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Um novo capítulo na revolução da TV.

Executivos do mercado de streaming de vídeo já estão manifestando uma certa resignação disfarçada de senso de oportunidade, anunciando serviços de conteúdo em vídeo com publicidade.


16 de abril de 2019 - 7h44

Por Fabiano Goldoni (*)

Trabalhei 5 anos num canal de TV por assinatura no final dos anos 00`s. O cenário sempre foi de uma verdadeira corrida do ouro. O Brasil, naquela época, tinha uma penetração de TV por assinatura de 14% contra mais de 60% da média de países latinoamericanos como Argentina, Chile e Colômbia. O crescimento era acelerado e com um grande vazio a ser preenchido.

 

O que poderia dar errado? No Brasil, as coisas não saíram como planejado em termos de crescimento, mas também não foi nenhuma tragédia. A TV por assinatura seguiu crescendo na última década e hoje tem mais de 37% de penetração. Nos países desenvolvidos o cenário é diferente. De acordo com o eMarketer mais de 33 milhões de assinantes de TV por assinatura cancelaram seus planos para migrar para o streaming. O fenômeno do cord-cutting se tornou cada vez mais forte por conta da consolidação do modelo on demand, através das Smart TVs e devices OTT (Over-The-Top), aparelhos que conectam a TV à internet, como Apple TV e Chrome Cast.

 

Foi nesse cenário de crescimento do streaming que o jogo parecia ter virado de vez no modelo de negócio da TV, uma vez que os modelos on-demand deixaram a monetização por publicidade de lado, focando suas receitas somente na assinatura. De 2009 até hoje, o Netflix se tornou a grande marca desse mercado, que ainda tem Amazon Prime, HBO GO, Hulu, Globo Play no Brasil entre outros. Só para citar os mais conhecidos. O telespectador paga para ter acesso somente ao conteúdo que gostaria e não precisa assistir aos intervalos comerciais. Essa virada no modelo foi tão impactante que provocou fusões e aquisições nunca antes imaginadas como a fusão da Time Warner e a cia de telefonia e internet Comcast (que já foi cancelado), a aquisição da FOX pela Disney, que já era acionista majoritária do Hulu juntamente com a NBC e Warner. Mais abaixo do radar do mercado, a RTL, que é uma das maiores redes de TV e rádio da Europa adquiriu a plataforma de publicidade em vídeo Spotx que alcança mais de 600 milhões de pessoas. Enfim, o cenário da TV se tornou caótico e com um alto nível de imprevisibilidade para quem tinha os spots de 30 segundos dos anunciantes garantidos. E ninguém gosta de imprevisibilidade num mercado que movimenta 180 bilhões de dólares por ano.

 

Será o fim da publicidade na TV?

 

Eu garanto que não. Primeiro porque a TV ainda tem um caminho muito sólido na monetização por publicidade das transmissões de eventos ao vivo como esportes, reality shows e notícias. A TV como conceito de distribuição de conteúdo de vídeo vem mudando radicalmente nos últimos 15 anos. Mas o modelo “ad-free” (sem publicidade) é bastante incipiente quando comparamos as audiências entre TV aberta, paga e via streaming. A grande mudança hoje está na multiplicação de formatos e plataformas de acesso ao conteúdo. A TV não se limita mais a tela no meio da sala. Mas isso é um conceito bastante conhecido. Vamos falar do que ainda não é tão comentado nos canais especializados.

 

O efeito colateral inesperado.

 

A pirataria está voltando, segundo este report da Sandvine, especialista em tráfego de dados online. O tráfego de upstream (compartilhamento Peer-to-peer) aumentou nos últimos meses de 2018, indicando que as pessoas estão trocando mais arquivos via BitTorrent. Ao mesmo tempo em que a Disney anuncia sua plataforma on demand Disney+ e a Apple o Apple TV+, a internet começa a reagir à fragmentação do mercado. Está acontecendo algo que poucos perceberam: a multiplicação de opções de streaming está quebrando o modelo de assinatura “ad-free”. Uma vez que as possibilidades de serviços surgem a cada dia, os usuários mostram que têm um limite para gastar em assinaturas, porém têm uma variação ilimitada de formas de consumir o conteúdo em vídeo. Imagine um futuro onde as pessoas terão que pagar por 3, 4 ou 10 serviços diferentes para ter acesso ao conteúdo que gostariam. Apenas inviável. Talvez vislumbrando esse futuro, a Amazon já está prestes a lançar um serviço de streaming com publicidade para pessoas que não podem, ou não querem, pagar pela assinatura. Pessoalmente, eu já assino Netflix e Amazon Prime e não pretendo pagar por um terceiro serviço. O que resta fazer se outra empresa lança uma série que eu gostaria de ver?

 

Executivos do mercado de streaming de vídeo já estão manifestando uma certa resignação disfarçada de senso de oportunidade, anunciando serviços de conteúdo em vídeo com publicidade. Modelos de distribuição completamente gratuitos já estão sendo levados a grupos de pesquisa para saber o impacto no mercado. No fim do dia, o velho modelo baseado na publicidade será a salvação da indústria da TV que se fragmenta cada vez mais.

 

Os novos e velhos protagonistas do mercado.

 

O cenário de adequação, do modelo pago e sem anúncios, pela alternativa gratuita com publicidade faz com que os gigantes da publicidade passem a retomar o poder que parecia estar com o futuro comprometido no mercado de TV. Se o Netflix vai abrir para publicidade, ou ele mesmo vende os espaços ou ele permite o acesso programático (como já faz o Spotify por exemplo). E não vai dar outra. Anunciantes vão acessar o inventário dos players via plataformas de mídia programática. Aliás, isso já acontece de forma bastante ampla nos EUA e Ásia nas smart tvs e aparelhos OTT, mas ainda muito pouco no Brasil.

 

Essa reconfiguração está longe de ser definitiva. Google e Facebook dominam o mercado de publicidade, mas não parecem se contentar em apenas ser a ponte para veicular anúncios no player dos outros. Youtube já tem modelo premium para estabelecer um marco entre o ad-free e o ad-suported. E o Facebook está comemorando as transmissões exclusivas da Libertadores, que poderão ser cobradas quando finalmente deixarem os usuários satisfeitos com a qualidade e delay (talvez nunca). O certo é que ninguém quer ficar para trás nessa revolução da TV. Então fazer qualquer movimento é melhor do que ficar parado.

(*) Fabiano Goldoni é sócio-fundador e Secret Agent da Alright

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