no resto do mundo, Versolato trabalha para encontrar o ritmo ideal, como faz tocando bateria, um de seus principais hobbies fora da criação nas agências. A seguir, o publicitário brasileiro compartilha os principais desafios, oportunidades e curiosidades da propaganda praticada em Cingapura.
Meio & Mensagem – Como é o mercado publicitário em Cingapura?
Marco Versolato – O mercado local de Cingapura é pequeno, mas as agências tradicionais de peso estão por aqui com grande renome. Porém, agências digitais ou até mais boutique seguem crescendo no mercado, se lançando em operações bem dinâmicas também como Huge, R/GA, Arcade, 72andSunny. Ao mesmo tempo aqui, empresas como Facebook, Netflix, Hulu, Vice e Discovery têm operações consideráveis, pois a Ásia cresce exponencialmente a cada minuto e um Brexit ou a bolsa de Wall Street não alteram o mercado de bilhões de consumidores.
Quais são as maiores diferenças na comparação com o mercado publicitário brasileiro?
Estar na Ásia te abre a cabeça para a proporção gigante, antes impensável, dos mercados daqui. Se o mundo fosse dividido em cinco pessoas, o primeiro seria chinês, o segundo indiano, o terceiro de países muçulmanos, e os últimos dois representariam toda a Europa, Américas do Norte, Sul e Central, todo continente africano e australiano, e o sudeste asiático, Japão, Coreias e Rússia…. O que isso significa? Que trabalhar somente com o mercado brasileiro, e em casos de marcas internacionais ter chance de lançar campanhas para o mercado das Américas, é estar focado em menos de dez por cento da população consumidora do mundo. Vir para Ásia, e especificamente em Cingapura, que se posiciona como hub do mundo, é um Ph.D.
“Como pensar uma campanha de Dia dos Namorados numa sociedade de casamentos arranjados? Ou como falar de cabelos para uma população feminina que usa véu na cabeça?”
Como é a mídia do país?
Aqui temos três tipos de clientes. Locais (por exemplo HSBC, somente para Cingapura), regionais (onde criamos para diferentes países aqui na Ásia) e globais (como Lux, onde criamos para todo o mundo, incluindo o Brasil). A mídia depende muito de cada cliente. Como aqui a agência não compra a mídia, para alguns clientes, mais os locais, sugerimos assets para influenciar o plano de mídia que será feito pela empresa que o cliente contratou. Ou seguimos o plano vindo do cliente, como no caso dos clientes globais, com os assets determinados a serem criados. Ou simplesmente criamos assets – Tool Kit – e enviamos para o país onde a campanha será veiculada. Baseado neles, os clientes regionais decidem o que fazer com empresas de mídias locais.
E a economia e o comportamento de consumo?
A economia é muito variada e, com exceção do Japão e alguns nichos como Austrália e Nova Zelândia, o mercado asiático é bem caracterizado por países com polarizações gigantes entre marcas de luxo e marcas populares. E o que normalmente empresas gigantes do ramo alimentício ou de produtos de cuidado pessoal lançam como teste por aqui, espelha o sucesso ou fracasso do que será no resto do mundo. Morar em Cingapura é bem diferente de qualquer lugar ao redor daqui. A Orchard, avenida equivalente a 5a Avenida de Nova York, tem cinco lojas Louis Vitton em somente quatro quadras. Porém, não distante de todo esse luxo, temos prédios de moradia popular como os HDBs, projeto modelo para o resto do mundo desde os anos 60.
E como são as agências e os publicitários?
Muito parecidos com o Brasil. Aqui se trabalha muito, as vezes finais de semana. Temos clube de criação local, e temos algo parecido com o Caboré também. Aqui temos a versão Ásia de Cannes, chamada Spikes. Como Cingapura é hub de vários clientes globais, há os profissionais globais e os locais, que de certa forma acabam se dividindo.
Quais são os grandes cases e agências do país?
Aqui temos quase todas as agências de todas as networks. J. Walter Thompson (agora Wunderman Thompson), Ogilvy, BBDO, DDB, TBWA, Lowe… Sobre cases, ainda não vi nada grandioso, apenas ideias esporádicas que até ganharam Ouro em Cannes.
Há algo que se pareça por aí com o mercado brasileiro?
Acho similar o tanto de horas que se trabalha. Aqui trabalhamos muito também. Tirando isso, os profissionais são diferentes. É difícil achar talento, há um grande turn over na equipe, temos muita diversidade, e isso implica em se adaptar a diferentes culturas e jeitos de se trabalhar. Algumas culturas são boas em storytelling, mas fracas em craft, outras são boas em craft, mas pouco criativas, outras não tem muita velocidade…
Como eles enxergam a propaganda brasileira e os publicitários brasileiros?
Brasileiros são mundialmente reconhecidos pelo talento e pelo jogo de cintura. Mas também pelo trabalho árduo e pela liderança generosa e acessível. Apesar de ser uma comunidade pequena, vejo uma inundação de brasileiros em várias empresas daqui, até longe do mercado publicitário, como startups e empresa de tecnologia. Nos departamentos de marketing das empresas também somos referência, e até encontro colegas que trabalharam comigo ou como meus clientes na época de DM9DDB. O engraçado é que o sotaque brasileiro tem o seu charme no meio de sotaques indianos, chineses, filipinos, escandinavos, americanos e ingleses. A língua oficial aqui é o inglês, mas é como se fosse a segunda língua para todo mundo.
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Quais são as maiores curiosidades do mercado de Cingapura?
Entender o que são os hábitos de cada cultura, de cada região. Viajar e entrar na casa de consumidoras nas cidades mais remotas do interior da Índia, ou da África, entender as logísticas das suas famílias, seus sonhos e desejos, ou ver como são as relações do empoderamento feminino ao se trabalhar com marcas do Oriente Médio. É muita história para contar. Somos um grão de areia quando passeamos somente pela cabeça de uma consumidora de classe média latino-americana no seu mercado de bairro.
De que maneira a cultura do país se reflete na propaganda?
Gigantescamente. Trabalhar com consumidoras chinesas, estudar a pressão do que é ainda o dilema da carreira ou de ter família, ou até em coisas mais simples como a valorização do branco fantasmagórico como beleza suprema. Como pensar uma campanha de Dia dos Namorados numa sociedade de casamentos arranjados? Ou como falar de cabelos para uma população feminina que usa véu na cabeça?
Como é trabalhar por aí e o que você tem feito de melhor?
Tive a sorte e a responsabilidade de vir para cá cuidar de uma marca global de uma grande multinacional. Desde minha chegada já ganhamos mais contas globais dentro dessa mesmo multinacional e com isso a área que cuido como diretor executivo de criação mundial já migrou de uma marca para um hub de marcas. Além disso, continuo como CCO da agência, que carrega ainda bons clientes locais com projetos que me ensinam todos os dias mais e mais sobre a cultura local.
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