13 de novembro de 2014 - 8h01
POR PATRICIA PECK PINHEIRO
É advogada especialista em direito Digital, sócia fundadora do escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados e apresenta o talk-show “É Legal”
“A mudança está na cabeça das pessoas, na internet não basta apenas criticar”, afirma o filósofo Manuel Castells. O poder do indivíduo da era digital está em suas conexões e na capacidade das mesmas agregarem valor, gerarem conhecimento e realizarem ações de mobilização social em prol de um resultado compartilhado. O que mudou nas nossas vidas, do ponto de vista das relações sociais e políticas, após a invenção do “WWW” por Tim Bernes Lee há 25 anos? Tudo.
Do ponto de vista comportamental, mudamos completamente a sociedade com o advento da internet. Hoje, a primeira coisa que uma pessoa pergunta quando chega a algum lugar, seja um restaurante, um hotel, uma loja ou mesmo a casa de alguém é: qual é a senha do wi-fi?
Para o varejo em geral, fornecer Wi-Fi para o cliente não é mais uma questão de conveniência, mas sim de sobrevivência. Será que o poder de uma marca ou a qualidade de um serviço consegue ser mais forte do que o vício em internet? Ou o cliente pode escolher o concorrente só porque lá tem conexão de graça?
Na visão de Marshall Mcluhan “os homens criam as ferramentas, as ferramentas recriam os homem”. É isso que vemos quando analisamos o poder das redes de inteligência, se antigamente a “união fazia a força”, hoje a rede faz a revolução, como afirma o escritor canadense Don Tapscott “em rede podemos mais que governos”.
Por este motivo, que a recente lei publicada no Brasil, conhecida como Marco Civil da Internet, elevou o acesso à internet à condição de direito essencial para o exercício da cidadania.
Ainda sentiremos na prática os efeitos desta nova regra nos próximos anos que pode colocar em xeque a própria legitimidade de um governo, pois esta dependerá diretamente da sua capacidade de atender às novas necessidades deste cidadão digital, que precisa intensamente dos insumos de energia, telecomunicações e tecnologia.
A Revolução Digital está baseada em quatro pilares fundamentais: transparência, colaboração, compartilhamento de conhecimento e mobilização. Para Don Tappscot, um negócio só tem chance de ter sucesso e conquistar o coração desta nova geração já nascida na era digital se atender a estes princípios fundamentais.
Podemos dizer que as redes sociais se tornaram a nova bastilha, somos reféns da imagem e da reputação que cultuamos perante estas comunidades de amigos desconhecidos que se curtem uns aos outros em um dado momento e em questão de segundos são capazes de mudar de posição e praticar vingança e agressões digitais que deixam sequelas para sempre.
Na visão do filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé, a internet só amplia quem somos, o nosso verdadeiro eu aflora quando temos a chance de manifestar o que sentimos com um certo afastamento do outro atrás de um cordão de isolamento tecnológico.
Além disso, a internet foi totalmente construída dentro de um paradoxo estrutural que consiste no fato de ela ser um ambiente público criado a partir da interconexão de dispositivos privados. Por isso que o conflito entre público e privado é tão intrínseco a própria natureza da web.
Sendo assim, como garantir privacidade e proteção de dados pessoais em um cenário dominado por interesses empresariais cujo modelo de riqueza está baseado na economia dos dados?
Como trazer mais segurança para a vida digital das pessoas respeitando o sigilo de suas vidas e de suas comunicações se isso depende de um poder de polícia paraestatal, multinacional, com alcance global, que possa vigiar as infovias que dão passagem para a circulação frenética de pessoas e bens, por meio de um grande BIG DATA que se renova em tempo real, infinitamente?
Será que a tecnologia está nos tornando pessoas melhores, afinal? Ou ela acentua as diferenças, faz aflorar o radicalismo, o ódio, o preconceito na medida em que expõe mais cada um e permite a geração de tribos digitais excludentes?
Dentro de uma visão mais crítica sobre os recentes acontecimentos que vão desde manifestações de extrema violência, onde usa-se a “deep web” para conseguir praticar ações que se aproximam mais de práticas terroristas do que de protestos pacíficos, encontramos diversos especialistas que expressam um certo pessimismo sobre um futuro sombrio a nossa frente se continuarmos a trilhar este caminho sem aumentar o nível de educação e de ética dentro da internet.
Sempre será muito perigoso confundir liberdade com ausência de limites e de regras. Vide o caso do aplicativo Secret que como ferramenta foi inventado para permitir justamente a livre manifestação do pensamento, mas infelizmente sua finalidade foi distorcida e o anonimato que deveria libertar acabou sendo combustível para prática de ilícitos, para fazer o mal e gerar danos para os outros.
Podemos dizer que, quando o Judiciário precisa intervir para retirar de circulação uma tecnologia, porque ela está sendo mal utilizada pelo brasileiro, nós estamos enfrentando um profundo problema social.
Do outro lado, casos como dos jovens que foram punidos por documentar sua alegria dançando a música “Happy”, demonstram que ainda estamos longe de alcançar um modelo de justiça que permita a expressão da individualidade sem que isso provoque reações da coletividade.
A internet ainda tem um grande paradigma a ser enfrentado que é o seu efeito de conseguir aproximar quem está distante e, por outro lado, distanciar quem está muito próximo.
Por meio de telas, assistimos ao mundo com uma certa dose de indiferença, nos tornando observadores de nossa própria realidade, retratada de forma maquiada, onde ao nosso lado, um menino tem o braço arrancado por um tigre, registrado por vários celulares de pessoas cuja apatia e a omissão foram maiores do que a solidariedade que age e intervém e transforma.
O Direito é justamente o elo entre todas estas expectativas com naturezas divergentes, e tem a missão de estabelecer os parâmetros legais que devem proteger os valores sociais da Sociedade Digital.
Mas o que queremos que prevaleça? O que deve ter mais peso? A liberdade ou a proteção da imagem? O direito de acesso ao conteúdo ou a proteção da propriedade intelectual? A segurança ou a privacidade? Pois em muitos momentos estes direitos são colidentes e conflitantes.
Será que vale tudo pela gratuidade? Ou deve haver algum limite na captura dos dados das pessoas e no seu uso indiscriminado em troca de aplicativos e serviços grátis?
O que é certo é que a Revolução Digital ainda está acontecendo e nossas vidas foram invadidas pela promessa de que a tecnologia nos garantiria mais tempo livre, mais qualidade de vida, mais ócio criativo através desta metamorfose homem-máquina.
Nunca antes pudemos ser tão ouvidos, vistos, lidos, amados e odiados. Nunca antes a banalidade teve tanto espaço na mente das pessoas, chamou tanta atenção. Todo o tipo de comunicação, do comercial publicitário à uma aula universitária está fadada ao fracasso se não gerar participação, se não permitir interatividade com o público.
Enterramos velhos hábitos relacionados à busca pelo conhecimento, cujos rituais contribuíam para fortalecer as fontes com mais credibilidade. Mas agora, parece ser mais legal gastar todo o tempo livre curtindo fotos de anônimos do que lendo um jornal ou um livro.
Compartilhamos notícias mesmo que sejam falsas, sem confirmar a veracidade, sem entender bem o que significam, mesmo que sejam boatos, e pior, sem nem ter lido elas antes de passá-las adiante. Apesar deste tipo de comportamento funcionar como pá de cal na reputação, mesmo assim, parece que porque todo mundo faz, tudo bem, e continuamos seguindo levianos.
Apesar do Marco Civil da Internet, é difícil mudar o mundo através apenas de leis. Por certo, os princípios que foram encampados por ele são extremamente valiosos e importantes, como o da neutralidade. No entanto, qual será a nossa capacidade de fazer cumprir o compromisso que foi estabelecido quando estamos tratando com atores desta arena digital que ficam na nuvem, ou melhor, em qualquer lugar do planeta ou em lugar nenhum, deixando-os apátridas e, portanto, não sujeitos a lei alguma. São os intocáveis da era digital.
A neutralidade significa, em resumo, não poder colocar pedágio na internet. Mas como vimos, apesar de sua característica pública, a sociedade digital está baseada em uma infraestrutura privada, que até então pode deixar passar na frente quem é o “amigo do rei”.
A preferência no tráfego de dados faz toda a diferença para garantir acesso e velocidade, que são indicadores que determinam qualidade junto ao usuário. De nada adianta criar algo muito legal se ele não puder ser achado nesta imensidão de informações do oceano de dados que navegamos diariamente, tampouco se houver lentidão para alcançá-lo.
A convicção do internauta atual não dura mais que alguns segundos, e ele já passa para a próxima novidade do momento, o que estiver sendo um hit nas mídias sociais.
Neste movimento em prol da superficialidade e de relações efêmeras, as grandes marcas têm dificuldade em estabelecer uma convivência harmoniosa e duradoura, através da experiência de mais direta com seus consumidores sem que isso gere ruídos movidos por influências e manipulações muitas vezes obscuras.
Basta uma marca anunciar que um produto sairá de linha para que haja um cliente raivoso manifestando seu ódio a mesma marca que até então era sua preferida. Como lidar com as posições extremadas que a internet acaba favorecendo e dando visibilidade? A empresa pode acertar com 1 milhão de pessoas, mas se errar com apenas uma será condenada e linchada na web.
Concluindo, vivemos um cenário social, político e jurídico extremamente complexo. Mas qual o preço que vamos pagar por esta nossa Revolução Digital? O que vamos deixar de legado para as próximas gerações?
Será que vamos conseguir construir um mundo livre e seguro, democrático e de acesso ao conhecimento ou um mundo extremado, onde a opinião de um já é imediatamente rechaçada por outro, sem tolerância, sem respeito a diversidade, que cria círculos fechados através da rede, que dá medo, que é inseguro, onde a qualquer momento alguém pode ter seus dados roubados ou vazados e sua reputação destruída por uma imagem, uma informação, um click? Quem viver, verá. E por certo isso ficará registrado na internet, nossa grande irmã.